“Bandwagonesque” – o hipopótamo na sala de cristais

 

 

Quer medir o tamanho da importância de “Bandwagonesque”, o segundo disco do Teenage Fanclub para a música? Basta uma simples “googlada” e a gente se depara com vários resultados, todos enaltecendo o mérito do álbum. Não é pra menos, “Bandwagonesque” é um feito, o triunfo de um azarão, uma conquista do time mais modesto sobre um Real Madrid ou PSG da vida. É a vitória do romantismo sobre o cinismo, da amizade sobre o interesse, um hipopótamo dançando numa sala cheia de cristais sem derrubar nada no chão. É mais ou menos a gente. Engraçado é que era isso o que sentíamos em 1991/92, quando o álbum saiu. E é isso que ainda sentimos hoje, 30 anos depois, mas sem que tenhamos noção. Até porque não dá pra ser desajustado emocionalmente por toda a vida, chega uma hora em que conseguimos disfarçar, nos adaptar, sei lá, sobreviver. Chega de sofrer e ainda parecer gente boa, certo? Mas, de alguma forma, essa crença no sentimento, no amor pelo amor, no afeto, de alguma forma, vive em nós para sempre. E um disco pode ser a chave para entender tudo. E olha que “Bandwagonesque” nem é meu álbum preferido do Teenage Fanclub, hein?

 

Eu diria que este posto é do “Grand Prix”, que veio em 1995. Foi nele que a banda atingiu o seu ápice, a sua obra-prima, o equilíbrio perfeito entre melodia, ótimas canções e senso de oportunidade. Em “Bandwagonesque” e em “Thirteen”, de 1993, com a bola de vôlei na capa, o TFC ainda estava encontrando a sua forma ideal de comunicar sentimentos. Era um trabalho em movimento, um feixe de tentativas erro/acerto bem diante dos nossos ouvidos. E eu acho que a sonoridade do “Bandwagonesque” se prejudicou um pouco com o passar dos anos e, sobretudo, com o que o Teenage foi fazendo depois. A banda naturalmente achou o seu caminho e as distorções flaneludas do disco foram perdendo um pouco do senso de oportunidade e de lugar. Até porque este tempo transcorrido deixou o grupo mais suave, mais melodioso e isso é bom. A sonoridade se tornou mais alternativa e sessentista, no sentido sacrossanto Beatles/Byrds do termo, com aquela pitadinha powerpop digna de um Big Star e de um Badfinger.

 

Acho que o aspecto “grunge” que habita “Bandwagonesque” tem mais a ver com o tempo de sua feitura, mais ou menos como se necessário fosse para entrar na rodinha de conversa e conversar. Era uma roupagem, algo que ficou datado em pouco tempo. Quando ouvimos “Hang On”, a primeira faixa do disco seguinte, o já mencionado “Thirteen”, ela ainda está lá, mas cede espaço para uma levada beatle de natureza psicodélica e, quando chega “Gene Clark”, a última e impressionante faixa do álbum, ela se foi totalmente. Tudo bem, o tempo é o tempo e não dá pra brigar com ele. Porém, mesmo que hoje soe datado, o barulho presente em “Bandwagonesque” é sensacional e contrasta com a leveza do amor implícito e explícito nas letras e nas melodias que o TFC pôs pra jogo no álbum. É só imaginar todas as faixas sem as guitarras apitantes e temos a certeza de que todas poderiam ser cantadas e tocadas em volta de uma fogueira, voz e violão, enquanto assamos marshmellows num versão ideal desses que imaginávamos.

 

São onze faixas, mais “Satan”, a vinhetinha de distorções que costumava aparecer no clipe de “The Concept”, canção que abre o disco. É tudo muito bem feito, fruto da parceria celestial de Norman Blake e Gerard Love, os dois mestres deste ofício sonoro de leveza e peso numa coisa só. São tantas canções maravilhosos que a gente até fica com dor de cabeça. Enquanto escrevo, “Sidewinder”, a camisa 9 do álbum, rompe o espaço em Santa Rosa, Niterói, e me leva para a Copacabana de 1991/92, eu ainda fazendo estágio na Caixa Econômica Federal e apaixonado por umas duas ou três meninas impossíveis e aprendendo a dor e a delícia de ser desse jeito. Antes dela já vieram “Metal Baby”, que é aquela cartilha a ser seguida quando sua namorada gosta de bandas mais pesadas. E tem “Star Sign”, uma das mais perfeitas composições do grupo, impressionante na sua rapidez em contraponto com o peso e o amor explícitos. E agora que “Sidewinder” entra na sua reta final, é adorável como o timbre das guitarras muda e como o peso fica ainda maior. Na sequência, “Alcooholiday” é toda psicodelia colorida no seu início e a gente até chega a achar que um Noel Gallagher ainda roadie deve ter ouvido muito isso aqui.

 

As canções mais belas presentes em “Bandwagonesque” têm quase cinco minutos, ou mais. Não havia pressa em terminar, não havia o desejo explícito de tocar no rádio ou de aparecer bonitinho na MTV. Mesmo assim, contra tudo e todos, o Teenage Fanclub chegou a desbancar o “Nevermind”, do Nirvana, da lista de melhores discos de 1991 da revista Spin. E fez bonito em várias outras. Na capa, aquele saco amarelo de dinheiro que, com o título, acena que a banda teria se vendido ao mainstream. Vá saber. O TFC nunca foi mainstream e o azar é todo da triste maioria de pessoas que vaga pelo planeta sem nunca tê-los ouvido. Nós, felizardos, apesar da sofrência afetiva de anos a fio, entoamos essas canções como hinos pessoais. E, pensando bem, dane-se os outros discos da banda, hoje o dia é do bom e velho “Bandwagonesque” soar alto e forte. Não importa se o som parece meio agudo, é a gente se olhando num espelho que nos mostra como éramos há 30 anos. E a gente fica ali, parado, vendo, vendo…Afinal de contas, se minha carteirinha do Teenage Fanclub existisse de fato, a foto seria de 1991.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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