“Matrix Ressurections” tem seu valor

 

 

Quem me conhece, sabe: sempre achei que só deveria ter havido um “Matrix”, o primeiraço, de 1999. Aquele filme foi uma interessante e rara peça de revolução no cinema, não só pelas inovadoras técnicas de efeitos especiais, mas pela muito bem resolvida salada de existencialismo, porradaria, kung-fu e afiadíssima percepção da manipulação midiática exercida pela indústria cultural ou por aquilo que entendemos como SISTEMA. Meu achismo ainda vai mais longe: os – então irmãos Larry e Andy – Wachowski cutucaram com muita força determinadas questões-chave e, por um caminhão de dinheiro, toparam fazer duas inócuas continuações – “Reloaded” e “Revolutions” – que diluíram o que era hardcore no original numa mal resolvida colcha de retalhos sci-fi tribalistas. Resultado: ninguém lembra muito destes outros dois longas e, ou adora o original, ou o odeia com força. O que nos leva a este curioso novo filme, “Ressurections”.

 

Quando vi os trailers, mostrando um Keanu Reeves decadente, parecendo seu personagem mais lucrativo, John Wick, temi por algo vergonhoso. Ainda que houvesse algum rigor visual que lembrasse a trilogia original e seus traços identitários mais interessantes, eu não imaginava como poderia haver alguma ponta solta no resultado final daqueles três longas que pudesse ser puxada. Mas havia e Lana (ex- Larry) Wachowski, que dirige e assina o roteiro, foi muito feliz na proposta que impulsiona o longa, que é: tudo que vimos nos filmes anteriores faz parte de um game revolucionário, concebido por Thomas Anderson, um megafamoso e bem sucedido designer de jogos eletrônicos. A “Matrix” lhe deu dinheiro e fama, mas ele segue angustiado, sem distinguir a realidade da ficção e precisa se consultar com um analista – ótima participação de Neil Patrick Harris – que lhe prescreve pílulas azuis, as quais precisa tomar várias por dia. Em meio a esta situação, vemos novamente uma inquietação no mundo que monitora a tal Matrix, deixando o espectador igualmente sem saber o que é real e o que não é, até que a ação tem início e novamente vemos Anderson assumir o papel de Neo, o escolhido, que irá destruir a Matrix e restaurar o equilíbrio na vida humana do planeta.

 

O que “Ressurections” se dispõe a fazer – e faz – é atualizar alguns conceitos do filme original, engenhosamente deixando quase tudo das péssimas continuações de lado. As questões existenciais, os efeitos, os conceitos e mesmo a justificativa para as agitações na Matrix são plenamente explicadas ao longo do filme, ainda que algumas delas demorem para fazer sentido nas mentes que estão menos familiarizadas com o filme original. Além disso, os novos atores que integram o elenco são muito eficientes na tarefa de atualizar a saga dos humanos x máquinas, que ainda segue como mote principal, sustentando questões mais profundas sobre alienação, controle e liberdade. Jessica Henwick (Bugs) é a grande novidade deste elenco, com carisma e força para dar sustentação à trama, junto com Jonathan Groff, que vive uma versão diferente e bacana do Agente Smith. Outros dois que retornam da trama original são Morpheus, vivido com mais leveza e humor por Yaya Abdul-Mateem II e a própria Trinity, com Carrie-Anne Moss revivendo a grande heroína, dona de importância devidamente aumentada neste novo longa.

 

As cenas de ação são impressionantes e fazem total justiça à demanda das tais atualizações na Matrix, que mostram que o filme se pretende como uma crônica até bem humorada do cabecismo que marcou o longa original, chegando a fazer piadas com a própria Warner Brothers, responsável pela produção. A trilha sonora ganha interessante upgrade com a inclusão de “White Rabbit”, clássico do Jefferson Airplane e uma versão sensacional de “Wake Up”, do Rage Against The Machine por um tal de “Brass Against”, com vocais de Sophia Urista, que cabe muito bem no espírito que o filme traz.

 

Ainda prefiro ver “Matrix” como o único filme de 1999, mas este “Ressurections” consegue justificar sua existência plenamente e, além disso, ser o melhor longa que Lana Wachowski faz desde, vejamos, “V de Vingança”. Vale ver, numa boa.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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