Treze Discos de 1979 (Além de “Unknown Pleasures”)

 

Dia desses houve um burburinho nas redes sociais. Era o anúncio dos 40 anos de “Unknown Pleasures”, a estreia em disco do Joy Division, seminal quarteto de Manchester, que ajudou a forjar o termo pós-punk. Para marcar a data, serão lançados uma série de clipes para as canções do álbum, procurando manter seu clima lúgubre e marcante.

 

Ninguém discute a importância deste disco, influente que só ele, definidor de sons para a década que viria em seguida. A união das batidas secas de bateria, a simpatia pelas sonoridades eletrônicas que o Kraftwerk aprimorava e, acima de tudo, a poesia inigualável de Ian Curtis, retratando a dificuldade de viver numa cidade sem perspectivas financeiras, pessoais e sentimentais, mostram como o Joy Division surgia como força criativa naquele fim de anos 1970. Talvez junto com o The Cure, a banda foi a responsável pela identidade sonora de quase todo mundo que viria depois, de The Smiths a Legião Urbana, para mostrar o quão amplo era o espectro sonoro proposto por Curtis e seus amigos, que, dois anos depois – após a morte prematura do primeiro – estariam montando o New Order. Canções como “New Dawn Fades”, “Shadowplay” e minha favorita pessoal, “Disorder”, são anunciações de tempos sombrios que já haviam chegado.

 

 

Ainda que o disco seguinte do Joy, “Closer”, seja meu preferido, não dá pra negar a importância de uma estreia do nível de “Unknown Pleasures”, mas me irrita a seletividade das lembranças. Se olharmos para o ano de 1979, veremos vários álbuns dignos de relato e celebração e a ideia deste texto é fazer isso. Lembro que esta ideia surgiu a partir de postagens no Facebook por parte de amigos fãs de música que, felizmente, têm memória de sobra para incluir outras obras na pauta. Além deles, eu mesmo, memorialista desde sempre, recordo de vários discos não menos importantes. Por essas e outras, selecionei 13 obras, para compor o elenco deste ano tão legal para a música.

 

 

 

– Earth, Wind And Fire – I Am

Em 1979, o Earth Wind And Fire era um dos grupos mais populares do planeta. Havia criado um caminho próprio na música negra americana e chegava com seu disco de maior sucesso comercial. Além de clássicos mundiais como “After The Love Has Gone” ou “Boogie Wonderland”, o álbum abria com “In The Stone”, figurinha fácil na memória afetiva de quem estava vivo na época. Como se não bastasse, o EWF ainda se deu ao luxo de não incluir seu maior hit – “September” – no disco. Foi a bordo dessa onda que o grupo veio tocar no Brasil em 1980.

 

 

 

 

– Gilberto Gil – Realce

Gil fechava a sua “trilogia Re” com o disco mais cosmopolita de sua carreira. Com as antenas voltadas para a música negra americana e mirando a receita sonora do Earth Wind And Fire – mencionado acima – o baiano gravou tudo em Los Angeles sob as bênçãos de André Midani, então diretor artístico da novata Warner Music do Brasil. Com a produção de Mazzola e clássicos do quilata da faixa-título, “Toda Menina Baiana”, “Superhomem – A Canção” e a versão de “No Woman No Cry”, batizada de “Não Chores Mais”, “Realce” é um disco histórico, não só na carreira de Gil, mas no capítulo da música brasileira mais moderna e bem feita.

 

 

 

– Pink Floyd – The Wall

Um trabalho que dispensa apresentações, marcando a postura política e cidadã de Roger Waters em relação ao sistema educacional inglês e, ao mesmo tempo, exorcizando fantasmas da Segunda Guerra Mundial, evento no qual seu pai faleceu. Com a banda às turras, o resultado do disco – e da turnê que o sucedeu – é extraordinário, com o Floyd soltando clássicos como as versões de “Another Brick In The Wall”, “Confortably Numb” e “Run Like Hell” e, mais que tudo, tornando sua vertente personalíssima de rock progressivo deliciosamente pop em vários momentos. Um clássico multidisciplinar na carreira do grupo, certamente seu último grande trabalho.

 

 

 

– The Police – Regatta de Blanc

Olhando em perspectiva, o Police foi um milagre. Três branquelos ingleses foram capazes de se apropriar de várias nuances da música jamaicana, tornando-a própria em uma carreira de cinco discos. “Regatta” foi o segundo trabalho de Sting e cia e trouxe clássicos mamúticos como “Message In A Bottle”, “Walking On The Moon” e pequenos tesouros escondidos como “Bring On The Night”. Ainda não era o melhor disco do trio, mas certamente contribuiu para o amadurecimento desta sonoridade tão legal e intransferível.

 

 

 

– Rita Lee – Rita Lee

Este foi o disco que transformou Rita Lee numa estrela pop. Na época, pop era sinônimo de diluição e música comercial e Rita provou – com a ajuda inestimável de Roberto de Carvalho – que era possível ser tudo isso e fazer música em altíssimo nível. Sintam o nível das canções que estão presentes: “Papai Me Empresta O Carro”, “Mania de Você”, “Doce Vampiro”, “Chega Mais” e uma belezura pouco lembrada – “Corre Corre”. Rita estava numa onda de inspiração que iria firme até 1983, com respingos até 1985. Depois perdeu seu gume, mas, na virada dos anos 1970/80, ela era, ao lado de Guilherme Arantes, imbatível.

