Videografia 13 +1 Júpiter Maçã/Apple (e também Woody)

 

 

Prosseguimos com o apanhado videográfico da carreira de Flávio Basso, dessa vez destacando seus momentos como audiovisuais como Woody/Maã/Apple. Todas essas mudanças estéticas, passadas por Flávio Basso, são contadas em detalhes na biografia Júpiter Maçã: A Efervescente Vida & Obra (Nova Carne Livros), escrita por mim e pelo jornalista Pedro Brandt e que agora em novembro ganha relançamento acrescida de vários extras. Leia uma provinha no link:

 

 

O livro pode ser adquirido diretamente comigo, pelo Watts-App (envio para todo o Brasil): (51) 982 986 277

Leia uma provinha.

 

 

Saiba mais detalhes na matéria do Célula Pop.

 

 

Flávio Basso (Woody Apple) ao vivo no programa Radioatividade (1994)

 

 

Em 1994, antes de sua translação completa para Júpiter Maça, Flávio Basso, então encarnado em sua persona dylanesca Woody Apple, participou do programa Rádio Atividade, da universitária USP FM. O próprio cantor considerou, durante muito tempo, essa fase como algo perdido. “Houve um período, durante uns seis, sete meses, em que fui absolutamente obscuro. Algo que talvez só eu sabia. Nunca vim à tona com isso: tenho alguns registros, mas é algo meu”, comentou em depoimento ao livro Gauleses Irredutíveis.

 

Em sua participação no programa Rádio Atividade, ao longo de uma hora, entre muito bate-papo com os apresentadores Magaly Prado e Charles Monfort, são mostradas músicas das fitas demo e canções ao vivo interpretadas ao violão. Questionado por Magaly o que o trabalho solo teria a ver com os Cascavelletes, Flávio responde: “Tem a ver a coisa de raiz, que sempre me influenciou, né? No mais, minhas novas experiências, aspirações e pirações”. Na sequência, ouvem “Rotina após rotina”, composição do cantor em parceria com a irmã Cláudia. “É uma coisa meio rhythm and blues e um pouco folk rock, então é uma fusão, com letras e visões espontâneas, flashes que invadem a minha cabeça a respeito do que eu vejo nas ruas, do que eu penso, do que eu vejo em casa”. Diz a letra: “Ruas sem saída / Ruas tão imundas / Garotos no esgoto / Drogas na calçada / Polícia pelos bares / Noite escancarada”.

 

Na sequência, Flávio Basso mostra uma música nova, ao vivo, acompanhado de violão e gaita. Diz que pretende gravá-la eletrificada. Sem saber, naquele instante, ele dava vazão a seu momento mais Bob Dylan. Sem soar pastiche, mas como um autêntico discípulo, assim como antes dele o fizeram, entre outros, Caetano Veloso, Belchior, Zé Ramalho e Julio Reny. “Fala duma jogada mal resolvida, eu acho, dum casal, experiências urbanas como eu estava te falando, né? Então vamo lá”:

 

“Homens, flores, rancores, amores / Você foi a bela adormecida, é a donzela decaída / Sonhos tolos confundiram sua mente / Até que ponto isso tudo pode te deixar doente? / Você ainda é tão jovem / Eu te levo pra casa / Mas você repugna lares e eu não tenho carro / Estamos sofrendo, dessas doenças de alma / Estamos amando em meio a uma grande guerra / Dançamos a valsa no meio da rua / Seguimos uivando pra rainha, a Lua”.

 

 

Júpiter Maçã & Múmias – Hey girl what you gonna do (Chapecó– SC, 1995)

 

 

Júpiter Maçã sob a alcinha de “Múmias” (uma menção aos garage punk The Mummies), formado pelos irmãos Emerson e Glauco Caruso. Glauco esclarece: Flávio queria um nome que viesse a complementar o “Júpiter Maçã”. “Algo tipo Jefferson Airplane”, explica Emerson. “Nesse processo, um nome que chegou a ser cogitado foi Júpiter Maçã Helicópteros. Lembro-me da gente na Lancheria do Parque divagando sobre isso. Aí o Glauco veio com Júpiter Maçã Múmias, e ficou”.

 

Nos primeiros shows dos recém-batizados Múmias, além do repertório presente na fita demo dos Pereiras Azuiz, canções novinhas em folha como “Sociedades humanoides fantásticas” e “Hippie under groove”, que depois integrariam o repertório de A Sétima Efervescência – além de velhas canções do TNT e Cascavelletes para as quais Flávio, à época, ainda fazia concessão nos shows. Das antigas, como pode ser assistido em vídeos de shows, aparecem “Ratiação” e “Estou na mão”, do TNT, e “Cachorro louco” e “Menstruada”, dos Cascavelletes, fazendo a alegria dos mais saudosos. “Hey girl what you gonna do” foi pinçada da célebre fita gravada com os Pereiras Azuis, que os acompanharam antes dos Caruso.

