Clarice Falcão – Tem Conserto

 

Gênero: Eletrônico
Duração:35 min.
Faixas: 9
Produção: Lucas de Paiva
Gravadora: Independente

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

Discos extremamente pessoais – como é o caso deste “Tem Conserto – podem ser complicados para o público. Sabemos bem que o artista se expressa a partir de inquietações e sentimentos próprios e que, via de regra, a própria arte é um reflexo de suas percepções do mundo, da vida, de si. Clarice Falcão se vale de seu talento como compositora e cantora para explorar seu momento atual e abordar questões espinhosas, muito por conta do preconceito e da desinformação da sociedade: ansiedade e depressão. Segundo as informações do álbum, Clarice lida com estes dois lados da mesma moeda há bastante tempo e se vale de sua relação com estas questões para dar a partida no conceito de “Tem Conserto”.

 

Ainda que seja mais complexo, este é seu melhor disco até hoje, especialmente porque é o mais maduro e soa como o mais franco. As tentativas anteriores resvalavam numa esperteza de personagem, algo que a cantora – e também atriz – emprestava às canções, soando como um veículo para abordar um monte de assuntos de forma, digamos, amplificada. Este mecanismo impedia que os álbuns anteriores obtivessem conjunto e coesão, algo que sobra em “Tem Conserto”. A produção de Lucas de Paiva é essencial para o disco, uma vez que tudo por aqui tem sonoridade eletrônica – o cara trabalhou com Mahmundi e Silva – conferindo às canções uma aura interessante e ainda inédita no trabalho de Clarice, que sempre esteve muito próximo do fofolk e do pop mais convencional. Aqui, como dizia o
filósofo, “o bicho pega”.

 

Se fosse em vinil, o disco teria dois lados muito nítidos. As quatro primeiras canções são barra pesada, no sentido depressivo do termo. É o momento de letras e climas completamente voltados para baixo, para um tipo nada sutil de sofrimento – ainda que pareça desimportante – traduzido em situações como a falta absoluta de força para sair da cama ou fazer algo, por menos esforço que exija. Faixas como “Minha Cabeça” e, especialmente, “Morrer Tanto”, dão conta dessa situação, enquanto “Mal Pra Saúde” aplica a toxicidade ao campo dos relacionamentos e o quanto eles podem ser nocivos quando há desentendimentos e falta de sintonia. “Esvaziou” também é sobre isso, mas fala com mais força sobre o vácuo que sentimos muitas vezes na vida, muitas das quais sem explicação aparente. Depois destas canções, “Horizontalmente” surge como uma espécie de fronteira entre o bode absoluto e o périplo das baladas e nights.

 

Cabe às quatro faixas finais a tradução deste universo noturno e afetivo. Clarice e Lucas conseguem ótimos resultados com composições que se encaixam perfeitamente nas programações dançantes e há momentos legais como “Dia D”, no qual ela surge completamente senhora de si, desejando fazer o que quiser na noite e na vida. “CDJ” também é legal e fala de um flerte aberto entre quem está numa pista de dança e quem está colocando as músicas – e o que pode acontecer além disso. “Tem Conserto”, a faixa-título, vem com uma dose mais ou menos balanceada de humor negro e resignação, sobre as possibilidades de resolver os problemas crônicos, enquanto “Só Mais 6” endossa a permanência no circuito noturno como algo nem sempre prazeroso.

 

Se Clarice Falcão parecia uma personagem de várias procedências em momentos anteriores, aqui ela parece autêntica e dedicada. O que fica deste disco, além do talento da moça como compositora, é a coragem de se desunudar para o público e falar de si. Como fazem os bons artistas desde sempre. Boa.

 

Ouça primeiro: “Horizontalmente”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “Clarice Falcão – Tem Conserto

  • 19 de junho de 2019 em 15:12
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    Realmente maravilhoso o disco, contemporaneo apesar de soar antigo. Muito bom de ouvir engracado e sincero nas letras. Primeiro album que ouvi da cantora apesar de ouvir muito falar sobre. Estou impressionado.

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