Suede: No auge após tanto tempo
Suede – Autofiction
45′, 11 faixas
(BMG)
Pouca gente lembra que, ao ser mencionado pela primeira vez, o termo “britpop” se referiu ao Suede. O grupo liderado por Brett Anderson é um dos iniciantes da releitura noventista de fontes e influências britânicas – por britânicos – ao longo do tempo. Antes do Oasis sequer existir, o Suede já fazia sua versão pessoal do glam rock e com muita propriedade. Entre 1993 e 2002, a banda lançou belos álbuns, diferentes entre si, mas que conservavam uma inquietude sonora e uma postura desafiadora que a maioria das bandas inglesas dos anos 1990 foi perdendo ao longo daquela década. Mas, em 2002, o Suede interrompeu suas atividades após lançar “A New Morning” e parecia mais uma formação fadada ao desaparecimento, até que, em 2013, o grupo voltou a lançar um álbum de inéditas, “Bloodsports”. Ainda que fosse um bom trabalho, o disco não parecia recuperar as glórias perdidas, mas o Suede lançaria outros dois álbuns: “Night Toughts” (2016) e “The Blue Hour” (2018), em que, não só trouxe de volta seus melhores momentos, como rivalizou seriamente com os melhores trabalhos de sua carreira. Agora, “Autofiction” chega para comprovar esta ótima fase e, talvez, o pico da carreira do grupo.
Sim, é isso mesmo. A qualidade destes três discos, lançados nos últimos seis anos, aponta uma banda totalmente à vontade com seu som. Se já não há mais a explosão glam dos primeiros anos, o Suede inventou uma versão pessoal do pós-punk inglês oitentista e a turbinou com drama e sentimento a um ponto de extrapolar a tristeza contida de bandas como Echo And The Bunnymen, ou cínica, de gente como The Smiths, convertendo as bases musicais em algo derramado e sincero. Funciona e não enjoa, pelo contrário, até porque os sujeitos são excelentes músicos e conseguem visitar timbres e detalhes sonoros com elegância impressionante. “Autofiction” é, acima de tudo, um trabalho extremamente bem feito e bem produzido, com onze faixas em que não há desperdício algum, além de atingir momentos realmente brilhantes.
Quando a gente fala de sentimento, eu pergunto: que artista do rock noventista poderia fazer uma canção dedicada à mãe recém-falecida com tanta lindeza e dor como “She Still Leads Me On”? A faixa de abertura não é um mero tributo a alguém que se foi, mas um testamento doloridíssimo sobre perda e humanidade, em que versos como “When I think of all the feelings I hid from her” convivem com “And I loved her with a love that was strong as death//And I loved her when she was unkind”, mostrando que todo relacionamento tem vários lados e facetas. E Brett Anderson diz tudo isso em meio a um arranjo que evoca a conexão New Order/Electronic, com timbres de guitarra típicos que vão se desfazendo em meio a um instrumental colossal, energético, encrespado, com destaque para o uso magistral do teclado como instrumento de base, além das guitarras, que encerram a canção apitando em fúria.
Como dissemos, “Autofiction” não tem desperdício, mas há outras três faixas que são absolutamente sensacionais. “15 Again” é uma musculosa estrutura pós-punk dos anos 1980 com espaço para guitarras misteriosas que vão se misturando e dando o tom para baixo e bateria dialogarem com clareza. Sobre tudo isso, a voz claríssima de Anderson, pairando majestosa. “The Only Way I Can Love You” é outro colosso de sentimento e derramamento de lágrimas pelo amor quase impossível. Para adornar as palavras, novamente o teclado e as guitarras levantam voo no refrão e dão uma visão total dessas contradições em que o coração bate na cabeça e não no peito. E o outro ponto alto é a impressionante “Shadow Self”, uma porrada aerodinâmica, com uma linha de baixo incrível e um andamento pulante que surpreenderá até o mais dedicado fã da banda.
Suede está, sim, no auge de sua carreira. A identidade que seus três últimos álbuns – incluindo este belo “Autofiction” – guardam é imensa e marcante. A banda está muito afiada, se divertindo e mostrando a seus contemporâneos como se faz. Aliás, o Suede está em turnê pelos Estados Unidos ao lado de outra banda noventista que nunca envelheceu, o Manic Street Preachers. Imagine ver estes dois shows numa mesma noite…
Ouça primeiro: “Shadow Self”, “15 Again”, “She Still Leads Me On”, “The Only Way I Can Love You”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Aguardando a chegada da “bolachinha” (cd), já devidamente encomendada hehe !