Crônica de Icaraí em dia de eleição

 

 

Eu voto em Icaraí, Zona Sul de Niterói. É a região mais abastada da cidade, logo, por uma questão de lógica, a que contém o binômio esclarecimento/conservadorismo de forma mais pronunciada. Nas ruas de lá, a gente vê mães e filhos pequenos com adesivos e bandeirinhas do Lula e vê famílias vestidas com a camisa da CBF. É normal. Mas hoje havia algo diferente no ar.

 

 

Votar em Icaraí significa estar a poucos passos da minha antiga casa, na qual morei por treze anos com a minha ex-mulher. Não a vi, não era a intenção, mas, ao passar pela rua, olhei instintivamente para a varanda telada e puxa constatar um imenso bandeirão vermelho escrito “LULA”. Nada mais certo, visto que nós sempre compartilhamos da mesma opinião política. Então, como ia dizendo, votar por lá significa também dar uma andada pelos caminhos que costumava percorrer e, depois de comer um salgado na padaria da esquina, fui até o mercado para comprar algo para a noite, visto que minha intenção é ficar colado na frente da TV, além de esperar minha atual mulher chegar de São Paulo, onde ela foi votar.

 

 

Na porta do mercado, eu espero pelo motorista do aplicativo e vejo um homem negro, empunhando a bandeira de um candidato a deputado estadual pelo PSOL, partido que está coligado com o PT e a aliança de forças democráticas que o apoiaram nesta eleição. Ele canta, feliz:

– Lula lá, é a gente junto! Lula lá!

 

E fala, para os passantes e para si mesmo:

– É o barbudinho! Este ano é do barbudinho! Fizemos até um rap pro barbudinho lá na comunidade!

 

Mais que uma boca de urna, é uma manifestação de opinião pura, simples e democrática. Eis que surgem do mercado duas típicas senhoras do tipo que deve existir em toda região rica de cidades médias-grandes do Brasil. Elas olham para o homem com desprezo e dizem, em voz baixa, mas suficientemente alto para que eu pudesse ouvir:

 

– Tinha que chamar a polícia pra prender esse vagabundo.

 

Como diz a letra de “Selvagem”, dos Paralamas do Sucesso, o homem parecia ter a “esperteza que só tem quem está cansado de apanhar” e depois de também ouvir o que a mulher disse, disparou:

 

– Me prender por que, senhora? Eu estou aqui, na rua, a rua é pública, dizendo que o Lula é querido lá na comunidade. Imagina se a comunidade gosta do Bolsonaro? De jeito nenhum. Agora é o barbudinho, vamos ganhar e vai ser hoje.

 

As duas mulheres vão embora sem olhar para trás.

 

Na frente do mercado, um homem com a camisa do Botafogo, que assistira a cena, olha para o homem e diz:

 

– Pode ficar tranquilo. Vai ser hoje sim. Lula lá.

 

E eu completo:

 

– Vai ser hoje e amanhã vai ser feriado.

 

O homem olha pra mim e para o botafoguense e diz:

 

– Lula lá!

 

Venceremos. Não tem jeito.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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