Perplexo

 

 

1. Que ficou pasmo, hesitante ou indeciso, sem reação, diante de algo inesperado, incompreensível ou absurdo: Ainda confuso após o atentado, parou perplexo em meio ao caos.

 

 

Esta definição de “perplexo” está no ótimo dicionário Caldas Aulete, em sua versão online, fácil de acessar e item indispensável para quem escreve bastante. Justo por passar dias parindo textos de vários tipos e tamanhos, é paradoxal pensar que é muito difícil concatenar ideias sobre o momento atual do país e transformá-las em uma sequência ordenada de frases e palavras. Não deveria ser, mas é, pelo menos para mim. Estamos perplexos com o que vivemos nos últimos anos no país, mais precisamente, de 2016 para cá, mas alguns hão de colocar este ponto de partida em 2013 ou 2014. Estamos perplexos com o que vemos todos os dias. Estamos…perplexos, latu sensu.

 

O fato é que o Brasil vive um tempo inacreditável de sua história. As notícias que são veiculadas pela grande mídia, a que forma opiniões e defende interesses, mostram duas coisas: as instâncias públicas estão sob ataque cerrado. As pessoas que estão atacando não parecem capazes de completar um raciocínio simples. Nós, que vivemos sob a égide de várias conspirações de diversos tamanhos e alcances, não conseguimos achar que está tudo normal. Não me refiro à eleição de uma pessoa absolutamente despreparada para ocupar a Presidência do país, mas ao que parece ter sido condicionante para que o pleito tenha se confirmado do jeito que foi. O compromisso com o desmantelamento de instituições como Previdência Social, Universidades Públicas, SUS, entre outras, taxadas pelo “pensamento” neoliberal como ineficientes, porque não geram lucro do jeito que os grandes caciques do capital gostariam, mas por serem, justamente, gratuitas, inclusivas, de todos.

 

Sabemos que tais instâncias não operam com perfeição. Há muita gente miserável, sem estudo superior e sem saúde, mas, por que não consertá-las ao invés de destruí-las, torna-las inoperantes para que seja justificado o postulado do lucro e da eficiência? Porque, a despeito de toda a perplexidade com o noticiário, há um plano em andamento e ele passa, diretamente, pela ideia de que o mundo não é para todos. Quanto mais gente ficar de fora da partilha de riquezas e lucros, melhor. Porém, não precisávamos passar pelo que estamos passando, pela sensação de que as plateias dos programas do Ratinho, da Luciana Gimenez e do Faustão, subitamente, tomaram o poder e as atrações destes mesmos programas foram colocadas nos mais variados escalões do governo. Pois é o que parece.

 

O Brasil conservador não é novidade para nós, pelo contrário. O conservadorismo está na nossa essência, basta lembrar da nossa independência, tramada pelas elites, pelos ingleses e pelos próprios portugueses, proclamada por um monarca e materializada em um império, enquanto todos os países do nosso continente derramavam sangue em insurreições contra a Espanha e, sob a influência da modernidade, abraçavam a República. Aqui, ela só foi proclamada quase um século depois, por um militar que era monarquista. Sim, o Brasil não é para amadores, nem para progressistas.

 

A história do nosso país é uma sucessão de atos destinados à manutenção do status quo de poucos a partir da penúria de muitos. Quando esta lógica foi atacada, os governantes responsáveis por discordar dela foram alvo de toda sorte de ataque, do plano político ao plano pessoal, resultando em golpes, suicídios, assassinatos, prisões. Não é uma opinião pessoal, tudo isso é comprovado por vários autores e pesquisadores seríssimos das ciências sociais. Desta forma, não é surpresa que vivamos um período de conservadorismo, de busca da manutenção dos benefícios de poucos às custas do ataque à maioria. Isso se reflete na ideia de cobrar mensalidades em universidades públicas, sob a alegação de que isso dará a elas “autonomia financeira”. É mais um eufemismo para torná-las inacessíveis a pobres, negros e demais minorias. Há muita gente que nunca esteve dentro de um campus de universidade pública, tecendo teorias sobre este assunto. Hipócritas. Só quem viu um restaurante universitário lotado de gente, sabe o que isso significa. Só quem viu colegas viajando horas de ônibus, trem, barca para não perderem aulas e, mais tarde, essas mesmas pessoas conquistando espaço e respeito dentro da universidade, sabe como é importante e decisivo que elas tenham chance. Com o atual governo, isso não vai acontecer. Faz parte do plano.

