O Mars Volta descomplicado de 2022

 

 

 

The Mars Volta – The Mars Volta
45′, 14 faixas
(Clouds Hill)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

ma admiração, digamos, distante, pelo Mars Volta. A dupla formada por Omar Rodriguez Lopez e Cedric Bixler-Zavala me interessava mais pela possibilidade estética de misturar noise rock e punk com tinturas progressivas e alguma dose de latinidade torta. Eu não tinha muita paciência para ouvir seus discos, até mesmo os melhores que lançaram, no caso, “De-Loused In Comatorium” (2003) e “Frances The Mute” (2005), que jazem na prateleira do quarto, pegando poeira. A dupla lançou mais quatro discos além desses, sempre calcada na habilidade técnica e na possibilidade de misturar água e óleo em termos musicais e eu continuava com a mesma admiração reservada, até que, em 2012, a dupla se separou e o Mars Volta parecia uma instância do passado a ser revisitada ocasionalmente. Ou não.

 

 

Eis que, dez anos depois do último trabalhos, surge então este álbum homônimo e eu posso afirmar: agora sim temos uma sonoridade que pode furar a bolha dos meros admiradores de peripécias sônicas e virtuosismo instrumental e chegar a novos ares. A dupla, reconciliada desde 2019, deu asas à imaginação e achou que seria bacana lançar um … álbum pop. Quer dizer, um álbum pop à sua maneira: esquisito, anguloso, mas inegavelmente preenchido por sonoridades mais acessíveis e redondinhas, gerando uma inesperada belezura neste 2022 tão afeito a comebacks ou mesmo a bandas veteranas tocando como se fossem estreantes.

 

 

Tudo em “The Mars Volta”, o álbum, cheira a diversão e tirada de peso das costas. É um disco leve, sem muitos sentidos e significados ocultos, pautado pela capacidade de Lopez e Zavala em adaptarem seu virtuosismo a formatos acessíveis e curtos. Nenhuma faixa aqui ultrapassa a marca dos 4min e 12segundos, mostrando concisão e senso de orientação na hora de colocar o bloco na rua. Em alguns momentos, a dupla soa extremamente afiada, revisitando tinturas funk pop setentistas e brincando com drama e emoção tipicamente latinas, algo que sempre foi uma influência, mas que parecia mais misterioso do que possível. Agora, em faixas como “Que Dios Te Maldiga Mi Corazón” e na abertura, com a ótima “Blacklight Shine”, Mars volta atualiza um monte de influências e apresenta novas possibilidades, não pela complicação, mas pela objetividade.

 

 

“Graveyard Love”, a segunda faixa, tem uma interessante aura eletrônica datada, que soa como uma cruza doida de New Order com Jane’s Addiction, dando espaço para rodopios inesperados pelo salão. “Shore Story”, por sua vez, parece um lado-B de Smokey Robinson adulterado por vocais modificados e remixado com andamento atrasado, com uma aura romântica inesperada. E “Cerulea” é uma balada estranha e sem sentido, que tem seu lugar lá pelo meio do álbum e acena com a dor que a voz de Bixler-Zavala consegue expressar. Claro que a esquisitice é parte indissociável do Mars Volta, mas mesmo em canções mais pesadinhas, como “No Case Gain” (que tem uma pegada de pós-punk oitentista), cheia de vocais dobrados e guitarras cortantes e “The Requisition”, certamente a mais parecida com a obra pregressa da dupla, há o elemento pop como parte vital do todo.

 

 

“The Mars Volta”, o disco, é um triunfo inesperado. Não sei se os fãs anteriores do duo irão curtir esse “downsizing”, mas, certamente, aqui ele representa a criatividade e o desejo de um artista em continuar vivo e surpreendente. Não consigo pensar em maior carinho para com os fãs.

 

 

Ouça primeiro: “Blacklight Shine”, “Graveyard Love”, “Shore Story”, “Que Dios Te Maldiga Mi Corazón”, “No Case Gain”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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