Simply Red ainda relevante em novo álbum

 

 

 

 

Simply Red – Time
39′, 12 faixas
(Warner)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Olhando e ouvindo as canções do Simply Red, a gente não imagina que: 1 – Mick Hucknall, o líder do grupo, é um cara com origens operárias em Manchester, contemporâneo da galera do Joy Division; 2 – Hucknall é um dos maiores apoiadores do Labour Party inglês. Digo isso porque estas informações, de alguma forma, se mantém ao longo da carreira desta baa que se tornou projeto pessoal e quase solo de Hucknall. Surgido para o mundo em 1985, com o ótimo álbum “Picture Book”, puxado pela belíssima balada “Holding Back The Years”, o Simply Red tornou-se figura carimbada dentro do hall dos mais hábeis fazedores de pop planetário. Ao longo de uma carreira irregular, mas que já quase chega aos 40 anos e cheio de hits, Hucknall segue dando voltas ao redor do mundo, seja em shows lotados, seja lançando discos de inéditas. Este “Time” é o décimo-terceiro da carreira e o sexto lançado desde 2002. E é bem bom.

 

 

Ainda que o tempo tenha castigado suas cordas vocais, Hucknall ainda tem uma voz privilegiada. Se ele já não é capaz de atingir a mesma potência dos primeiros anos, seu registro vocal dá conta de canções que guardam um inequívoco DNA soul/funk/blues, estilos que ele segue honrando desde sempre. Tudo bem que o Simply Red não é uma banda que prime pelos aspectos mais rascantes e quentes destes ritmos e sonoridades, mas é impossível ouvir uma só canção em seus discos que não tenha uma boa produção e músicos competentes mostrando suas habilidades. Além disso, Hucknall é ótimo compositor, tem bom senso pop e sabe escrever uma balada como poucos em atividade. Todo álbum do Simply Red tem, pelo menos, uma ou duas ótimas canções lentas e contemplativas, sendo que algumas, como a própria “Holding Back The Years”, e outras, como “For Your Babies” e “So Beautiful”, sem falar nas covers de “Ev’ry Time We Say Goodbye”, “You Make Me Feel Brand New” ou “If You Don’t Know Me By Now”, mostram a habilidade do homem.

 

 

“Time” é um disco de pandemia. Trancado em casa com a esposa e a filha adolescente, Mick se viu às voltas com questões pessoais profundas e, para não entrar num processo depressivo, se arvorou a escrever e compor. Dessa leva saíram canções dedicadas à esposa, à sorte de estar vivo e seguro, além de críticas aos governantes do mundo, em diferentes níveis. Em termos musicais, a mistureba de influências soul, funk e blues são devidamente pasteurizadas em arranjos que mantém o mesmo padrão sonoro desde “Stars”, seu quarto álbum, lançado em 1991. Há inegáveis influências, mas devidamente contidas musicalmente, talvez para se adaptar ao público da banda – não exatamente conhecido por sua exigência e ansiedade pelo novo. E tal manobra ainda privilegia os vocais de Mick, mantendo intactas, ao mesmo tempo, as duas marcas registradas do grupo.

 

 

Há algumas canções realmente bacanas por aqui. “Just Like You” é uma endiabrada criação marcada por baixo wah-wah e ótimas guitarrinhas em chacundum, numa melodia que não deixa nada a dever ao que o Simply Red fazia lá por 1991. Há uma outra versão desta canção, “Just Like You pt.2”, que segue quase o mesmo arranjo, lá para o fim do disco. “Too Long At The Fair” é uma belezura pop com melodia sinuosa e versinhos engajados como “Democracy is wonderful, marvelous/But do you really care?” em meio a um arranjo pop de primeira linha, cheio de pianos e teclados. “Let Your Hair Down” é outra belezura, com instrumentos posicionados para reverberar o padrão sonoro de uma canção light soul setentista, sem falar nos ares Beatle presentes no arranjo de “Better With You”.

 

 

“Time” não é o disco que vai te fazer pular da cadeira para dançar loucamente ou mesmo te inspirar a sair por aí mudando o mundo, mas é um bom compêndio de canções pop boas o bastante para figurar no portfólio desta banda, que entende do ofício e segue viva.

 

 

Ouça primeiro: “Just Like You pt.1”, “Too Long At The Fair”, “Let Your Hair Down”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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