 

O que parece ser um dado novo – e estarrecedor, gerador de perplexidade – é a burrice que se instalou no país. Pessoas com orgulho de serem burras, de não prezarem o conhecimento, a cultura, o ensino como meio de aperfeiçoamento pessoal. Gente que taxa de “comunista” tudo que significa avanço humanista. Parece que elas não são humanas, pois atacam qualquer pauta inclusiva e que siga a ideia – inescapável – de que somos da mesma espécie, quer queiram elas ou não. Defender supremacia étnica é um passatempo pra eles, entender que, se há supremacia, é financeira e geopolítica, no entanto, não é algo que elas concordem. Porque, se há dinheiro, bem estar, ele é fruto do trabalho e nada mais. Se alguém é miserável, é por sua própria culpa. E ainda citam Deus e Jesus Cristo como endosso.

 

Filhos do presidente alçados à condição de formadores de opinião e ocupantes de cargos no governo. Ministros falastrões e despreparados, religião – neopentecostal – como condicional para fazer parte do Poder Judiciário. Juízes e procuradores políticos e parciais. Astronauta fajuto como Ministro da Ciência e Tecnologia. Gente que ataca “ideologia” progressista invocando ideologia conservadora e se dizendo apolítica. Gente conservadora e preconceituosa que gosta de black music, The Clash, disco music e outros gêneros e artistas que têm a defesa e minorias em seu DNA.

 

Este torpor que a sociedade brasileira atravessa deve ser relativizado. E estudado. Nunca se falou e fez tanta coisa impensável, tola, sem sentido e burra em tão pouco tempo no país. Me arrisco – como doutorando em História que sou – a dizer que tal situação é inédita em nossa história. E que precisaremos de muito tempo de estudo para compreender totalmente o que houve. O tempo em que a sociedade brasileira, para manter seus privilégios, abriu mão de tudo: dignidade, sentido, inteligência, valores.

 

Em tempo: a motivação pelo título não passa apenas pelo significado da palavra “perplexo”, mas pela canção dos Paralamas do Sucesso, de mesmo nome, que está completando 30 anos.

 

Composta e gravada no ano das primeiras eleições para Presidente desde a ditadura civil-militar, “Perplexo” falava das agruras do país naquele tempo, da capacidade de se impressionar com elas e, aos trancos e barrancos, lutar e resistir. A letra, de Herbert Vianna, fala sobre situações tristemente atuais, que só comprovam o projeto de exclusão gradativa que norteia a sociedade brasileira: poucos com muito, muitos com pouco.

 

Tentei te entender
Você não soube explicar
Fiz questão de ir lá ver
Não consegui enxergar

Desempregado, despejado, sem ter onde cair morto
Endividado sem ter mais com que pagar
Nesse país, nesse país, nesse país
Que alguém te disse que era nosso
Ah, ah, ah, ah…

Mandaram avisar
Que agora tudo mudou
Eu quis acreditar
Outra mudança chegou

Fim da censura, do dinheiro, muda nome, corta zero
Entra na fila de outra fila pra pagar
Quero entender, quero entender, quero entender
Tudo o que eu posso e o que não posso

Não penso mais no futuro
É tudo imprevisível
Posso morrer de vergonha
Mas eu ainda estou vivo

Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira
Quinta-feira, Sexta-feira, Sábado de aleluia
Eu vou lutar, eu vou lutar
Eu sou Maguila, não sou Tyson

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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