 

 

 

Júpiter Maçã – Um lugar do Caralho (Chapecó – SC, 1997

 

 

 

Júpiter Maçã – As Tortas e as Cucas (Programa Lado B MTV, 1997).

 

 

 

Júpiter Maçã, em excelente fase, tocando uma das clássicas de A Sétima Efervescência. Lhe acompanham Marcelo Gross e Julio Cascaes.

 

 

Videoclipe As Tortas e As Cucas

 

 

Sobre “As tortas e as cucas”, dois outros pormenores chamam atenção. Primeiramente, o solo de flauta executado por Gustavo Dreher, que remete diretamente ao quarteto californiano The Mammas and the Pappas, mais exatamente para o hino hippie “California Dreamin’”. E, de forma menos evidente, o vocal que lembra “Dia 36”, dos Mutantes. A viagem alucinógena de Júpiter, pelo visto, foi marcante, uma vez que ele e o cineasta Alex Sernambi (o videomaker que filmara o show de estreia dos Cascavelletes) produziram um videoclipe de “As tortas e as cucas” (rodado no Parque Ibirapuera, em São Paulo) aludindo à psychedelic trip no Parque da Redenção. “A ideia de Flávio, para este vídeo, era tentar simular o que ele vivenciara lisergicamente”, conta Sernambi.

 

 

 

Jupiter Apple – Programa Muzikaos (2001)

 

 

Em entrevista com Basso no programa televisivo Musikaos, em 2001, o apresentador Gastão Moreira comenta a ousadia “topetuda” de Jupiter Apple ao apostar na metamorfose estilística entre um disco e outro. “Baseado basicamente nas formas, eu não tive como dizer não a mim mesmo nesse processo criativo enquanto vinha o Plastic Soda. Eu, inclusive, vejo ele como uma sequência d’A Sétima Efervescência. Mas, é verdade, eles são álbuns que, aparentemente, são bem diferentes”, reconheceu. Vale lembrar que, lá pela segunda metade dos anos noventa, houve uma redescoberta internacional da música brasileira, em especial a bossa nova e a tropicália. Artistas como o americano Beck (com quem Apple chegou a ser comparado), o japonês Cornelius e os grupos ingleses Stereolab e Smoke City (da vocalista, brasileira de nascimento, Nina Miranda) se banhavam na musicalidade verde-amarela e apresentavam novas propostas de leitura e reconstrução dessas influências. Um pouco antes, o revival da lounge music deu uma segunda chance para a bossa nova, tanto a original quanto a reinventada ainda nos anos 1960 por artistas internacionais – um tipo de música que vai do muzak de sala de espera até a mais sincera e sofisticada interpretação. Estar amparado por isso não era uma proposta consciente de Jupiter Apple, mas, com certeza, ele se beneficiou desse contexto que fez a cabeça de formadores de opinião antes da chegada de Plastic Soda.

 

 

Júpiter Maçã ao vivo no Teatro Odisséia (2005) – Parte 1:  Menstruada/ Minissaia Sem Calcinha/ Walter Victor

 

 

Ao lado de Julio Cascaes, o baterista “Morto”, Talitha Jones e Astronauta Pinguim que Júpiter Maçã fez um show emblemático no Teatro Odisséia, no Rio de Janeiro, em 2005. A apresentação – assim como as que vieram a seguir na mesma temporada –, simbolicamente pode ser encarada como a despedida da entidade Júpiter Maçã tal qual ficou conhecida até ali. Gravada em vídeo e disponível na Internet, o show flagra Júpiter de terno e gravata, óculos escuros e com o cabelo (franja assimétrica) descolorido. Empunhando o baixo (o Gibson SG do Pinguim), ele comanda a banda numa performance inspirada como nunca mais faria, onde recorre à pérolas do repertório dos Cascavelletes. Mesmo acima do peso, mostra anfetaminado vigor. O mod-psicodélico surgido 10 anos antes, que lhe serviu de identidade por todo esse tempo e pelo qual ele tornou-se conhecido, dava adeus.

 

 

Júpiter Maçã ao vivo no Teatro Odisséia (2005) – Parte 2: Lugar do Caralho/ Morte Por Tesão / As Outras Que Me Querem

 

 

 

Videoclipe Modern Kid

 

 

Dirigido por André Peniche, “Modern kid”, provavelmente, é o mais bem-resolvido clip da carreira de Júpiter Maçã – concorreu ao [prêmio da MTV] VMB em 2009.

 

 

Clip Calling All Bands

 

 

Cantando em inglês — o roqueiro não esconde estar de olho no mercado internacional — e apostando todas as fichas no electro rock (um estilo dançante que teve muita força na metade da década, mas que já deixou de ser hype faz algum tempo), lançou nessa semana “Calling All Bands”.

