Você já conhece Zach Bryan? Pois deveria.

 

 

 

Zach Bryan – Zach Bryan
55′, 16 faixas
(Belting Bronco/Warner)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

Este disco deveria ter ganho uma resenha há mais tempo, mas vamos lá. Dá uma sacada na ficha técnica de Zach Bryan: nascido em Okinawa, Japão, em 1996, ele cresceu no interior do estado americano de Oklahoma. Começou a escrever e cantar suas canções lá pelos quatorze anos de idade. Alistou-se na Marinha aos dezessete, seguindo os passos do pai, e lá ficou por oito anos. Em algum ponto de 2017, ainda no serviço militar, resolvou dar vazão a uma produção crescente de poemas e canções, começando a postá-las no YouTube. Não demorou muito e uma delas, “Heading South”, viralizou, dando força para o sujeito continuar a divulgar suas criações. Cerca de um ano e meio depois, em 2019, Zach já lançava seu primeiro álbum, “DeAnn”, gravado em homenagem à sua mãe, que morrera em 2016. Desde então, há seis anos contínuos, Zach Bryan vem produzindo compulsivamente. Já conta com quatro álbuns de estúdio, um ao vivo, três EPs e se tornou a maior e mais promissora estrela do “heartland rock”, uma variação do country americano, devidamente turbinada por guitarras e dinâmica roqueiras. Seu último trabalho, homônimo, é um dos mais celebrados discos de 2023. Viu como temos que ficar a par da existência e do traballho de Zach? Por isso estamos aqui.

 

Essencialmente, o trabalho de Bryan está mais próximo do country e do alt.country do que da sonoridade de um Bruce Springsteen ou John Mellencamp. Mas dá pra entender o motivo pelo qual não dá pra entendê-lo como um artista do que os donos da indústria musical chamam de country em 2023. Bryan parece um sujeito prestes a explodir, suas letras e arranjos evocam imagens clássicas, mas têm um germe de inconformismo, imprevisibilidade e tais características só ficam mais estranhas frente ao fato de que o sujeito se tornou uma estrela. Seu terceiro álbum, “American Heartbreak”, triplo, iniciou sua carreira na Warner e, literalmente, bombou nas rádios e programas especializados na terra do Tio Sam. Puxando este novo trabalho, uma parceria-dueto com outro nome luminoso do “country” atual: Kacey Musgraves. A bordo de “I Remember Everything”, Bryan consolidou sua força e marcou seu território nas paradas de sucesso, fazendo com que o álbum entrasse no primeiro lugar da Billboard. Convenhamos, há quanto tempo não vemos um artista de fora do universo pop eletrônico atual cravar um feito destes? Sim, tempo demais.

 

A julgar pela qualidade das faixas de “Zach Bryan”, o álbum, reconhecer o talento do sujeito é inevitável. Sua voz é boa, as canções contam histórias plausíveis, contos de resistência do mais pobre ao mais rico, do mais vulnerável ao mais poderoso e toda uma atmosfera de “verdadeira América”, como se fosse um filme como “Nomadland” ou algo assim. É uma espécie de negativo intencional do glamour que os USA ainda tentam ostentar e que só pega em quem não tem a menor noção da realidade. Mas Bryan não envereda por este caminho visionário, panfletário, messiânico. Ele parece querer-precisar apenas o espaço para expressão de suas angústias e sentimentos. A maioria das dezesseis faixas de seu álbum homônimo tem andamento mais lento, pontuado por piano ou violões, tudo muito bem produzido e bonito. Olhando a ficha técnica do disco, nota-se um combo de produtores, músicos, vocalistas, participações. Tudo é sólido, relativamente grandioso e convincente. E há momentos em que ele consegue soar realmente interessante.

 

Além do single com Kacey Musgraves, “I Remember Everything”, que é legal, mas não emociona, há outros quatro grandes acertos por aqui. “Jake’s Piano – Long Island” é uma balada épica, com explosões pianísticas no final, com letra cinematográfica de amor partido, saudade e arrependimento, com tonalidades sépia e sofrimento real. “Overtime”, que tem os acordes iniciais surrupiados do hino nacional americano, é uma porrada triste nos excessos que cometemos na vida ou que somos obrigados a cometer, mostrando danação e triunfo como dois lados da mesma moeda. “Fear And Friday’s” é o momento em que Zach chega mais perto da sonoridade springsteeniana, com gaita, andamento rock’n’roll que vai crescendo e uma pegada convincente sobre se divertir quando não há mais quase nada de bom acontecendo na vida. E “East Side Of Sorrow”, canção empoeirada, quase autobiográfica sobre juventude perdida, decepções e tristezas.

 

“Zach Bryan”, o disco, é uma obra multi-camadas em que canções épicas e semi-épicas vão se sucedendo, contando histórias não-alegres, que, por algum motivo estranho, são ouvidas por cerca de cinquenta milhões de pessoas, cada, nos serviços de streaming. No comando, um sujeito que está com três indicações ao Grammy deste ano e não parece compactuar com o establishment. Ouça, nem que seja pela curiosidade, mas, te aviso, você vai gostar.

 

 

Ouça primeiro: “East Side Of Sorrow”, “Fear And Friday’s”, “Overtime”, “Jake’s Piano – Long Island”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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