Três dinossauros oitentistas bem vivos

 

 

A-Ha – True North
52′, 12 faixas
(Sony)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

Simple Minds – Direction Of The Heart
48′, 11 faixas
(BMG)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

The Cult – Under The Midnight Sun
35′, 8 faixas
(Round Hill)

3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

Se estivéssemos em 1985, esta notícia não seria nada demais. Afinal de contas, três bandas de sucesso mundial estariam lançando seus discos mais recentes e, a partir disso, se mantendo relevantes no mercado e no coração dos fãs. Mas, hoje, 2022, muito tempo depois dessas formações terem vivido seu auge criativo, o que significam os novos discos de A-Ha, Simple Minds e The Cult? Cada uma à sua maneira, essas bandas têm carreiras longevas e significantes. Nenhum grupo se manteve incólume à passagem do tempo, todos beirando as quatro décadas de atividade. Na verdade, no caso do Simple Minds, são 45 anos de estrada e 27 álbuns lançados. O A-Ha vem com 38 anos de carreira e treze registros, enquanto o Cult ostenta 39 anos e onze discos. Ou seja, é uma gente que já viu de tudo, viveu bastante no palco e, se ainda está por aqui, disputando espaço com novos e novíssimos artistas, é porque ainda tem algo a dizer. Longe de querer compará-los, este texto pretende falar dos álbuns que esta galera está lançando e ressaltar as qualidades – que são muitas – presentes neles.

 

 

Começando com o A-Ha, vamos chegar em “True North”, álbum que serve como trilha sonora do filme que a banda está lançando. É a primeira vez que o trio norueguês se aventura pela sétima arte, ainda que já tenha participado da trilha sonora do filme “The Living Daylights”, aventura da versão Timothy Dalton de James Bond, em 1987. O filme datou terrivelmente, mas a canção-título envelheceu graciosamente, assim como grande parte da obra do A-Ha, que se tornou banda de referência para muita gente e alguns artistas novos, como Coldplay e Keane, que já declararam sua admiração por Morten, Mags e Pal diversas vezes. O A-Ha ficou sete anos sem gravar, ao longo da década de 1990 e, desde 2000, quando retomou a carreira com o ótimo “Minor Earth, Major Sky”, não parou mais. É verdade que o espaço entre os álbuns é maior, a produção é menos frenética, mas a banda não tem um só registro ruim lançado. Antes de “True North”, “Cast In Steel”, lançado em 2015, e o Acústico MTV, de 2017, eram os mais recentes discos do A-Ha.

 

 

Este novo trabalho pretende ser mais contemplativo e/ou atrelado ao longa, mas é um bom disco regular da banda. Nesta altura do campeonato, não interessa ao A-Ha modificar muito a sua fórmula de technopop melódico e altamente pop, algo que foi preservado da ação do tempo, assim como a voz de Morten, que segue capaz de agudos bem altos, ainda que não tenha mais o alcance de quase quarenta anos atrás, o que é totalmente perdoável. Seja nas faixas mais lentinhas (como os belos singles “I’m In” e “You Have What It Takes” e na admirável faixa-título, que lembra o sucesso oitentista “Stay On These Roads”), seja nas canções mais rapidinhas (“As If” ou na admirável “The Hunter In The Hills”, que chega a lembrar o pop psicodélico sessentista), o A-Ha tem sua marca sonora intacta e não mostra qualquer tipo de acomodação. As composições são todas muito bonitas, bem produzidas e capazes de manter vivo o interesse dos fãs pelo grupo e, quem sabe, seguir renovando sua plateia.

 

 

 

Já o Simple Minds (foto) tem a produção mais intensa das três bandas. Mesmo que a formação tenha oscilado ao longo dos anos, o grupo não deixou de lançar álbuns e já há algum tempo tem na dupla Jim Kerr e Charles Burchill o seu núcleo criativo. Na verdade, nunca houve um hiato na carreira do grupo, ainda que, nos últimos anos, o Simple Minds tenha focado mais em álbuns ao vivo, como “Live In The City Of Light 2019”, tentando reeditar o sucesso mundial do homônimo lançado lá em 1985. Ou o “Unplugged”, de 2016, no qual o grupo revê alguns sucessos clássicos em versões acústicas. Os discos de inéditas surgem de tempos em tempos, caso de “Walk Between The Lines”, de 2018 e do ótimo “Big Music”, de 2014, nos quais a banda mantém sua receita de pós-punk polido, turbinado por refrãos bombásticos e pela figura de Jim Kerr, que, no passado, rivalizou com Bono Vox em termos de estilo e sucesso.

