Meu Oscar mais querido

 

 

 

Dia 12 de março, você já sabe, é dia de entrega do Oscar. É o primeiro ano sem transmissão da TV aberta, a Globo não adquiriu os direitos, o que deve contribuir para o desinteresse crescente do público brasileiro – quiçá mundial – pela cerimônia de entrega das estatuetas carecas e douradas. Mas eu sigo vendo quando dá. Não vi nos últimos dois anos porque tive dificuldades para acompanhar os filmes e atuações, mas, em geral, adoro a premiação.

 

Mesmo que tenha visto mais longas desta vez, ainda não me sento seguro para fazer um texto sobre minhas apostas. Pelo menos, não um texto embasado e longe do achismo/torcida. Postei no meu perfil do Facebook que desejava ver “Top Gun – Maverick” como vencedor, por vários motivos, talvez por ser o filme que mais se assemelha ao Cinema como costumava ser antes dos filmes de herói ganharem o protagonismo que ganharam. E antes da pandemia.

 

 

Sendo assim, pra não deixar a ocasião passar em branco, vou recordar o meu Oscar preferido, no qual um filme que adoro concorreu em várias categorias, levando apenas duas. Mas essas duas foram praticamente perfeitas. E numa das que perdeu, só sua presença já se configurou uma vitória. Falo de “Gênio Indomável”.

O foco aqui não é enaltecer o longa de Gus Van Sant, mas o que ele representava naquela cerimônia de entrega. Era o Oscar de número 70, premiando em março de 1998 as produções de 1997. Pra quem se lembra, a cerimônia foi marcada pelo domínio absoluto de “Titanic”, que levou onze Oscars naquela noite, entre os quais, “Melhor Filme” e “Melhor Direção” para James Cameron. Além disso, o longa se tornou um clássico do cinema recente, catapultando Leonardo di Caprio para o estrelato mundial. “Gênio Indomável” contabilizou um número respeitável de indicações – nove – mas tinha pouquíssimas chances, o que nos leva ao motivo deste texto.

 

 

Na categoria de “Melhor Canção”, Celine Dion era a favorita com a infecciosa “My Heart Will Go On”, àquela altura, estourada em todo o mundo. Eu já tinha a trilha de “Gênio Indomável”, motivado pela lindeza das canções de Elliott Smith, até então um desconhecido para mim. Uma delas, “Miss Misery”, recebeu a indicação para o prêmio e lá se foi o tímido menestrel atormentado de Portland subir no palco do Shrine Auditorium, acompanhado apenas de seu violão, combater o transatlântico musical. A luta foi em vão, mas não foi inglória. A figura de Smith naquele ambiente, cantando aquela letra – de sua autoria – era um discreto, porém impressionante desafio ao sistema. Sua derrota é desses atos imortalizados pelo tempo. Pouco tempo depois, Smith seria contratado pela Dreamworks e lançaria alguns de seus melhores discos – “XO” (1998) e “Figure Eight” (2000). Os Oscars que “Gênio Indomável” perdeu, além de “Melhor Canção”, foram de “Melhor Diretor” (Gus Van Sant), “Melhor Filme”, “Melhor Atriz Coadjuvante” (Minnie Driver), “Melhor Ator” (Matt Damon, estreando), “Melhor Direção”, “Melhor Edição” e “Melhor Trilha Sonora”. A diferença está nos que ele ganhou.

 

 

 

No prêmio de “Melhor Roteiro Original”, os pós-adolescentes Ben Affleck e Matt Damon, surgiram como as grandes zebras da noite, ainda que seu trabalho já tivesse lhes rendido o Globo de Ouro daquele ano. Mesmo assim, a concorrência assustava. Logo de cara vinha Woody Allen por “Desconstruindo Harry”. Também tinha “Boogie Nights”, de Paul Thomas Anderson e o genial “The Full Monty”, do inglês Simon Beaufoy. E tinha o veterano James L.Brooks com “As Good As It Gets – Melhor É Impossível”, que daria a Jack Nicholson e Hellen Hunt os prêmios de “Melhor Ator” e “Melhor Atriz”, respectivamente, e tinha feito Greg Kinnear concorrer ao de “Melhor Ator Coadjuvante”. Quando são anunciados como vencedores, Affleck e Damon não acreditam no que ouvem, mas sobem no palco meio no susto, engatando um discurso que se perde e termina como uma tentativa de agradecer e não esquecer ninguém. Quem lhes dá o prêmio é a dupla Jack Lemmon e Walter Matthau, monstros do humor hollywoodiano mais irreverente durante muito tempo. Ao lado do palco, as mães dos vencedores explodem de felicidade.

 

 

 

 

Mas a premiação mais emocionante, mais arrebatadora, não só daquele ano, mas para mim, dos últimos tempos, é a de Robbie Williams como “Melhor Ator Coadjuvante”. Seu papel em “Gênio Indomável”, o psicólogo Sean, a meu ver, é o melhor de sua carreira. Ele já vinha de três indicações recentes – “Uma Babá Quase Perfeita”, “O Pescador de Ilusões” e “Bom Dia Vietnã”, tendo perdido todas. Era um ator com muito respeito na virada do milênio e um Oscar era tudo o que precisava àquela altura. Sua performance é um dos grandes, imensos atrativos de “Gênio…”, mas seria preciso vencer Antony Hopkins (“Amistad”), Burt Reynolds (“Boogie Nights”, Robert Forster (“Jackie Brown”) e Greg Kinnear (“Melhor Impossível”).

 

 

Quando é anunciado, Williams sobe ao palco, não sem antes abraçar a Damon e Affleck. Quando começa a falar, agradece por estar ali, elogia os atores concorrentes, o diretor Gus Van Sant, brinca com a idade dos roteiristas, cumprimenta o produtor Harvey Weinstein (sim, o que se revelaria um dos maiores abusadores de Hollywood anos depois) e, finalmente, sua esposa, Marsha. Antes de se despedir, Robin alfineta o pai, que lhe disse: “Ok, você pode ser ator, mas não se esqueça de ter uma profissão de verdade para te sustentar, como, por exemplo, ser um soldador”. Por fim, o abraço que recebe de seu grande amigo – e apresentador do Oscar àquela noite – Billy Crystal, coroa o prêmio como sendo, até então, o seu maior momento.

 

 

 

 

Ainda hoje costumo repetir a premiação de Williams como algo motivacional, puro e que não se perdeu no tempo.

 

Sei que o Oscar é uma festa da indústria do Cinema, de um sistema de bilhões de reais, extremamente poderoso e que, certamente, há outros casos em que gente de verdade o conquistou. Esta aqui, de 23 de março de 1998, no entanto, é a minha preferida.

 

E a sua?

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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