Wilco reencontra sua veia experimental

 

 

 

 

Wilco – Cousin
43′, 10 faixas
(dBpm Records)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

O Wilco parece repetir seu início de década de 2000. Logo depois de lançar o segundo álbum, “Beign There”, Jeff Tweedy e seus amigos buscaram expandir seu som para além do alt.country que haviam ajudado a fundar anos antes. Para isso embarcaram naquele que considero seu melhor trabalho até hoje, “Summerteeth”, lançado em 1999, no qual equilibram sua verve de belezuras sonoras pós-country com uma inquietação experimental que comportava até sintetizadores e teclados – vide a ótima “Shot In The Arm”. E não era só isso: ainda que o álbum seja próximo da perfeição, com “Summerteeth” o Wilco ganhou força e coragem para misturar e ousar ainda mais, mesmo que isso lhe custasse os fãs menos audaciosos. Foi assim com os dois trabalhos seguintes, “Yankee Hotel Foxtrot” (2001) e “A Ghost Is Born” (2004), nos quais, sob a produção de Jim O’Rourke, o grupo soou mais experimental e conceitual do que jamais soara. Esta verve arrefeceu no trabalho seguinte, “Sky Blue Sky”, de 2006 e parecia engavetada nos discos subsequentes. A verdade é que o Wilco só saiu de uma modorrenta maré de mesmice no álbum anterior a esse ótimo “Cousin”, “Cruel Country”, de 2021, no qual mergulhou de cabeça em suas origens country moderninhas perdidas. Agora, devidamente saciado, Tweedy parece disposto a nova maré de ousadia e alegria. “Cousin” é isso – o Wilco ousando de novo.

 

Pode parecer pouco para uma banda tão importante, cujos trabalhos são tão aguardados e, posteriormente decifrados por fãs curiosos e ansiosos. Assim como na maré experimental da virada do milênio, o Wilco resolveu chamar um produtor de fora, a fim de ajudar na tradução sonora do que anda acontecendo por aí. Essa figura se materializou na cantora e compositora galesa Cate Le Bon, que veio pilotar o estúdio para Tweedy e sua turma, nitidamente proporcionando a eles uma saudável renovação. Não que os músicos do Wilco vivam num subterrâneo à prova de novidades, mas eles prezam o estilo que criaram, a marca sonora que imprimiram. A sonoridade da banda brinca sempre de ser o que não é completamente. Não é country, tampouco alt.country. Não é avant-garde, não é pop, não é classic rock, mas é um pouco disso tudo. E ainda tem no comando um baita compositor como Jeff Tweedy, que manteve o grupo ativo e produtivo, sem falar na sua própria carreira solo e dos projetos com o filho e de literatura. Ou seja, o Wilco é uma pequena máquina criativa, forte, potente e confiável. Mexer nessa engrenagem pode ser espinhoso, a menos que haja um desejo multilateral. E este parece ser o caso.

 

Tweedy sempre foi ótimo compositor e preparou uma fornada especialmente inspirada para “Cousin”, cujo título vem da tentativa de definir sentimentos e pessoas que não próximas, mas não o suficiente a ponto de nos marcarem totalmente. Mas, paradoxalmente, podem ficar por anos e anos nas nossas mentes e vidas. Quem nunca? E Le Bon entra nessa equação com a missão de opinar e sugerir. Por exemplo, é impossível não enxergar sua mão logo na faixa de abertura, a ótima “Infinite Surprise”, que mistura guitarras, percussões subreptícias e vocais empoeirados que escrutinam o sentimento de perda, de incompatibilidade e as respectivas constatações de sua existência. Outra faixa que apresenta inquietação é a bela “Sunlight Ends”, na qual Tweedy fala sobre a força de um amor que pode ser maior do que a própria pessoa. E tem pequenas dicas colocadas no caminho, como em, por exemplo, “Evicted”, lançada como o primeiro single. A melodia quase chupa “Raspberry Beret”, canção de Prince safra 1985, mas o faz dentro do arranjo mais convencional – baixo, bateria, guitarras, pianos. A semelhança, no entanto, chama a atenção.

 

As outras composições de “Cousin” se valem desse vasto universo que o Wilco ergueu nestes quase trinta anos de carreira. A faixa-título tem um riff anguloso e arranjo que dão foco a uma melodia estranha, mas familiar. Tem uma progressão de acordes esquisitos que dão foco a “Ten Dead”; tem a linearidade melódica que faz a beleza de “Levee”, tem os violões dedilhados que convivem uma melodia surpreendente e pequenos efeitos sonoros aqui e ali, que emolduram e disfarçam, tem a placidez aparente de “Pittsburgh”, desaguando em ruído, surpresa e o verso “I love the rain/And how the rain can turn/Shit into a rose”. Tem a brejeirice de “Soldier Boy”, cujo arranjo parece mais simples do que realmente é e, por fim, o fecho com “Meant To Be”, que é uma daquelas canções épicas que Jeff Tweedy compõe, grava e faz parecer simples.

 

Será “Cousin” o primeiro de uma nova sequência de trabalhos mais experimentais do Wilco? Será apenas um álbum isolado, inquieto e si mesmo, refletindo a verve de músicos talentosos e capazes? Ou não será nada disso? Vamos aguardar.

 

Ouça primeiro: “Cousin”, “Pittsburgh”, “Evicted”, “Levee”, “Infinite Surprise”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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