Todo final de Lolla é assim

 

 

 

Você já sabe: ao fim dos três dias de Lollapalooza, os comentários são sempre os mesmos. O artista A deixou de vir em cima da hora, mas não fez falta. O artista B é bem pior ao vivo que no disco. A artista C fez “o melhor show de todos os Lollas” e a banda D já não é mais o que era há alguns anos. Em meio a isso, acusações de que fulano fez playback, beltrano estava emburrado ou que sicrana ENTREGOU TUDO em sua apresentação. Em mais: algum velho de alma dizendo que DJ não é músico, acusações de trabalho escravo por parte da organização do festival, celebridades entrando de graça a torto e a direito, público se sacrificando ao usar fraldas para ver o artista do coração e os relatos dos preços. Por mais alternativo que seja, o Lollapalooza Brasil é um clichê.

 

 

Daí vem a pergunta: é possível escapar dessa condição? Eu receio que não. E acho que o festival funciona deste jeito, com uma modernidade de clichê, aquela que, hoje em dia, é composta por um line up cada vez menos conhecido do senso comum, mas que, na maioria das vezes, não se justifica. É quase um anti-Rock In Rio, festival que, sabemos bem, investe firme no mainstream envelhecido. O Lolla investe no alternativo de grife, mas, penso eu, ainda é muito importante que um evento grande no país dê espaço para atrações deste nível, mesmo com percalços.

 

 

Eu praticamente não vi esta edição do Lolla. Como a Célula Pop não obteve o credenciamento (o festival não parece privilegiar veículos de comunicação alternativos do mesmo jeito que privilegia as atrações), apostei na transmissão do Multishow e tentei ver as apresentações de Kali Uchis e Lil Nas X, na sexta-feira. A primeira mostrou o talento que tem em disco, mas com um show péssimo, sem tesão, sem força, quase um cumprimento de tabela em fim de campeonato. E o segundo, eu juro que tentei ver e entender, mas não consegui. Era uma mistura de “Duna” com cerimonial de alguma coisa e um fiapo de música que não conseguiu me prender minimamente. Fiquei com raiva porque deixei de ver a única artista que parece ter feito realmente a diferença – Billie Eilish. Daí pra frente, a vontade de seguir vendo as atrações do festival simplesmente sumiu. Fiquei sabendo por amigos que o Jane’s Addiction, banda do dono do Lolla, Perry Farrell, tornou-se chata e sem sentido. Que o Tame Impala fez uma apresentação bacana – mas que não foi televisionada, ao que parece – e que o tal de Drake não veio em cima da hora, entrando Skrillex em seu lugar, numa troca que me pareceu muito vantajosa para o público presente. Torço para que a apresentação dos Paralamas do Sucesso – que debutaram no festival – tenha sido boa e reconhecida.

 

 

Hoje, segunda-feira, quem se importa? Daqui a pouco vem outro Lolla, as atrações continuarão alternativas, os mesmos comentários virão. Só torço para que não haja mais acusação de trabalho escravo, porque, ora, Lolla, nada mais mainstream num mundo como o nosso do que tratar mal os trabalhadores.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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