A música e o clipe é cheia de referências: Beatles, Bowie, Warhol, Velvet Underground, Pop Art, Futurismo, anos 80s… A banda (Júlio Sasquatt, Maurício Fuzzo e Júlio Cascaes), aparece muito rapidamente e quase passa despercebida. O vídeo ficou muito bem produzido, com destaque para a edição e a mescla de elementos de estética visual que combinam. O resultado final ficou superior ao single anterior: “Modern Kid”.

 

 

A Marchinha Psicótica Dr. Soup

 

 

“A marchinha psicótica de Dr. Soup” é um aceno a “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso, mas também um exercício chicobuarquiano, um bloco carnavalesco e psicodélico onde convivem personagens como Woody Allen, Aldous Huxley, Allen Ginsberg e Bob Dylan. Dirigido pelo cineasta Leonardo Bomfim.

 

 

Jupiter Apple – The Homeless And The Jet Boots Boy [Clipe]

 

 

Longa e fritada faixa de abertura do álbum Hisscivilization, de 2002.

 

 

Eu e Minha Ex – Six Colour Frenesi

 

 

Com arranjo orquestral assinado por Marcelo Birck num clima “barroco pop”, a melancólica “Eu e minha ex” revela a idiossincrasia de Flávio, sofrendo um ataque de “Arnaldismo”, em lidar com o fim do relacionamento (“Acho que ainda não superei / Talvez ainda goste dela”), mas que, enfim, acaba por compreender, resoluto, que tudo pode ser transcendido para “outro planeta, dimensão, circunstância, situação”. Os tão comentados arranjos de “Eu e minha ex” foram obra de Marcelo Birck, à época na Aristhóteles de Ananias Jr., que diz não ter sido ele a escolhê-la entre as demais canções do repertório. “A escolha foi do Flávio, que chegou e disse: ‘Essa é a música que eu acho que pode ser arranjada por ti’. Birck diz que, por tratar-se de uma música descarnadamente romântica, o arranjo foi relativamente fácil de fazer. “É uma canção que fala de disjunção, de coisas que estão apartadas, em que o protagonista não sabe se ele quer estar longe delas. Isso facilitou muito na hora de bolar os arranjos. Se, por acaso, fosse uma coisa rock seria mais complicado: como tu vai pôr todos aqueles instrumentos ali? Podia botar notas longas no violino e os ataques eram todos, em sua maioria, bastante suaves – mesmo que tenha um ritmo marcado. Na verdade, não precisei pensar muito sobre o que eu iria fazer. A única coisa que tive de pensar foi sobre como iria compor arranjos que os instrumentistas mais inexperientes que participaram das gravações não tivessem dificuldades na horade executar”, explica Birck.

 

+

 

Júpiter Maçã – Being For The Benefit of Mr. Kite (The Beatles)

 

 

Gravada no bar Garagem Hermética, num show em homenagem aos 30 anos do disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, Júpiter não tocou “It’s getting better” conforme combinado – mas, ao lado de Gross e Cascaes, transformou “Mr. Kite” em dez minutos de pura psicodelia sônica, digna dos melhores power trios. A música, uma fritação da mais alta combustão, depois sairia na coletânea Francis Picabia, em cassete, ao lado de outras bandas da época.

 

Cristiano Bastos

Cristiano Bastos é jornalista. Um dos autores do livro Gauleses Irredutíveis – Causos & Atitudes do Rock Gaúcho. Escreveu Julio Reny – Histórias de Amor e Morte, Júpiter Maçã: A Efervescente Vida e Obra, Nelson Gonçalves – O Rei da Boemia e o livro de reportagens Nova Carne Para Moer. Também dirigiu o documentário Nas Paredes da Pedra Encantada, sobre o álbum Paêbirú, de Lula Côrtes e Zé Ramalho. Atualmente trabalho no projeto 100 Grandes Álbus do Rock Gaúcho, que se encontra em campanha de financiamento pela plataforma Catarse: https://www.catarse.me/100GrandesAlbunsDoRockGaucho

One thought on “Videografia 13 +1 Júpiter Maçã/Apple (e também Woody)

  • 10 de novembro de 2021 em 17:43
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    O clipe de “Modern Kid” foi um divisor de águas pro meu entendimento de música, como um mero “consumidor”.
    Já gostava muito de Júpiter Maçã, mas esse som mexeu alguma coisa muito boa em mim e moldou a maneira como escuto música. Assisti ao clipe pela primeira vez por acaso em algum programa da TVE (ou TV Brasil), dos raros que ainda tinham na TV aberta. Como não tinha internet em casa ainda, algumas dias na semana saía mais cedo da UERJ, colocava meia hora numa Lan house pra poder assistir e ouvir “Modern Kid”. 2009, bons tempos!

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