Paulinho da Viola – Sempre Se Pode Sonhar
Gênero: Samba, MPB
Duração: 78 min.
Faixas: 22
Produção: Paulinho da Viola, Homero Ferreira
Gravadora: Sony
Ouvi a música de Paulinho da Viola pela primeira vez aos cinco anos. Foi através da trilha sonora da novela global “Pecado Capital”, cuja canção de abertura, de sua autoria, tornou-se clássica atemporal. Não dá pra esquecer das imagens das notas de cem cruzeiros indo e vindo, bem como da saga do taxista Carlão, vivido por Francisco Cuoco, às voltas com uma bolada de dinheiro de procedência suspeita, deixada causalmente em seu fusquinha. Dali pra frente, Paulinho orbitou a minha pequena vida de criança carioca que vivia numa família musical. “Argumento” tocava no rádio. “Sinal Fechado” era ouvida lá em casa, na voz de Chico Buarque. “Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida” também surgia vez ou outra por lá. “Onde A Dor Não Tem Razão” também está no radinho do meu inconsciente e por aí vai. Mais tarde, já ciente das dores do mundo, incorporei “Nervos de Aço” (cuja interpretação de Paulinho é clássica e mais profunda que a voz do Tempo), “Dança da Solidão”, “Timoneiro”…O homem faz parte da vida. Sempre com este canto nobre, sofisticado, lírico, de um Rio que se foi e nada parece com o que temos hoje, sob os mandos e desmandos de políticos sem coração e noção do que significa a velha Cidade Maravilhosa, esta ideia, este estado de espírito em que a história e o cotidiano se mesclam – ou deveriam.
Paulinho é econômico em lançamentos hoje em dia. Seu último álbum data de treze anos atrás, o especial “Acústico MTV”. De material original, o mais recente é “Bebadosamba”, de 1996, o que mostra que o homem é um cronista do cotidiano, um observador mas que tem seu próprio tempo de maturação e funcionamento. Por isso é motivo de celebração a chegada de “Sempre Se Pode Sonhar”, álbum gravado ao vivo em setembro de 2006, a partir de uma apresentação que Paulinho fez no Teatro Fecap, em São Paulo, acompanhado de seu Conjunto. A ocasião não poderia ser mais nobre, ele foi convidado para inaugurar o espaço, situado no bairro de Liberdade, numa temporada de quatro semanas. Lembra quando os artistas ficavam algum tempo nas casas de shows? Duas semanas, três…O mundo que o tempo levou. Para tal evento, Paulinho veio com sua classe habitual e um repertório incrivelmente rico. Ele é um herdeiro formal do lirismo do samba, aquele que não é alegre, pelo contrário. O que ele canta é uma sucessão de situações de amor e desamor, proporcionadas pela ação do homem e da sociedade na vida das pessoas. O sofrimento, a decepção, a tristeza, a solidão, tudo está contemplado na obra do homem. Claro, há espaço para a felicidade, mas ela é fugidia, fugaz.
“Sempre Se Pode Sonhar” tem 22 canções e dá uma bela olhada para a carreira de Paulinho, ainda que não traga seus sucessos mais conhecidos. Minhas preferidas e já mencionadas “Argumento”, “Pecado Capital”, “Sinal Fechado” e “Foi Um Rio…” não estão no repertório e isso não importa nada. Ouvir a voz do homem é o bastante, funcionando perfeitamente em suas escolhas. Quando se fala de Paulinho, substituir canções é um de seus trunfos. Por exemplo: “Coração Leviano”, um clássico atemporal, está presente e soa perfeita. “Tudo Se Transformou”, outra beleza dilacerante, de 1970, também está firme e forte. Há espaço para “Coisas do Mundo, Minha Nega”, de seu disco de estreia, lá de 1968 e para uma arrepiante leitura de “Roendo as Unhas”, de “Nervos de Aço”, seu clássico álbum de 1972. Dele também está presente a faixa-título, um standard da lavra de Lupicínio Rodrigues e seu célebre verso de abertura: “você sabe o que é ter um amor, meu senhor?”.
O que é espantoso no álbum é o espaço para o novo e o tradicional. Paulinho percorre um caminho em que há espaço para interpretar “Para Mais Ninguém”, presente no álbum de samba de Marisa Monte, “Universo Ao Meu Redor”, lançada naquele 2006, bem como mandar uma mãozada de versões belíssimas, indo de “Nós, os Foliões” (Sidney Miller), “Fiz Por Você o Que Pude (Cartola” e enfileirar um módulo inteiro de chorinhos, composto por “Vibrações” (Jacob do Bandolim), “Vou Me Embora Pra Roça”, “Um Choro Para Waldir” e “Cochichando”, de Pixinguinha. Tudo isso para emendar com uma leitura vigorosa de “Dança da Solidão” e preparar o gran finale, que irá culminar com a execução de “1 x 0”, clássico futebolístico também de Pixinguinha e “Timoneiro”, que encerra o percurso sonoro. No meio do caminho, ainda há espaço para uma inédita: “Ela Sabe Quem Sou”, totalmente inserida no contexto.
Com músicos que mais parecem ourives sonoros, a habitual capacidade de conferir tons nobres ao mundano e do alto de sua figura sereníssima, Paulinho da Viola é sempre motivo de reverência e certo espanto. Dá vontade de mergulhar neste mundo que ele canta, regido por códigos e costumes mais nobres e belos que o nosso. Uma verdadeira aula de beleza, sentimento e interpretação de um mestre absoluto.
Ouça primeiro: “Onde A Dor Não Tem Razão”, “Dança da Solidão”, “Nervos de Aço”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.