Gus Levy – O Véu

 

 

Gênero: Rock alternativo

Duração: 27 min.
Faixas: 8
Produção: Ângelo Wolf e Gus Levy
Gravadora: Independente/Tratore

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

Este bom “O Véu” é o terceiro disco “cheio” que Gus Levy lança. Além dele, de “Magia, Magia” (2019) e “Laço” (2016), o cantor, produtor e compositor carioca tem três EP’s, que compõem uma obra interessante que orbita a intersecção entre o indie, a versão mais recente de MPB e informações diversas. O novo trabalho marca uma considerável mudança sonora no escopo que Levy ergueu até agora, uma vez que ele mira – e acerta – o rock doído e autoral dos anos 1990, especialmente algo que poderia ser de Jeff Buckley, misturado com o Coldplay inicial e pitadas surpreendentes de sonoridades dos momentos mais intensos e junkies de Neil Young nos anos 1970. Ouvir algo com estas influências em pleno 2020, não só é interessante como é, digamos, refrescante, pois escapa de uma certa mesmice malandra que assola os trabalhos dos artistas independentes. “O Véu” é, sobretudo, um disco arriscado. E que funciona.

 

Levy é acompanhado por João Werneck (guitarra e voz), Kayan Guter (baixo, vocais) e Angelo Wolf (bateria e vocais), que já tocam juntos há tempos e se entendem praticamente por telepatia. Juntos eles formam essa argamassa musical que sustenta letras existenciais e interessantes, que se embrenham entre solos de guitarra, boas levadas de violão, timbres de teclados (tocados por Gus), que constroem uma atmosfera tensa, quase desesperada, que se encaixa no tempo cruel que vivemos. A objetividade também é um mérito desse pessoal, que encapsula oito canções em menos de meia hora, expondo apenas o necessário para o ouvinte, que mergulha instintivamente nos climas que vão surgindo.

 

“Céu de Espelho” inicia o disco com pouco mais de dois minutos de duração e vai logo dizendo: Traz no corpo, água e sal, e grita por socorro, sem olhar pro medo, mostra o resto, desce o véu, respira o ar no tempo”, palavras que indicam o tom noturno e contemplativo que se apresenta para o ouvinte. Não estamos diante de um disco feliz e que vai celebrar a alegria de estar vivo, pelo contrário. O buraco da existência, do amor/falta de amor, da solidão e do drama na metrópole pode te engolir a qualquer momento. “Não me casei, não me formei, não quero me informar” é o verso que abre “O Espírito do Sol” e apresenta um outro lado deste mesmo drama, o da permissão em ter um certo otimismo no “dia seguinte”, “na luz do sol que purifica a noite” e figuras de linguagem desta natureza. “A Noite” é bem parecida com “Spies”, do primeiro disco do Coldplay, com um clima que poderia ser à beira-mar, noturno, solitário, com o vento frio batendo no rosto gelado.

 

“Aval” já tem uma levada musical que mistura muito dessas influências mencionadas acima com algo que poderia ser do “Clube da Esquina”, com a voz em falsete e uma boa trama de guitarras, baixo e bateria. “Do Fundo do Mar” evoca violões e guitarras em slide que têm o Pink Floyd setentista como referência principal, do mesmo jeito que “Bola Azul”, esta porém, um pouco mais acústica. As duas últimas canções, “Eu Sou” e “Desfecho”, repetem algumas dessas influências com bom senso, especialmente a última, outra faixa noturna, quieta, evocativa.

 

“O Véu” é um raro disco “puro” de rock desse nosso tempo. Tem sentimento, contexto, conceito e ótimas canções, que funcionam bem juntas e que despertam a curiosidade sobre o que virá após a próxima. Ouçam.

 

Ouça primeiro: “Aval”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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