The Twilight Sad e Slowdive: Os dois segredos do Primavera Sound
Em todos os posters do Primavera Sound em seus vários domicílios latinos neste segundo semestre, há duas constantes: The Twilight Sad e Slowdive. De Assunção a Bogotá, de São Paulo a Buenos Aires, as duas bandas estarão presentes. Também estiveram nas edições de Barcelona e Porto, neste ano, mostrando que a organização do festival as tem em alta conta. Se olharmos na história do próprio Primavera, veremos que o evento tem grande importância na vida dois dois grupos. No caso do Slowdive, foi na edição de 2014 que a banda inglesa regressou após um hiato de 19 anos. A partir desta apresentação, o quinteto retomou suas atividades, excursionou por vários festivais europeus e chegou aos Estados Unidos para uma turnê de vinte datas, culminando no lançamento de um belo álbum de retorno, em 2017. O Twilight Sad, por sua vez, tem um feito em sua carreira: ter recebido um enorme elogio de Robert Smith, do The Cure, quando lhe perguntaram qual sua banda preferida. Aconteceu em 2016, quando Smith e sua turma saíram em turnê e Twilight Sad abriu vários shows do Cure. Pelo visto, o amor e a parceria continuam vivos e fortes, com a banda escocesa acompanhando Smith e cia pelos Estados Unidos também em 2023. Se você vai a alguma edição do Primavera Sound pela América do Sul neste fim de ano, não pode deixar Slowdive e The Twilight Sad passarem em branco.
Quer dizer, estamos supondo que você é uma pessoa interessada no que o rock produziu de interessante nas últimas décadas e dá pra dizer que o shoegaze é uma dessas variações que garantiram revitalização para o estilo. O termo – que quer dizer algo como “olhar para os sapatos” – se refere à postura dos integrantes de bandas shoegaze, marcada por grande timidez e preferência por olhar para o chão em vez de encarar a plateia nos olhos. É uma linhagem nobre, que tem início, talvez, com Jesus And Mary Chain, lá pela segunda metade dos anos 1980. Como a onda dos irmãos Jim e William Reid não tinha a ver apenas com esse aspecto sonoro, dá pra dizer que o My Bloody Valentine tenha sido o mais importante representante inicial desta sonoridade. Logo ao lado dele, o Ride. E, bem em seguida, quase no mesmo momento histório, ele, o Slowdive. Sim, a banda inglesa, hoje formada por Rachel Goswell, Neil Halstead, Christian Savill, Nick Chaplin e Simon Scott, estava lá, bem na origem de tudo. Formada em Reading, 1989, o Slowdive lançou seu primeiro álbum em 1991 pela famosa gravadora Creation, “Just For A Day”, ou seja, enquanto o mundo ouvia o som que vinha de Seattle, os sujeitos estavam entregando sua primeira leva de canções marcadas pela doçura dos vocais de Rachel Goswell e Neil Halstead devidamente subvertida num esporro sônico em que as guitarras altíssimas emparedam as pobres e singelas melodias. A essência do shoegaze, ou seja, a subversão dessas canções perfeitas em arranjos que mais parecem muralhas sônicas.
Com o sucesso do primeiro disco, o Slowdive se tornou uma banda querida com status de cult. Logo veio o segundo trabalho, seu melhor momento, “Souvlaki”, lançado em maio de 1993, com direito a participação de Brian Eno em duas canções, algo que ele fez para compensar a banda após recusar o convite para produzir o disco. Cheio de hits underground como “Alison”, “Machine Gun”, “When The Sun Hits” e uma cover impressionante de “Some Velvet Morning”, de Lee Hazlewood, “Souvlaki” é considerado o segundo melhor álbum de shoegaze de todos os tempos pelo site Pitchfork. O Slowdive ainda lançou outro trabalho maravilhoso: “Pygmalion”, em 1995. Diferente dos outros dois álbuns anteriores, este feixe de canções tem arranjos mais esparsos e eletrônicos, sendo bem mais experimental, concebido e executado principalmente por Halstead. Depois de seu lançamento, a banda chegou a encerrar atividades, com Rachel Goswell, o baterista Ian McCutcheon e o próprio Neil montando uma nova e ótima banda: o Mojave 3.