 

 

“Direction Of The Heart” é um álbum que mantém essa tradição na produção recente do SM. Aqui estão as canções com letras conscientes, devidamente envoltas por estes arranjos pós-punk bombásticos e muito bem feitos, cheios de teclados e guitarras que se dobram e conversam, enquanto uma sólida base de baixo e bateria sustenta tudo. Canções como “Who Killed The Truth?” ou “First You Jump” são provas cabais da boa forma do grupo, mas este novo álbum ainda traz mais surpresas. A abertura, com “Vision Of Things”, é uma homenagem ao pai de Kerr, que morreu recentemente, e embarca numa bonita seara de sintetizadores e bons vocais. Há uma boa aura moderninha revestindo “Natural” e “Planet Zero”, mostrando que o Simple Minds não parou no tempo e entende que dá pra acrescentar elementos atuais sem descaracterizar seu trabalho. E a maior revelação do álbum vem, justamente, do passado remoto, quando, finalmente, “Act Of Love”, uma das primeiras canções compostas por Kerr, recebe, afinal, um registro oficial. Engavetada lá por volta de 1978, ela estava praticamente incluída na estreia da banda, “Life In A Day”, mas foi engavetada e esquecida, sendo resgatada apenas agora. É um pequeno tesouro para fãs da banda.

 

 

 

Fechando o texto, temos o The Cult. Mais irregular dos três, o grupo inglês, liderado pelo vocalista Ian Astbury, ainda tem muito combustível para queimar. O Cult também é o mais mutante das três formações. Já foi pós-punk psicodélico, influenciado por mitos e cultura dos indígenas americanos originários, além de enveredar para um caminho no qual adotou tiques e taques de hard rock, chegando a fornecer mão de obra para o Guns’n’Roses na virada dos anos 1980/90, quando o baterista Matt Sorum foi engrossar as fileiras do grupo americano. Lembramos que o maior sucesso da carreira de Astbury e cia. foi a trilogia “Love” (1985), “Electric” (1987) e “Sonic Temple” (1989), na qual a banda conseguiu mudar de identidade três vezes sem perder sua marca sonora original.

 

 

Ao longo do tempo, apenas Astbury e o guitarrista excelente Billy Duffy permaneceram a bordo do Cult, com idas e vindas de vários integrantes. No novíssimo álbum, “Under The Midnight Sun”, a dupla mostra que este entrosamento de tanto tempo segue forte. O álbum é surpreendentemente bom, evocando um mix de referências que oscila entre o melhor de “Love” e o melhor de “Sonic Temple”, com Duffy mostrando que é um baita guitarrista deixado de lado pelas publicações moderninhas. Não há momento fraco nas oito canções, sendo que o destaque vai para a maravilhosa “A Cut Inside”, que evoca o peso insinuado pelo Cult lá no final da década de 1980, sem falar na épica “Knife Through A Butterfly Heart”, que tem sintetizadores, orquestra, acordes clássicos, tudo muito bem pensado e misturado em uma canção que vai fazer a delícia de fãs velhos e cativará novos admiradores aqui e ali. Tudo bem que a voz de Astbury já não tem a mesma potência, mas ele faz o possível – e consegue – para dar conta do recado.

 

 

 

Os três discos, cada um a seu jeito, mostram que estas bandas seguem firmes e deixam a expectativa para apresentações ao vivo lá no alto. Todas são figurinhas relativamente fáceis de serem vistas por aqui, então, vamos torcer. A-Ha, Simple Minds e The Cult em 2022 podem não estar no topo das paradas mundiais, mas honram seus momentos de maior relevância com esta produção atual e bem feita.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *