2021, Superman e o afeto dos heróis

 

Um super-herói que (em seu número de estreia!) impede um ato de violência doméstica, invade a casa do governador para libertar uma mulher injustamente acusada de assassinato, e força um lobista no congresso a abandonar seus planos de influenciar na política do país. Um personagem moderno, antenado com toda a discussão social que dá o tom cada vez mais na cultura pop, esse é o Superman em 1938, surgindo para o mundo em Action Comics nº 1. 

 

Também é por isso que o atual Superman ter se assumido bissexual é o momento mais relevante dos quadrinhos de super-heróis em 2021. Jonathan Kent, primogênito de Lois e Clark, é o atual dono do grande “S” da DC Comics, enquanto seu pai, o Superman que estamos acostumados a seguir por décadas, se encontra em uma missão no espaço. 

 

O personagem de Jon surgiu como uma espécie de homenagem aos velhos fãs, em uma história especial ligada à saga Convergência. Os leitores aborrecidos com a releitura do Superman no projeto Novos 52 – mais jovem, mais impulsivo – foram presenteados com uma breve aparição do herói em suas características mais clássicas, acompanhando o nascimento do seu filho enquanto o mundo a sua volta desaparecia.

 

Fez tanto sucesso que foi incorporado à cronologia oficial do Universo DC. Primeiro como uma espécie de Superboy pré-adolescente. Depois, o escritor Brian Michael Bendis o transformou, através de viagens estelares e teoria da relatividade, em um jovem adulto – sob protestos e aplausos dos mesmos velhos fãs. E hoje Jon é o defensor principal de Metrópolis e do mundo. 

 

Tudo isso é muito bacana e legal, mas se refere à trajetória do Superman dentro das margens de uma HQ. Para o planeta aqui fora, a revelação da orientação sexual de Jon Kent é importante porque mantém o herói no papel que ele sempre aspirou representar: um símbolo de segurança e inspiração para todas as pessoas.

 

Com a onda conservadora que varre o planeta a mais tempo do que gostaríamos de lembrar, as reações de repúdio ao anúncio da DC Comics foram muitas. No Brasil, o caso mais vergonhoso e célebre foi o do jogador de vôlei Maurício Souza, do Minas Tênis Clube, que destilou desconhecimento e homofobia sob o manto da “opinião pessoal” – o reduto final dos ignorantes.

 

 

O afeto dos heróis

 

Mas para muita gente a bissexualidade do Superman chegou como um abraço. Uma mensagem na garrafa escrita para o futuro onde, esperamos, as discussões sobre os afetos de alguém vão ser algo muito fora de moda. 

 

Tom Taylor, o escritor responsável pelas aventuras de Jon Kent, falou sobre a importância da representatividade no personagem e do exemplo que ele deixa para todos nós. “Pessoas me escreveram de todo o mundo, dizendo que leram a manchete e explodiram em lágrimas. Eles nunca imaginaram que o Superman poderia representá-los. E também recebi mensagens de pessoas LGBTQIA+ mais velhas, que disseram o quanto desejaram ter algo assim quando eram mais novos e o quanto estão gratos pela geração atual possuir esse tipo de representação.” 

 

Fugiu do radar da maioria dos conservadores – e de quase todo mundo, na verdade – o fato de que a revelação sobre o jovem Superman foi a culminância de outros importantes anúncios sobre a representatividade dos heróis de primeiro escalão.

 

Já no início do ano, na edição especial Infinite Frontier, Alan Scott, o primeiro Lanterna Verde, assumiu para os filhos ser homossexual. Esse foi um caso bem especial, porque Alan foi visto e se reconhecia como um homem heterossexual casado, e com dois filhos também heróis. Agora, já na terceira idade e viúvo, em um momento tocante da edição, ele assume sua orientação, dizendo não ser mais possível tentar viver de uma forma que não condiz com o que carrega dentro de si.

 

E no segundo semestre do ano, ninguém menos que o Robin aceitou, pela primeira vez, um encontro com um amigo de longa data, assumindo sentimentos que ainda não conseguia entender por completo, mas que queria descobrir. 

 

 

Tem gente que ainda não entende

 

Todas as pessoas que “pulam” a cada ação progressista nos quadrinhos parecem não ter entendido bem a mídia que dizem admirar. Tem, claro, espaço para todo mundo. Mas é um meio que viu seus maiores avanços nascerem das mãos e ideias de sonhadores, de inimigos dos limites e da censura, até mesmo de desajustados – e quem é desajustado no mundo em que vivemos certamente desfruta de algum bom senso.

 

Mesmo heróis virtualmente invencíveis como o Batman e o Superman não estão lá só para flexionar músculos e distribuir porrada, mas para liderar pelo exemplo. Bem escritos e interpretados, os ícones dos gibis são capazes de mostrar que o jeito certo de fazer as coisas passa por se importar com as pessoas, todas elas. 

 

Mas fica aqui um alívio, porque aparentemente estamos em uma passagem de bastão geracional. A edição cinco de Superman – Son Of Kal-El, que trouxe o início do relacionamento de Jon Kent com seu amigo Jay Nakamura, quebrou recordes de vendas e teve várias reimpressões – torçamos para que o mesmo aconteça no Brasil!  A Panini deve publicar a tradução da história ainda neste ano.

Fabio Luiz Oliveira

Fabio Luiz Oliveira é historiador e crítico da Arte não praticante. Professor da rede pública do Rio de Janeiro. Escritor sem sucesso, espanta o mofo de seus textos em secandoafonte.wordpress.com

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