Votar em Lula = amor pela democracia
Se você nos acompanha há algum tempo, sabe que a Célula Pop é totalmente alinhada à esquerda. Quando decidi criar o site e buscava por um nome, um amigo deu a ideia, muito porque “Lula” estava contido nele, além de sugerir um veículo pequeno, porém essencial, mas popular, descomplicado. Captou exatamente a essência da empreitada, mas isso foi em fevereiro de 2019, há mais de três anos e muita coisa mudou no Brasil. Pra pior. A gente já tinha a certeza de que o governo bolsonaro seria um desastre para os mais pobres e vulneráveis. Sabíamos que o homem escolhido numa eleição no mínimo discutível era marcado por opiniões políticas tenebrosas e que vinha de um habitat político – o chamado baixo clero do Congresso – em que várias falcatruas eram praticadas longe dos grandes holofotes da opinião pública.
Com uma folha corrida de atos e nomeações tenebrosas e tragicômicas, o governo vigente colocou nazistas e atrizes/atores decadentes no rebaixado Ministério da Cultura (transformado em Secretaria); deu voz ao abominável e posteriormente desmascarado juiz sérgio moro; empoderou racistas no Instituto Palmares; colocou parceiro de madeireiros no Ministério do Meio Ambiente; designou uma senhora que poderia ser a Tia Lídia (de The Handmaid’s Tale) para Secretaria da Mulher, enfim, o governo atual, ao fazer tais nomeações, anulou estas instâncias da máquina pública e as colocou contra quem mais precisa. Além disso, com sua ascensão, vieram a público uma enorme quantidade de pessoas – legitimadas por essas figuras – que se assumiram conservadoras orgulhosas. Há tempos, era sinônimo de vergonha alguém bradar “sou conservador” num ambiente social. Ser conservador é, por definição, não querer que a sociedade avance. Não dialogar com as demandas do tempo, porque, para citar Cazuza, ele não para e é preciso adaptar-se. Num exercício semântico, o conservador quer que o mundo não ande para frente.
Mas, por pior que o governo vigente fosse, nós não contávamos com a pandemia de covid-19. O que se viu no Brasil foi algo poucas vezes imaginado, até nos piores cenários. Mais de 700 mil mortos por conta de uma gestão irresponsável da pandemia, na qual se viu um alinhamento com um misto de fanatismo religioso e burrice científica. Hoje, olhando a situação com o tempo transcorrido, fica muito claro que um gerenciamento mais eficiente da situação, sem cloroquinas, escândalos na compra de vacinas e esclarecimento eficiente da população por meio de publicidade estatal teria salvo a vida de mais da metade dos mortos. Pense bem: seriam cerca de 400 mil pessoas vivas, com suas famílias. Ao invés disso, tivemos o atual ocupante da presidência mostrando uma caixa de cloroquina para as emas do Palácio do Alvorada.
Somem a isso a farsa jurídica erguida contra Lula ao longo dos últimos anos, que serviu para tirá-lo da disputa em 2018 – que ele venceria, segundo todos os cenários projetados por institutos de pesquisa à época – e prendê-lo. Com o tempo, os processos – mais de 20 – foram sendo anulados pelo STF, revelando uma atuação parcial dos magistrados envolvidos no julgamento, especialmente sérgio moro, e o desmantelamento de um braço do lawfare utilizado contra a ex-presidente Dilma, injustamente deposta em 2016. Com tudo isso explicado, Lula tornou-se o candidato que significava o oposto do que temos hoje no país. Como em 2002, o ex-presidente entendeu o momento como sendo de união e, conciliador que é, aproximou-se de forças outrora antagônicas, como o ex-governador Geraldo Alckmin, hoje seu vice-presidente na chapa. Com acordos costurados em vários estados e regiões do país, Lula foi reconduzido a um patamar de popularidade equivalente ao que tinha quando era presidente e as intenções de voto nele chegam á casa dos 50%, mostrando ser possível uma vitória no primeiro turno.
Mais que isso: o voto no petista se transformou uma espécie de analogia à escolha pela democracia e um manifesto sobre não fazer parte do que prega o governo atual. Votar em Lula significa preocupar-se com o meio ambiente, defender cotas raciais, mais empregos com condições justas, mais comida na mesa das pessoas, preocupação com a educação e a saúde, recolocação do Brasil no cenário internacional – após quatro anos de isolamento com a péssima gestão diplomática do governo atual. Votar em Lula se tornou, acima disso tudo, um carimbo de que o eleitor acredita que o Brasil pode ser mais do que este imenso cenário de novela do SBT, com péssimos atores, roteiro macabro e defeitos técnicos de todos os tipos. É possível ser mais, afinal de contas, há menos de 20 anos, éramos muito mais do que hoje.
Os outros candidatos não conseguiram acenar com tamanha identificação popular. Ciro Gomes (PDT) poderia ser um nome forte, mas perdeu-se no meio do caminho, muito por conta de erros estratégicos que, ao fim da corrida eleitoral, o descolaram da centro-esquerda e o fizeram aproximar do atual presidente. Simone Tebet (MDB), ainda que educada, polida e adepta do jogo democrático, é uma candidata que representa uma política similar à do atual governo, praticada com mais civilidade. É uma adepta do livre mercado, as privatizações, ou seja, pouco mudaria no país sob sua administração. A senadora Soraya Thronicke (União Brasil), que recentemente apoiava o governo bolsonaro, defende abertamente os valores liberais econômicos, honrando sua posição de administradora de uma rede de motéis em seu estado, Mato Grosso do Sul. Nos debates, ela protagonizou momentos risíveis, dando a entender que não seria uma boa escolha. E, fechando a raia, temos o candidato do partido novo, luiz felipe d’ávila, que faz o tipo “empresário bem sucedido que entra na política para pregar o derretimento do estado e as privatizações”. Além dele, o atual presidente e o inacreditável padre kelmon (PTB), que rendeu momentos inacreditáveis nos debates em que participou no SBT e na Globo. Capanga de roberto jefferson – impedido de concorrer – o religioso atuou como linha auxiliar do presidente em ambos os eventos.
Se Lula for eleito, a situação não será fácil, mas ele terá um cenário favorável para empreender atos que aliviarão rapidamente as maiores necessidades do povo. Emprego, por exemplo. É uma saída clássica do capitalismo o empreendimento de obras públicas de infraestrutura para desafogar os que estão sem um trabalho fixo e tal fato pode reaquecer os mercados de crédito e bens. Com o pacto político que acena e com a habilidade de estar num eventual terceiro mandato eleito – algo inédito na história do país – Lula pode iniciar uma obra mais importante: recolocar o país nos trilhos da normalidade democrática, ameaçada nesses quatro anos por uma turba de pessoas que não preza os valores que estão escritos na própria Constituição. Votar em Lula, portanto, significa democracia. E, se possível, já, no primeiro turno.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.