Will Freitas: arte como instrumento de mudança

 

 

Conheci Will Freitas nos shows e palcos da vida, por amigos músicos em comum. Ao ouvir seus sambas, percebi de cara um olhar atento para a crítica social em suas letras, uma voz potente e doce quando necessário, e um talento grande que só estava começando a aparecer.

 

Comprometido e consciente de sua posição na nossa realidade social, hoje Wil Freitas lança “Luta” em seu canal do YouTube, música que faz parte do projeto “Para Onde Eu Quero Voar”, totalmente autoral e cheio de influências boas, que vão do samba ao rap, passando pela MPB e por muitos beats. Batemos um papo sobre a iniciativa e sobre as ideias do artista. Confira!

 

Coluna Coringa: De onde surgiu o conceito do projeto?

Will Freitas: A ideia inicial foi juntar minhas letras de samba com a batida do rap e suas derivações. Como estamos em isolamento, sem poder fazer shows, pensei em uma estrutura de banda enxuta, com uso de samples, percussão, cordas e vozes. Gravei 10 faixas ao vivo e hoje lancei a música “Luta”, no meu canal do YouTube.
Falando de forma mais conceitual, “Para Onde Eu Quero Voar” vem afirmar o fato de que a estrutura da música preta é ancestral. Todas as ramificações existentes hoje se conectam, em suas raízes, com a manifestação de pretos em diáspora. Ao conectar composições de samba com a estrutura musical do rap, o projeto anuncia que o futuro é ancestral, e que a lógica da integração e concepção de quem somos é parte fundamental do todo, e de que há entre nós um fio potente com nossas raízes africana.

 

CC: Do que trata “Luta”?

WF: É uma composição que fiz pra falar de esperança. Falo da trajetória do homem preto e favelado, das lutas diárias que enfrentamos para conseguirmos um lugar no mundo. A arte muitas vezes é olhada com pouco respeito, mas acredito que ela seja fundamental para uma mudança de pensamento. Uso a arte como ferramenta de construção ou de mudança, e sempre irei usar!

 

CC: Quem está no projeto com você?

WF: Comigo estão DJ Modé nos samples e scratches, Sabrina Sant’Ana no coro, Thiago Roque no baixo e na guitarra, Adauto Hermógenes no cavaquinho e Léo Santos na percussão. A construção foi coletiva, em busca de uma sonoridade que representasse o que todos os envolvidos pensam e sentem sobre a temática que propus.

 

CC: O que te influencia na hora de fazer um som novo?

WF: É uma lista sem fim! Mas tenho escutado ultimamente e me inspirado em Serginho Meriti, Baiana System e Racionais MC’s, grupo que é minha referência eterna! E perceba: os três exemplos que dei usam o samba de alguma forma. A sonoridade de “Luta” é carioca, suburbana, uma crônica musicada da vida de quem enfrenta preconceitos e dificuldades para simplesmente existir.

 

CC: Por falar nisso, você acredita que o artista deve ter o compromisso de retratar ou de abordar a realidade que o cerca?

WF: Acho que quando o artista usa sua arte pra dialogar com o seu público é enorme! Não posso dizer que todo artista tenha que pensar assim, mas uso minha arte não só como entretenimento, mas também como ferramenta de mudança.

 

CC: Como você enxerga o cenário para artistas independentes hoje?

WF: Um cenário com muitos desafios e dificuldades né… Sempre falo que sou um operário da arte, e ser operário é lutar diariamente para romper barreiras e sobreviver. Apesar de ser um caminho difícil, é muito gratificante, e não sou de quebrar não, sigo na luta!

 

CC: Boa! E como tem atravessado a pandemia?

WF: Esse momento tem sido muito difícil, não só por não poder trabalhar, mas por viver uma tensão constante devido a essa doença, com medo diário por tudo e por todos. Essa doença é séria e da pesada, perdi alguns amigos esse ano, tá sinistro. Mas apesar de tudo eu consegui criar e desenvolver algumas coisas.

 

CC: Fale um pouco de sua carreira e de seus outros projetos…

WF: Vejo-me em um momento mais maduro, de conseguir entender meu lugar e o que tenho que fazer para transformar minhas ideias em realidade. Tive algumas músicas gravadas por outros artistas, sigo na busca, com ouvidos atentos, pra lançar minhas sementes. Como disse, sou um operário da arte e sigo minha vocação com empenho.

 

CC: E sua experiência no carnaval de rua?

WF: Comecei no carnaval esse ano, fui convidado pelo Léo Santos, mestre e idealizador do bloco Estratégia, para substituir o cantor João Biano em alguns shows, e acabou que me apaixonei! Daí, Léo me convidou entrar de vez para o bloco! Tô amarradão, a parada é mágica quero mais! Por sinal preciso de várias aulas com você, uma referência total pra mim!

 

CC: Que honra! Aproveitando, me diga qual é a sua opinião sobre o cancelamento da folia?

WF: Sem vacina não dá pra aglomerar, a situação é da pesada, várias famílias ficaram sem sustento e isso dói pra cacete, mas se tivéssemos algum amparo dos governantes não precisaríamos pensar na possibilidade de nos colocarmos em risco pelo sustento dos nossos… É uma situação delicada pra caramba, mas aglomerar sem vacina é um risco de vida enorme!

 

CC: Will Freitas: arte como instrumento de mudança Outros projetos para o futuro?

WF: Uso o YouTube para apresentar o projeto “Pra Onde Eu Quero Voar”, e em dezembro já lanço um single chamado “Desenrolo, com arranjo de Adauto Hermógenes e beat do Thiago, um beatmaker lá de São Paulo. A parada está lindona e bem de verdade, esperando tudo se normalizar pra me lançar na rua com força!

 

 

Celso Chagas

Celso Chagas é jornalista, compositor, fundador e vocalista do bloco carioca Desliga da Justiça, onde encarna, ha dez anos, o Coringa. Cria de Madureira, subúrbio carioca, influenciado pelo rock e pela black music, foi desaguar na folia de rua. Fã de poesia concreta e literatura marginal, é autor do EP Coração Vermelho, disponível nas plataformas digitais.

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