Cat Power passeia feliz com suas covers
Cat Power – Covers
Gênero: Folk, alternativo
Duração: 43:21 min
Faixas: 13
Produção: Chan Marshall
Gravadora: Domino
O que artistas como Iggy Pop, Bob Seger, Billy Holiday, The Pogues e Frank Ocean têm em comum? Todos estão inseridos no repertório que Cat Power apresenta neste seu novo álbum de versões, intitulado “Covers”. Quem gosta de Chan Marshall, o nome real da moça, sabe que ela ama se apropriar de canções alheias e este expediente é muito usado por ela em seu trabalho, seja em faixas isoladas, seja em discos inteiros. Assim foi com “The Cover Album”, lá de 2000 e com “Jukebox”, lançado em 2008. Quem conhece o jeito peculiar de Chan cantar já sabe que esta fixação por canções de outrem se materializa na obra dela de forma absolutamente natural, com um detalhe importantíssimo: jamais veremos Cat/Chan reproduzir arranjos de originais ou algo que soe preguiçoso. Ela escolhe o repertório já tendo em mente como irá subvertê-lo e capturar as canções e isso é muito importante. Chan é inquieta e só grava quando tem algo real a dizer. “Covers” é bem interessante.
Uma característica bacana deste novo trabalho é que ele contém algumas canções recentes da música pop, evitando que ele soe apenas como uma garimpada em faixas esquecidas ou obscuras de alguns artistas aqui e ali. Tem desde Frank Ocean e Lana Del Rey a Nick Cave, mostrando que o espectro sonoro de Chan é bem amplo – algo que a gente já sabia, mas que é bom lembrar – e que seu ouvido continua ótimo. Algumas versões que ela oferece aqui são tão interessantes quanto os originais e que umas duas ou três são impressionantes tamanha a mudança que ela imprime na nova gravação. O caso maior certamente é “Against The Wind”, uma das mais belas canções do repertório de Bob Seger, propulsionada por pianos no original, soando como uma cavalgada de triunfo após intempéries de todos os tipos na vida do cantor, aqui mais parece alguém voltando de uma guerra, confuso, obsessivo, mas que parece ter sobrevivido com relativa integridade física. O resultado é muito bacana, dando uma nova dimensão ao original, como convém quando se trata de fazer covers.
As faixas de Frank Ocean (“Bad Religion”) e Lana Del Rey (“White Mustang”) sofrem uma verdadeira metamorfose e ganham camadas e detalhes muito bacanas. A primeira mantém um pouco do groove original e carrega num acento mais soul setentista revisitado enquanto a balada de Del Rey recebe um acabamento feroz que remete a gravações de trip hop dos anos 1990, mas sem a saturação eletrônica daquele tempo. Chan obtém um resultado muito mais orgânico e sanguinolento, dando alma e coração que o original se ressente de não ter. E, claro, há canções que são mais antigas, como a belíssima “These Days”, de Jackson Browne ou mesmo “I’ll Be Seeing You’, imortalizada por Billie Holiday, canção esta que era a favorita de sua avó. Dentro desse microcosmo de apropriações, há espaço também para uma versão pianística de “Here Comes a Regular”, dos Replacements, que só foi escolhida por lembrar Chan de uma noite em que a tocou numa jukebox em Noa York com o último trocado que tinha no bolso. Ou seja, mos motivos que credenciam as canções para figurar no álbum são aleatórios, mas sempre emocionais e tristes.
Talvez a canção menos conhecida do álbum seja ‘Pa Pa Power”, de uma tal de Dead Man’s Bones, gravada em 2009. O curioso é que o autor desta faixa é ninguém menos que o ator Ryan Gosling, outrora membro deste grupo. É uma canção de protesto, que inicia com os versos “Burn the streets / Burn the cars”, o que nos faz pensar nos talentos ocultos das pessoas que são famosas por outros motivos. Com o mesmo grupo de músicos que a acompanhou no álbum anterior, “Wanderer”, de 2018, Cat obtém um ataque sonoro versátil, que faz com que ela consiga momentos intensos de emoção rock’n’roll e leveza/peso quando precisa de um ou outro. O fato é que estas canções ganham contorns imprevisíveis quando nas mãos de um artista que se dedica tanto a se apropriar e revestir tais músicas com detalhes sensacionais e inovadores. E ela faz até com uma canção própria, no caso, “Hate”, que foi rebatizade de … “Unhate”.
“Covers” é um bom disco de Cat Power, que a mantém no trono das grandes cantoras alternativas surgidas nos anos 1990 e que encontraram um caminho próprio para sua arte. Aqui Chan está à vontade, ora numa montanha russa, ora numa bicicleta sem mãos no volante, como convém.
Ouça primeiro: “White Mustang”, “Pa Pa Power”, “Bad Religion”, “These Days”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.