O paradoxo Alvin L

 

 

Há poucos dias escrevi o texto que lembrava do álbum “Marina Lima”, lançado em 1991 e me lembrei da importância de Alvin L para o pop nacional. Uma olhada descompromissada verá que ele é um dos mais prolíficos compositores em atividade no pop e no rock brasileiros desde muito tempo. Podemos até dizer que ele foi um dos responsáveis pela ascensão da banda brasiliense no cenário nacional no fim dos anos 1990 e por sua consolidação como uma das únicas formações a sobreviver no mainstream do país. Você pode ter alguma crítica ao som que o grupo faz, mas não dá pra negar que o Capital encontrou um jeito de permanecer vivo e viável por mais tempo que muito contemporâneo seu dos anos 1980. E, se a gente for procurar motivos pra isso, certamente veremos as letras e melodias de Alvin (nascido Arnaldo Jose Lima Santos, em Salvador) impregnando a discografia capitalista desde 1989. Faixas como “Natasha”, “Tudo Que Vai”, “Mickey Mouse Em Moscou”, entre outras, são dele, que, ao longo dos anos, assinou parcerias com Dinho Ouro Preto e os outros integrantes do grupo, a ponto de fazer letras para álbuns inteiros do Capital. Pois é.

 

 

Mas não estamos escrevendo este texto para ressaltar isso, até porque, esta é a parte que um olhar “resultadista” acharia importante. Nossa intenção aqui é falar do que Alvin fez e que não fez o sucesso que deveria ou merecia. Como dissemos, ele é o responsável por algumas canções importantes do pop brasileiro dos últimos 30 anos. Veja, por exemplo, sua música mais conhecida, “Não Sei Dançar”, que Marina gravou em 1991. Segundo consta, a canção era para ser gravada pelo … Capital Inicial, mas a banda não se viu numa letra tão existencial/deprê, e recusou. Felizmente. Mas Alvin já estava em atividade bem antes de 1991. Formou o sensacional Rapazes de Vida Fácil, responsável por uma das canções mais bacanas do rock brasileiro oitentista, “Adriana Na Piscina”, de 1983. A banda não durou muito tempo e Alvin vagou aqui e ali, sem um pouco certo, mas frequentando as rodas e fazendo amizade com Renato Russo, Dado Villa-Lobos, Dé (do Barão Vermelho) e, claro, o pessoal do Capital Inicial.

 

 

 

 

Foram os brasilienses que deram partida nessa versão “compositora” de Alvin, no seu quarto álbum, “Todos Os Lados”. A banda gravara “Você Não Precisa Entender” no ano anterior e, ainda que tivesse estourado com a péssima “Pedra na Mão”, viu sua sonoridade flertar muito com timbres eletrônicos que, na época, significavam uma “venda” ao sistema pop. Daí o grupo resolveu enguitarrar mais ou seu som e convocou Marcelo Sussekind para a produção. Temos então, um feixe de 11 faixas – nem tão enguitarradas assim – sendo que nove são assinadas por Alvin, em parcerias diversas com os integrantes da banda. Entre estas, “Belos e Malditos” (com Renato Russo, Loro, Bozo e Dinho), “Mickey Mouse Em Moscou” (com Bozo, Loro e Dinho) e a faixa-título, com Bozo, Marcelo e Dinho. A partir daí, não houve um único álbum da banda sem que Alvin não assinasse várias faixas.

 

 

Além desta nascente carreira como compositor, Alvin montou uma nova banda em 1990, o Sex Beatles, com a qual registrou dois álbuns após alguns anos batalhando espaço no underground carioca. O grupo trazia, além dele, na guitarra, a vocalista Cris Braun, o guitarrista Ivan Mariz, o baixista Vicente Tardin e o baterista Marcelo Martins. Dado Villa-Lobos, na época ainda integrando a Legião Urbana, chegou a tocar com os Sex Beatles, mas, para não ferir cláusulas contratuais, não mostrava o rosto e chegou a usar um pseudônimo quando tocou com a banda em apenas um show, no Circo Voador.  A amizade com Dado deu aos Sex Beatles a chance de gravar destes dois álbuns – “Automobilia” e “Mondo Passionale” pelo recém-criado selo do legionário, o Rock It. Ele também aproveitou para produzir os dois trabalhos e teve início uma campanha de divulgação dos álbuns na mídia.

 

 

Na época a MTV Brasil e alguma parte da mídia, especialmente a carioca, deram espaço para a banda, nas não foi suficiente, ainda que o som dos Sex Beatles fosse sensacional. O timing também não foi dos melhores. Na época o Brasil vivia o auge do Manguebeat e uma demanda por várias sonoridades que não fossem vinculadas com o pós-punk oitentista. Na verdade, rotular o som dos Sex Beatles desta forma é injusto, uma vez que o grupo tinha um bom quinhão de atitude alternativa e até alguns momentos em que mostrava lampejos guitarrísticos mais pesados, oriundos do hard rock e do glam. A voz de Cris era o contraponto ideal para esta atitude sonora e dava ao grupo uma aura de banda mal educada e contestadora com vocal feminino, bem diferente de um Kid Abelha ou de um Pato Fu da vida.

