The Killers em preto e branco

 

 

 

The Killers – Pressure Machine

Gênero: Rock

Duração: 46:26 min.
Faixas: 11
Produção: Shaun Everett, Johnathan Radu
Gravadora: Island

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

Você já ouviu falar de Nephi? É uma cidadezinha americana, no estado de Utah, uma região de grande presença mórmon, no chamado Bible Belt do Meio Oeste. Pois é desta cidade que Bradon Flowers, lider do The Killers, pegou a inspiração para as canções que compõem o novíssimo álbum do grupo, “Pressure Machine”. E há uma razão para isso: preso em casa, angustiado pelo isolamento da pandemia de covid-19, Brandon viu sua banda cancelando vários shows da turnê do álbum anterior, o ótimo “Imploding The Mirage”, lançado em 2019. E com a reclusão e a angústia, vieram reminiscências dos tempos em que Brandon viveu em Nephi, mais precisamente, dos oito anos até sua formatura no Juab High School. Brandon vem avisando ao público da banda que este novo trabalho seria mais calmo, com uma sonoridade mais experimental em se tratando de um grupo tão expressivo quanto o Killers. O que ele estaria querendo dizer com “canções mais calmas”? Pois é isso mesmo que “Pressure Machine” oferece ao ouvinte. E oferece bem mais.

 

O que The Killers quer dizer com “disco mais calmo”? Simples. Este é um trabalho autobiográfico e triste, que mistura superação de uma infância/adolescência difícil, paralelos entre estados de espírito resultantes de tristeza e melancolia e, por que não, a maturidade de uma banda. Porque este é o sétimo álbum do grupo, que se mostra múltimo ao longo do tempo. Tem o Killer bombástico e roqueiro de “Hot Fuss”; o Killers épico de “Sam’s Town”, o dançante de “Day & Age”, enfim, um monte de facetas contidas num grupo que é muito mais do que parece. Agora vem se somar a este catálogo de personas/moods, o Killers introspectivo, amargo, em preto e branco. A capa diz muito, com alusão às três cruzes, cerca de arame farpado e uma visão mais realista dos Estados Unidos, porque muita gente pensa que este país é composto apenas por cidades como Nova York, Chicago, Los Angeles e San Francisco, mas há um número exponencialmente maior de buracos como Nephi, conservadores, caretaços, habitados por eleitores de trump, comprometidos consigo mesmo apenas e nada mais.

 

Não espanta portanto que Brandon junte a ressaca da pandemia com lembranças de fatos vivenciados em Nephi. O conjunto de canções que emerge do álbum é sóbrio, pungente e pode soar estranho ao fã mais desavisado da banda. As inspirações vêm de duas fontes primordiais: o “ciclo americano” do U2, vivenciado entre 1984 e 1988, quando os irlandeses visitaram e usaram a América mitológica como modelo e cenário para suas canções; e o Bruce Springsteen oitentista, especialmente de “Nebraska” e “Born In The USA”, quando ofreceu interpretações complementares e duras do país, que vivia então sob a égide do nascimento do neoliberalismo, via Ronald Reagan. Por isso há tudo menos glamour e brilho por aqui. Os tons são cinzentos, tristes, verdadeiros.

 

Em algumas canções a banda erra a mão: “Terrible Thing” e “Desperate Things” são arranjadas em voz/violão e efeitos, cansando um pouco o ouvinte. “Runaway Horses” escapa um pouco desse tédio, especialmente por trazer um dueto com Phoebe Bridges. E há alguns bons momentos: “West Hills” e “Quiet Town” são puro U2 fase “Rattle And Hum”, o ocaso americano da banda irlandesa. É Bono penitenciando-se no deserto de Josha Tree sob um sol inclemente. “Cody” já é um conto sobre alguém possivelmente real, que luta e enfrenta cotidiano complicado para sobreviver, enquanto “In Another Life” e “In The Car Outside” evocam o que há de melhor no Bruce Springsteen que sai de cidades pequenas e se liberta tendo como fio condutor o carro, a velocidade, olhar de dentro que passa a ser de fora, com uma aura de estranhamento. Em todos esses momentos – bons ou chatos – a produção de Jonathan Radu – a exemplo de “Imploding The Mirage” – consegue dar foco à ideia de Brandon e trazer veracidade ao álbum, algo que é essencial para sua proposta valer.

 

The Killers é uma das bandas mais atuantes do rock mundial. São competentes, cheios de ideia e capazes de entabular várias referências. Aqui, se eles não estão rodopiando num palco mundialmente disputado, podem e deve subir num palco de estabelecimentos menores e colocar o coração na ponta da corda do violão. Belo disco.

 

Ouça primeiro:  “West Hills”, “Quiet Town”, “Cody”, “In The Car Outside”

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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