Venha para a Discoteca Marxista

 

 

 

Marxist Love Disco Ensemble – MLDE
44′, 10 faixas
(Mr.Bongo)

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

 

Quer chacoalhar seu esqueleto na pista de dança enquanto adquire consciência de classe? Acha que isso é impossível? Então venha conhecer o sensacional e surpreendente Marxist Love Disco Ensemble, um grupo formado na cidade italiana de Bolonha. Seu líder, o vocalista Pietro Volkov tem um questionamento muito importante, justificando a existência da banda de uma forma, digamos ideológica. Fã de Disco Music, Pietro não entende o motivo de um gênero musical tão identificado com as minorias e a opressão que elas sofriam/sofrem num país tão careta quanto os Estados Unidos, ter se transformado numa das expressões máximas do excesso presente no capitalismo neoliberal. E, a partir dessa pergunta, ele arregimentou músicos conhecidos e criou seu grupo em algum ponto entre 2020 e 2021. Só que pensar o MLDE como um bando de gente recriando Disco Music é ser reducionista demais. No caldeirão de influências temos desde Stereolab e High Llamas, até os escoceses do Orange Juice e vários artistas do pop mediterrâneo setentista e do leste europeu, entre eles, o “papa da Disco armênia, Hamlet Minassian”. É isso mesmo.

 

O que soa irresistível no álbum de estreia do MLDE é a incapacidade do ouvinte perceber de que época é a música que sai dos fones de ouvido. O modo como Volkov e sua turma manejam as influências e o estúdio torna impossível saber se ouvimos algo do futuro, do passado ou do presente, ou de todos ao mesmo tempo. A impressão é que estamos flutuando num multiverso sonoro estranho, ouvindo canções que vêm de várias direções, criando uma interseção sonora em que os parâmetros convencionais de medição do tempo não funcionam. Cada uma das dez faixas contém tantas surpresas melódicas, samples, estruturas e, claro, linhas de baixo irresistíveis, que o ouvinte vai ficar tonto se quiser achar convenções formais. Melhor mesmo é se divertir com as fusões. E, antes que você pense que é só uma banda hipster misturando coisas que são incomuns, a musicalidade do MLDE anula todo e qualquer hype que possa ser formado. Todo mundo aqui é excelente.

 

 

Agora, claro, estamos falando de algo que pode soar esquisito de um jeito, digamos, bem humorado. Como, por exemplo, a pequena “Communique”, faixa que encerra o álbum, que é uma fusão de samples doidos, culminando com uma versão Casiotone da … “Internacional Socialista”, com vocais estranhos em inglês e barulhinhos daqui e de lá. Mas, tirando esta canção, que tem menos de um minuto e meio, o resto de “MLDE”, o álbum, é puro deleite. O vocal feminino – não creditado em lugar nenhum – que surge em algumas canções, reforça o clima Stereolab de vez em quando. A abertura, com “Dust”, é como se fosse uma canção gravada sob a água, algo absolutamente bacana e cheio de classe, que já deixa os ouvidos em estado de alerta. Quando entra a segunda faixa, o single “Brumaire”, a certeza é de que estamos numa versão espacial de uma festa em Ibiza, só que com movimentos mais lentos e cadenciados do que a ferveção habitual de lá. E, em meio a isso, rajadas de sol dourado brilham ao longo da canção.

 

 

Outra cacetada é “Material”, a faixa três, que vai entrando aos poucos, com instrumentos se posicionando sobre uma linha de baixo matadora, encorpada por sintetizadores. O vocal masculino-feminino dobrado é adornado por cordas e percussões, tudo real, tocado no estúdio. “Manifesto”, logo em seguida, tem pianos que vão sumindo no turbilhão de sonoridades que se juntam e rodopiam, jogando o ouvinte num êxtase setentista do futuro que nunca aconteceu e que só é possível neste álbum. De repente, a canção adquire um formato semelhante a temas de séries como “As Panteras” ou “Barco do Amor”. “1905” tem um peso mais eletrônico que se dispersa sobre notas de piano herdado de uma Love Unlimited Orchestra do Partido Comunista Italiano, circa 1972. Vocais femininos voltam e dão charme e sensualidade ao todo. Em “Hues Of Red” novamente há um certo clima Barry White presente no início sexy e gotejado por pianos, mas aos poucos o batidão vai chegando e tomando conta, arremessando tudo na beira da piscina em que há até espaço para algo de pop brasileiro do início dos anos 1980. Enquanto isso, “Hide And Seek”, tem guitarras em chacundum, tecladinho subaquático e andamento calcado novamente na linha de baixo, gorda e vertiginosa. O refrão é contagiante e abre espaço para “Engeneers”, que tem a mais clássica estrutura de Disco Music convencional do disco, cheia de balanço e climas. “Recapitulate”, assim como “Communique”, só disponível no CD, é um funk em câmera lenta, cheio de percussões e metais sintetizados, cheios de charme.

 

 

A gente duvida que vá surgir uma estreia tão sensacional quanto a do Marxist Love Disco Ensemble em 2022 e, provavelmente, por muitos anos ainda. Este disco é absolutamente genial e você precisa conhecê-lo imediatamente.

 

 

Ouça primeiro: todo o álbum

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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