Zé Ibarra é uma das melhores vozes do Brasil

 

 

 

 

Zé Ibarra – Marquês, 256
27′, 8 faixas
(Coala)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Zé Ibarra esteve há pouco tempo na turnê que encerrou a carreira de Milton Nascimento, desempenhando papel fundamental. Ele também integra a banda Bala Desejo e, no passado recente, fez parte de outro grupo, Dônica. Nos últimos anos, além disso, Zé também começou a compor e registrar canções de outras pessoas, num movimento natural, que indicava uma busca pessoal e séria pela música como um instrumento de expressão. Agora, lançando este impressionante “Marquês, 256”, Ibarra se posiciona como dono de uma das mais impressionantes vozes da música nacional, além de mostrar ser dono de um ótimo e elegante gosto para arranjar, escolher e gravar obras alheias. Nas oito faixas deste primeiro trabalho oficial está tudo o que o potencial fã precisa saber para admirar o trabalho de Zé Ibarra.

 

 

A questão musical nesta estreia ainda tem um suporte, digamos, arquitetônico-emocional. Como o nome já diz, o álbum faz referência a um prédio, situado no bairro da Gávea, Rio de Janeiro, no qual Zé passou a infância e para o qual retorna com certa frequência. O motivo é a afinidade que o artista desenvolveu com o espaço, reconhecendo-o como determinante na sua busca pela identificação com a música em outros tempos, bem como uma espécie de refúgio para testar novas potenciais candidatas para gravações e tal. Mais precisamente nas escadas do edifício, Ibarra compôs, cantou e registrou boa parte das faixas presentes em “Marquês, 256”, além do espaço ter servido de cenário para um belo filme de curta-metragem que acompanha o lançamento digital nas plataformas de streaming. Criado pela produtora Cosmo, o vídeo de pouco mais de 20 minutos alinhava as músicas passando pelos detalhes do prédio – o hall de entrada, o elevador em movimento, e as sombras e luzes incidentes no espaço – mostrando Zé Ibarra convidando o público a assistir a um cenário cotidiano e, ao mesmo tempo, recriado com a interferência da arte.

 

 

No repertório, Zé Ibarra passeia por ótimas versões e reinterpretações, além de apresentar alguns belíssimos originais. Sua interpretação e registro vocal apontam para uma constante disputa pelo equilíbrio entre sutileza e força, duas emoções que sua voz não parece fazer muito esforço para reproduzir. Dono de um registro naturalmente agudo, Zé tem técnica suficiente para pairar sobre várias nuances de intepretação, soando como uma variante brasileira e mpbística do precocemente falecido Jeff Buckley. Ele domina graves e agudos com precisão e, não bastasse a técnica, tem inteligência para pinçar ótimas canções. Quando Zé se debruça sobre uma obra alheia, ele tem o bom senso de jamais emular as nuances dos originais, teimando em se apropriar do que vê/ouve.

 

 

Sejam estas obras conhecidas ou não, todas vão para a conta de Ibarra. Entre as regravações, estão: “Vou-me embora”, canção de Paulo Diniz em parceria com Roberto José; “Dó a dó”, uma impressionante composição de amor, no piano, de Dora Morelenbaum e Tom Veloso; “Hello”, em que a letra de Sophia Chablau se apoia na metalinguagem para brincar com palavras em inglês e em português, emulando até um certo ar tropicalista que cai muito bem no contexto do álbum; “Olho d’água”, de Waly Salomão e Caetano Veloso, registrada por Maria Bethânia e a ótima, soberba “Vai atrás da vida que ela te espera”, de Guilherme Lamounier, que há foi gravada por Zé Ibarra anteriormente. O projeto ainda inclui a inédita “Como eu queria voltar”, escrita pelo artista ao lado de Tom Veloso e Lucas Nunes, e “Itamonte”, mais uma autoral do cantor, que traz lembranças da infância ancoradas num arranjo que visita o pop brasileiro do início dos anos 1970 com muita beleza.

 

 

Se “Marquês, 256” é, na definição do próprio Zé Ibarra, um “prólogo” para o seu primeiro álbum, a expectativa por sua chegada já passa a ser imensa. Estas oito faixas estão entre os melhores momentos da música brasileira deste ano, sem dúvida.

 

 

Ouça primeiro: “Dó a Dó”, “Vai atrás da vida que ela te espera”, “Itamonte”

 

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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