 

 

Ainda que gravados num espaço de tempo de um ano, os dois discos são diferentes e bastante. “Automobilia” é mais roqueiro, mais cru e quase punk em muitos momentos. As guitarras estão em primeiro plano e a química com os vocais de Cris Braun é irresistível. Com Dado na produção, a sonoridade é incrivelmente bem gravada e mixada. O disco já abre com um groove rock incendiário chamado “Psicomotores” e tem os vocais intencionalmente falados sob a levada das guitarras e da cozinha. A pena irônica de Alvin já surge no verso “com um pouco de sorte, você bate num poste e aí…”. Em seguida vem uma dançante e sensacional “Na Direção”, com uma levada irresistível e pronta para as rádios, se elas tivessem cérebro na época. “Más Companhias” tem levada aerodinâmica e a presença de Renato Russo nos vocais de apoio, junto com Dado nas guitarras. “Hemingway”, provavelmente a melhor do disco, tem ambiência pós-punk clássica, mas com uma bateria muito bem gravada e guitarras hipnóticas com belos vocais. Outra pequena pérola que ficou para a História e para os curiosos sempre dispostos. As dez faixas mostram uma banda pronta para fazer sucesso em qualquer lugar, mas, tristemente, não naquele Brasil de 1994.

 

 

 

“Mondo Passionale” é mais experimental e diversificado. Tem climas, arranjos ousados e esbanja liberdade criativa, típica de uma banda que não estava muito preocupada com o sucesso a qualquer custo. Uma canção como “Eu Nunca Te Amei Idiota” com versos “eu guardo seu retrato embaixo do meu travesseiro//vá embora,  quebre a cara//eu queimei seu dinheiro” mostra bem isso, ainda que se valha de uma estrutura pop existencial muito louvável. Em meio a um arranjo minimalista e hipnótico, a voz de Cris vai dissertando sobre o fim do amor tendo o ódio e a desilusão como forças motrizes. “Péssima” tem uma interseção maravilhosa entre Ramones e Kid Abelha, parecendo algo que grupos americanos da época como Belly e Veruca Salt poderiam gravar sem problemas. Também temos o pop rock perfeito de “Viva Miami” (que parece uma prima mais nova de “Totalmente Demais”, de Caetano Veloso), a balada “Cary Grant” e a ótima “Freiras Lésbicas Assassinas do Inferno”, que é descendente da mesma pena que fez “Adriana Na Piscina” doze anos antes.

 

 

Com esses dois discaços, mas sem visibilidade, a banda começou a viver desentendimentos internos e acabou pouco depois, quando Alvin teve a chance de realizar um desejo há muito acalentado: gravar um disco solo. Com a chancela da BMG e a produção de Liminha, ele lançou em 1998 um belo – e ignorado – disco “Alvin”, no qual ele se vale de uma pegada mais folk rock para desfilar canções novas e antigas. Dentre as novidades, a belíssima “24 Horas Por Dia”, que abre os trabalhos, já dá o tom existencial/reflexivo que é uma das personas líricas mais frequentes do cantor e compositor. Nessa mesma onda, vêm “Setembro” e “Inverno”, que exibem belos arranjos de violões e guitarras, emoldurando as letras (“se não chover, todos verão, o inverno no seu corpo coberto”). No setor das composições já conhecidas, estão “Hemingway” e “Tudo Que Você Queria Saber Sobre Si Mesmo (E Tinha Medo de Perguntar)”, em versões inferiores às registradas com os Sex Beatles alguns anos antes. Fechando o disco, “Não Sei Dançar”, numa leitura rock bacana, mas inferior ao registro definitivo de Marina.

 

 

 

Como dissemos lá em cima, o grande momento “resultadista” de Alvin como compositor viria com o lançamento do “Acústico MTV”, do Capital Inicial, no qual o grupo incluiu duas canções inéditas, que fizeram muito sucesso. Ambas eram assinadas por ele, “Natasha” e “Tudo Que Vai”, esta última, em parceria com o ex-Hojerizah” Tony Platão, que chegou a gravá-la em seu disco solo “Calígula Freeejack”, em 2000.

 

 

Alvin tem muitas canções gravadas, algumas de muito sucesso, o que deve lhe render um valor suficiente para se manter apenas com sua obra. Ele não toca mais ao vivo e deve andar pelas ruas do Rio – onde mora – sem ser notado, algo que deve prezar bastante. Continua escrevendo sob encomenda e a gente torce para que suas composições apareçam nas vozes de mais gente interessada em seu estilo peculiar, crítico, meio cínico, existencial e desiludido. Alvin é coisa nossa.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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