Demorou, como dissemos, dezenove anos para o Slowdive ressurgir. Lançaram um belo, belíssimo álbum em 2017, homônimo. Resenhei este trabalho para o site Monkeybuzz e reproduzo abaixo um trecho do texto, publicado em 12 de maio de 2017:
“Slowdive, o disco, é uma belezura. Produzido por Halstead e totalmente sintonizado com o nosso tempo, ele é, ao mesmo tempo, generoso com o passado recente e consciente o bastante para evitar a nostalgia. Claro, os fãs de longa data se divertirão empreendendo buscas a timbres e climas dos tempos idos e os encontrarão com facilidade. Só que o grande lance do álbum não é caçar o passado, mas encontrar a majestade de Neil e Rachel como compositores e artesãos rock. As guitarras estão em primeiro plano, mas é reducionista ignorar a beleza dos arranjos de cordas, do cuidado com que os vocais foram gravados e, sobretudo, do entrosamento perfeito entre os vocais do casal, gerando efeitos belos e eficazes.
A decisão de preencher o disco com apenas oito faixas fez com que a coesão viesse naturalmente. Não há momento desnecessário por aqui, com melodias absolutamente belas por todos os cantos. Destacamos o vôo sobre horizonte gelado que é “Everyone Knows”, que alcança níveis intensos de beleza com a alternância entre timbres de guitarra, violões e teclados, todos unidos para criar a impressão de uma tradução musical da beleza ártica. No mesmo grupo de faixas imperdíveis estão “Don’t Know Why”, com andamento e guitarras que arranham as lembranças de quem sintonizava a MTV nas madrugadas noventistas em busca de novidades e dava de cara com gente realmente nova, produzindo música realmente boa. O final também merece menção, personificado pelos oito minutos de “Falling Ashes”, uma canção com piano, crescendo, climas, clímax, contemplação e tudo a que tem direito.”
Em 2023, o Slowdive segue ativo. O grupo está em vias de lançar o seu quinto álbum, “Everything Is Alive”, que tem data marcada para 1 de setembro. Ou seja, o público das edições sulamericanas do Primavera ainda vai ter a sorte de ouvir novíssimas canções ao vivo. Como aperitivo, o Slowdive lançou dois singles: “Skin In The Game” e a ótima “Kisses”, seu momento mais pop em toda a carreira.
O The Twilight Sad é uma banda com uma carreira menor, iniciada em 2003, tendo lançado o primeiro disco em 2007. Foi com “Fourteen Autumns & Fifteen Winters” que o quarteto escocês, composto atualmente por James Graham, Andy MacFarlane, Johnny Docherty, Brendan Smith e Grant Hutchinson, mostrou sua versão personalíssima de pós-punk com toques shoegaze. Obtiveram sucesso de crítica, mas não tocaram o coração do grande público, tornando-se, a seu modo, uma banda cult, algo que, ao longo do tempo, nunca mudou. Após perambular pelo circuito underground do Reino Unido por dois anos, o TTS voltou com outro trabalho, “Forget The Night Ahead”, que pareceu dar mais foco e força a seu som, repetindo o sucesso de crítica e, desta vez, alcançando uma parcela significativamente maior de público. Ao contrário do Slowdive, por exemplo, o Twilight Sad oscilou sua sonoridade de álbum pra álbum. Depois desses dois primeiros trabalhos, a banda investiu em teclados e eletrônica em “No One Can Never Know”, que saiu em 2012 e teve até uma contraparte de remixes.
Foi com o quarto álbum, “Nobody Wants to Be Here and Nobody Wants to Leave”, lançado em outubro de 2014, que o grupo alcançou uma notoriedade maior. Os três singles lançados – “Last January”, “I Could Give You All That You Don’t Want” e “It Never Was the Same” mostraram a pegada do novo trabalho – uma mistura das sonoridades pesadas dos dois primeiros discos com o som mais plácido e tecladeiro, então vigente. A canção “There Is A Girl In The Corner” foi grande sucesso do álbum pois recebeu uma versão de um fã recém-convertido do grupo: Robert Smith. O burburinho causado pelas declarações de força do líder do The Cure e qualidade do novo trabalho levaram The Twilight Sad a excursionar pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos, em 2015. No ano seguinte, embarcaram como atração de abertura na turnê mundial do The Cure, fato que tornou a banda mundialmente conhecida, chegando a tocar em lugares como o Madison Square Garden e o estádio de Wembley, bem como em cidades como Roma, Madri, Barcelona e Paris.
Soando como uma espécie de Interpol shoegaze, o The Twilight Sad oferece um atalho para novos fãs em potencial: o álbum digital ao vivo It Won/t Be Like This All the Time, lançado em 2019, com todas as canções preferidas da banda, executadas na forma de versões mais cruas e pesadas que os originais. São dezoito faixas em cem minutos de excelência.
A gente reforça nossa dica: se você estiver a fim de adentrar um dos Primaveras Sound sulamericanos neste fim de ano, não pode perder estas bandas. Pode cobrar a gente depois.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.