Chernobyl – Crônica de uma Tragédia
A minissérie “Chernobyl”, exibida pela HBO, é uma ótima realização. Em seus cinco capítulos, a narrativa expõe sem cerimônia a tragédia ocorrida na Ucrânia soviética em abril de 1986, quando o núcleo de um dos quatro reatores da usina atômica de Chernobyl, simplesmente, explodiu. Quem estava vivo na época – eu tinha quase 16 anos – se lembra da comoção mundial. Também se lembra do medo, uma vez que a extensão dos danos causados ao meio ambiente e às populações próximas é, até hoje, impressionante. Até hoje, o acidente ocorrido na usina ucraniana só foi igualado por Fukushima I, instalação japonesa, em março de 2011. São os dois maiores eventos desta natureza na história da humanidade.
Não há como negar a eficiência de “Chernobyl”. Produção inglesa, roteirizada pelo americano Craig Mazin e dirigida pelo sueco Johan Renck, a série tem méritos de sobra, especialmente na parte técnica. Renck, famoso por dirigir comerciais e clipes, entre eles, o impactante “Lazarus”, de David Bowie, tem a manha de fazer as coisas jogarem a favor da tensão. Ele se aproveita dos planos em ambientes fechados para criar a sensação de angústia necessária ao que está acontecendo. Também faz as locações, situadas na própria Ucrânia e na Lituânia, funcionarem a favor da narrativa, captando a desolação e o pasmo das populações, que vão sofrendo os impactos da gestão da crise pelo estado soviético, preocupado com vários fatores antes das perdas humanas.
A fidelidade aos eventos é admirável. Por todos os cantos vemos automóveis da era soviética e mesmo os helicópteros Mil Mi-8, utilizados na época, são vistos em cena, tentando soterrar o núcleo exposto com boro e areia. Além disso, o elenco – quase todo britânico – dá a profundidade necessária. O trio de protagonistas Jared Harris (Legasov), Stellan Skarsgard (Shcherbina) e Emily Watson (Uliana Komyuk), dá conta do recado e acrescenta o toque teatral ao drama da vida real. O mérito principal de “Chernobyl”, a série, é perseguir um realismo dos fatos, uma vez que tem sua narrativa inspirada nos relatos do próprio Legasov, um cientista soviético convocado para auxiliar na gestão dos eventos.
Claro que o estado soviético não é poupado pelo roteiro. Apontado como o grande vilão dos fatos, seja por problemas técnicos na usina, seja pelo pouco caso com as populações das áreas afetadas, seja com a postura diante da comunidade internacional, a URSS é mostrada como um covil de jararacas malignas. E qualquer russo que surge na tela está sempre fumando desbragadamente e se embriagando de vodka, clichês recorrentes (perdoem o pleonasmo) em filmes que mostram os soviéticos. Fico esperando por uma produção que não mostre essa gente sempre prestes a morrer de câncer ou cirrose. Também fico esperando por séries que persigam o realismo a todo custo visando mostrar o acidente de Fukushima ou mesmo o famigerado episódio do césio 137 de Goiânia, sempre com a dureza com que a URSS é tratada aqui.
Deixando este detalhe de lado, a série é ótimo espetáculo e mostra a competência de seus realizadores e elenco na reprodução deste episódio tão triste e trágico do final da Guerra Fria.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.