 

 

 

– Michael Jackson – Off The Wall

“Off The Wall”, até prova em contrário, é o melhor momento de Michael Jackson em carreira solo. Aqui sua musicalidade ainda estava voltada para o binômio sonoro Motown/Philadelphia e a presença de Quincy Jones em grande fase na produção, compunham os ingredientes necessários para a confecção de uma obra-prima da música atemporal. Tudo aqui funciona: funk, soul, baladas, disco music, bordado por Quincy como se fosse um ourives. E MJ desabrochando como cantor adulto, mostrando como se faz em “Don’t Stop Til Get Enough”, “Rock With You”, na faixa-título, por todos os cantos. Um clássico absoluto da música.

 

 

 

 

– Bee Gees – Spirits Having Flown

Em 1979 o mundo ainda estava na palma das mãos dos irmãos Gibb. Sua mutação disco, que havia assegurado o protagonismo na trilha sonora de “Saturday Night Fever” já estava passando e se transformando em algo absolutamente adorável. O pop perfeito praticado pelo trio até então, devidamente infusionado pelo funk e pela música negra havia resultado numa espécie de upgrade na sonoridade dos sujeitos. Se você ouvir “Tragedy”, “Too Much Heaven” e a suprema “Love You Inside Out” – as três faixas que abrem o disco – sem se emocionar, sugiro procurar um médico rapidamente.

 

 

 

 

– The Jam – Setting Sons

Dez canções em 32 minutos e temos a melhor banda do punk britânico no topo da forma. The Jam é tão superior a todo mundo de seu tempo que fica até desonesto comparar. Paul Weller já era um letrista sensacional, politicamente consciente e engajado a ponto de parir gemas como “The Eton Rifles” e “Wasteland”, mostrando aí a conexão ancestral com o The Who em seus momentos mais incadecentes. Como bônus e atestado de identidade, a invocada cover para “Heatwave”, composta pelo trio Holland-Dozier-Holland para a Motown em seus tempos de glória, e imortalizada por Martha Reeves And The Vandellas e Supremes. Uma cacetada na orelha.

 

 

 

 

– Supertramp – Breakfast In America

Um dos discos mais graciosos já feitos. Ainda que muita gente torça o nariz para a música feita pelo Supertramp, não dá pra negar a ótima fase que o grupo, liderado por Roger Hogdson e Rick Davies vivia. Com colossos radiofônicos como “Goodbye Stranger”, “Take The Long Way Home”, a faixa-título e a perfeita “The Logical Song”, o Supertramp vendeu mais que água no deserto e a turnê do disco gerou o duplo ao vivo “Paris”, que era presença obrigatória em toda discoteca que se prezasse no início dos anos 1980.

 

 

 

 

– Chic – Risqué

Sete músicas, 32 minutos. A primeira faixa, “Good Times”, traz uma das linhas de baixo mais influentes da história da música pop. Só por isso, “Risqué”, terceiro disco do Chic, já deveria constar em todas as lembranças da mídia especializada. Nile Rodgers e Bernard Edwards eram uma espécie de Pelé e Garrincha do groove, arquitetos de uma nova sonoridade, que era disco e funk ao mesmo tempo, borrando uma fronteira que, apesar de não parecer, era muito rígida na época. Ao lado do Earth Wind And Fire, o Chic era o grande grupo de música do mundo naquele tempo. Colossal.

 

 

 

– Electric Light Orchestra – Discovery

Este é o momento de glória máxima para o grupo de Jeff Lynne. Da mistura de Beatles e rock progressivo do início dos anos 1970, passando pelo encontro da identidade própria o longo do tempo, a ELO chegava ao fim da década com o DNA afetadíssimo pela disco music. O título do álbum faz trocadilho com o amor que Lynne e cia tinham pelo ritmo e isto é expressado em adoráveis espécimes tortos de beatlemania embebida em baixos – reais e sintetizados – totalmente devedores do bate-estaca americano. Do flerte com Bee-Gees em “Shine A Little Love”, passando pela homenagem ao ABBA em “Confusion”, chegando à ultrabritânica “The Diary Of Horace Wimp”, tudo é sensacional por aqui. E o momento de brilho máximo é a épica “Last Train To London”, uma das gravações mais queridas deste que vos escreve.

 

 

 

 

 

– Neil Young – Rust Never Sleeps

Um dos “discos de retorno” de Neil Young ao rock após incursões no folk. “Rust Never Sleeps” é, não só um belo disco de rock, como um dos maiores trabalhos do bardo canadense em todos os tempos. O número de canções sensacionais por aqui é muito acima da média, indo das duas versões “My My Hey Hey” (Out Of The Blue)” e “Hey Hey My My (Into The Black)” (com menções honrosas a Johnny Rotten), chegando às lindas “Pocahontas”, “Sedan Delivery” e a suprema “Powderfinger”, tudo soa sincero, derramado, afetuoso e totalmente identificado com a mitologia youngiana. Uma obra-prima.

 

 

 

– Roberto Carlos – Roberto Carlos

O disco de 1979 lançado por Roberto Carlos é um colosso. Produção impecável, repertório afiadíssimo – “Abandono”, “Desabafo”, “O Ano Passado”, “Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo” e a imaculada “Na Paz do Seu Sorriso” – e o Rei em um de seus momentos mais seguros como cantor e intérprete. O álbum fez muito sucesso nas rádios e, para muitos, é um dos últimos trabalhos de Roberto a ter alguma relevância artística, algo bastante questionável, visto que ele ainda teria muitas canções belas na década seguinte. Mesmo assim, o álbum de 1979 é um dos pontos altos de sua trajetória, marco que ainda não é totalmente reconhecido.

 

 

 

OBS: este texto poderia ser muto maior, visto a quantidade imensa de ótimos discos lançados em 1979. Nomes como Talking Heads, B-52’s, Clash, Tom Petty, Dire Straits, Blondie, Donna Summer, entre outros, ficaram de fora.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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