Banda inglesa aprimora fusão de modernidade com guitarras noventistas
Dry Cleaning – Stumpwork
45′, 11 faixas
(4AD)
Este segundo álbum dos ingleses do Dry Cleaning confirma algo que sua estreia insinuou: o grupo é muito afeito a misturar modernidade narrativa de 2022 com guitarras noventistas alternativas. Eu não sei quanto a vocês, mas eu adoro os momentos em que o Sonic Youth conseguia conter sua fúria guitarreira e domá-la de tal jeito que era possível enxergar uma melodia pop de pedigree incontestável sob a microfonia e os pedais saturados. A lógica que o Dry Cleaning segue é muito parecida, com um resultado sensacional de álbuns inteiros deste tipo de canção. No caso deles, o que se ouve é a vocalista Florence Shaw narrando letras que contam experiências pessoais na grande cidade pós-moderna, enquanto o restando do grupo – o baixista Lewis Maynard, o guitarrista Tom Dowse e o baixista Nick Buxton – cria e recria este formato sonicyouthiano de canção. Para quem acha que isso é quase perfeito, eu vos digo: é muito difícil resistir a um álbum como este ótimo “Stumpwork”.
O bacana no som do Dry Cleaning é que ele não é exatamente rock nos termos que as pessoas estão acostumadas a entender. Ele tem muito de pop, os arranjos são todos maravilhosos, as melodias são assoviáveis e reproduzíveis, dá pra acompanhar com o pé e memorizar, mas, felizmente, a atitude de Florence e dos caras é, por assim dizer, antipop. Pelo menos em relação a este pop sobrehumano que é vigente na música atual, no qual o artista é um misto de divindade com atleta olímpico. O Dry Cleaning é o oposto disso. Tanto pelas guitarras, tanto pelo blá-blá-blá de Florence, tudo o que se ouve aqui é muito humano, falível, vulnerável e, no caso deste segundo álbum, intencionalmente alienado. As narrativas das canções refletem essa característica pessoal do nosso tempo, em que a individualidade, a competição e a superficialidade dão as cartas, gerando caos e confusão.
Florence é uma baita letrista. Ela cria narrativas que parecem saídas de um diário pessoal, refletindo o que ela consegue captar andando na rua, conversando com amigos, saindo de noite, curando porres, falando sobre amores e desamores, é tudo muito bem pensado e surreal, complementado pela banda. O legal do Dry Cleaning é que não há desequilíbrio por aqui. Tanto as letras quanto os arranjos e instrumentais são excelentes. A primeira faixa de “Stumpwork”, “Anna Calls From The Arctic” já é um baita cartão de visitas, com uma melodia que vai se construindo do mais absoluto nada, enquanto Florence vai falando sobre uma amiga que morava próximo do Círculo Polar Ártico que, de lá, costuma ligar para ela. Em meio ao papo sobre o cotidiano, um verso deixa ver esta confusão pessoal que é fruto da pós-modernidade: “Nothing works // Everything’s expensive // And opaque and privatised // My shoe organising thing arrived // Thank God”. É disso que estamos falando: alienação, materialismo, futilidade, incompreensão, crítica, tudo junto.
Há momentos em que esta equação funciona às mil maravilhas, além dessa impressionante faixa de abertura. “Kwenchy Kups” é puro Sonic Youth no meio dos anos 1990, com a melodia sobre a guitarra, mas deixando espaço mágico para as seis cordas brilharem. Ela quase emenda com a sensacional “Gary Ashby”, que é sobre uma … tartaruga que foge de casa e deixa sua família inconsolável. “No Decent Shoes For Rain” é outro baita momento, em que a melodia criada no início da canção é derretida quando ela chega na metade, para que uma nova seja colocada em seu lugar. A faixa-título é outra belezura que fala sobre shows de música eletrônica com ótima dinâmica entre solos e fraseados. “Conservative Hell” é puro anos 1980, parece uma canção de Siouxsie And The Banshees no início da carreira, tem uma linha de baixo impressionante e comichões de guitarra arremessados em direção ao ouvinte, tudo com muita doçura. “Don’t Press Me” já pega um pouco mais pesado na melodia e na desorientação intencional, enquanto “Liberty Log” já é mais psicodélica e climática, imersa num quase-caos constante.
“Stumpwork”, o disco, é uma maravilha caótica em que o controle é frágil e os elementos colocados em jogo estão prestes a explodir em mil direções. É como se tivéssemos a chance de contemplar este último minuto de estranha e complicada normalidade antes de tudo derreter diante dos nossos olhos e ouvidos. É um álbum ainda melhor que a estreia da banda, o já sensacional ‘New Long Leg”, e arremessa o Dry Cleaning no primeiro time do rock mundial neste nosso tempo. Imperdível.
Ouça primeiro: “Anna Calls From The Arctic”, “Stumpwork”, “Gary Ashby”, Kwenchy Kups”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Tô curtindo demais essas bandas “pós-punkeanas” emergentes da cena inglesa, tipo Shame, TV Priests, The Wants ( Container é um discaço ), Rolling B.C. Fever entre outros – só não está saindo muito barato, já que os cd’s importados estão custando os olhos da cara, mas, blz, pra quem não curte ouvir música vindo das nuvens, tem que se pagar um preço alto hehe…e essa banda Dry Cleaning é muito legal, o jeito narrativo da garota cantar é muito legal, hehe…comprei o début (maravilhoso) em cd, e esse novo já foi encomendado, só esperando a bolachinha chegar pra se juntar a coleção.
Maravilha, meu caro. Achei esse disco melhor que o debut, que é ótimo. Obrigado pelo comentário.
ôpa ! Bom sinal !! Confesso que não ouvi o disco ainda, pois só ouço quando tenho a mídia (física) em mãos, então espero que os serviços de correio não atrase, e chegue bem rápido na minha house… hehehe….