Beto Guedes: 70 anos, 15 canções
Quase passou em branco o 70º aniversário do seu Alberto de Castro Guedes, no dia 13 de agosto último. Mineiro de Montes Claros, um dos integrantes de primeira hora do Clube da Esquina, Beto é um dos grandes, enormes responsáveis pela sonoridade que saiu de Minas na década de 1970 e se espalhou pelo país como uma significativa força musical. A ideia dos sujeitos era simples, mas ousada: misturar Beatles, riponguices e folk rock com brasilidades e mineiridades cotidianas, resultando em discos e canções que surgiram impregnados por uma proposta de vida mais simples, fraterna, amorosa, bem ao estilo hippie tardio. Este traço une, por exemplo, as obras de Milton Nascimento, Lô Borges, Flávio Venturini, Tavito, entre outros, e, claro, Beto Guedes.
Se lançando em carreira solo a partir de 1977, seu registro vocal muito peculiar só não chamou mais a atenção porque suas composições vieram com força e preencheram tanto a programação das rádios como as trilhas sonoras de novelas globais. Discos como “Sol de Primavera” e “Amor de Índio” forneceram a trilha sonora para muita gente cantar e acreditar na possibilidade de um mundo melhor e mais justo em pleno Brasil da ditadura civil-militar. E, creiam, isso não é pouco.
Por essas e outras, fizemos a nossa já tradicional listinha de canções bacanas de Beto Guedes e vamos convidar vocês a conhecerem a obra do tímido mineiro, que prefere sair voando por aí do que subir no palco – sim, Beto é piloto brevetado e gosta de construir aviões. Ouça, conheça e tire um pouco o “disco do tênis”, do Lô Borges da sua vitrolinha e procure o “Amor de Índios” nos sebos da vida.
– O Medo de Amar é o Medo de Ser Livre – faixa do segundo disco de Beto, “Amor de Índio”, que, já no título, entrega a mensagem desse pessoal mineiro. O arranjo é belo, a letra é de outro mundo, pura essência hippie-tardia encarnada numa canção.
– Quando Te Vi – versão de “Till There Was You”, dos Beatles, que eu, pessoalmente, acho melhor que o original. Beto lançou no álbum “Viagem das Mãos”, mas o registro aqui é de seu disco “Ao Vivo”, gravado em 1985, no Morro da Urca, Rio, e lançado em 1986. Uma belezura romântica e lírica.
– A Página do Relâmpago Elétrico – faixa-título do primeiro álbum solo de Beto, de 1977. Esta canção é misteriosa, meio progressiva, meio diferentona e ainda tem a voz do sujeito, com um registro ainda mais fino do que o normal, constituindo um panorama que causa estranheza mas fascina ao mesmo tempo.
– Lumiar – outra canção de “A Página do Relâmpago Elétrico”, que se tornou um hino hippie setentista brasileiro, colocando o distrito de Nova Friburgo, na Serra Verde Fluminense, como o epicentro da bondade e da vida em harmonia entre as pessoas. Ainda hoje ela funciona.
– Só Primavera – faixa de “Amor de Índio”, que usa o velho recurso de comparar momentos belos e afetuosos à “estação das flores”. Com Beto tem algo de seresteiro, de bandolinista, isso funciona como um extra em seu kit de recursos musicais.
– Luz e Mistério – outra de “Amor de Índio”, igualmente propulsionada por este espírito seresteiro, cheio de bandolins e uma aura mágica, de um tempo que se foi. Beto tem a manha para oferecer ao seu público esta passagem só de ida para um tempo diferente, melhor.
– O Sal da Terra – faixa de seu exuberante álbum “Contos da Lua Vaga”, de 1981, em que ele adota uma postura menos complacente, menos hippie, e parte para um confronto, reivindicando mais cuidado e amor para com o planeta.
– Dias de Paz – faixa-título do álbum de 1998, no qual Beto revisitou algumas gravações clássicas com a presença de convidados e novos arranjos. Logo abrindo os trabalho, esta pequena joia vai levando o ouvinte por uma viagem aérea sobre alguma cidade ideal sob a lua cheia.
– Canção do Novo Mundo – parceria de Beto Guedes e Ronaldo Bastos, presente no sensacional “Contos da Lua Vaga” e que presta tributo a John Lennon, com o dilacerantes versos como “quem perdeu o trem da história por querer/saiu do juízo sem saber/foi mais um covarde a se esconder/diante de um novo mundo” ou “quem souber dizer a exata explicação/me diz como pode acontecer/um simples canalha mata um rei/em menos de um segundo”. E, no fim, o apelo: “ó, minha estrela amiga, por que você não fez a bala parar?”.
– Lágrima de Amor – faixa do álbum “Alma de Borracha”, de 1986, talvez o último trabalho que Beto registrou em sua “fase clássica”. A letra é um dos mais belos poemas que ele musicou e o arranjo tem ótimas guitarras e teclados, mostrando que, a exemplo do álbum “Viagem das Mãos”, Beto sabia que estava nos anos 1980.
– Veveco, Panelas e Canelas – outra fábula sobre a força e a tenacidade do povo brasileiro através de um personagem humilde que vai atrás do que deseja e consegue. De uma forma muito elegante e poética, a canção traça este perfil lutador do povo mais humilde num cotidiano de achatamento salarial e dificuldades mil. Do álbum “Contos da Lua Vaga”, de 1981.
– Sol de Primavera – uma das canções mais bonitas da música brasileira em todos os tempos. Faixa-título do disco de 1979. “Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos” é o ponto de partida para Beto desfilar uma série de falas sobre generosidade e união como meio para vencer adversidades. É uma canção hippie mas que já adquire um pouco mais, digamos, de consciência e senso de objetividade.
– Amor de Índio – outra das canções mais belas da música brasileira, a faixa-título do segundo álbum, de 1978, é praticamente perfeita. É impossível não se emocionar com seu andamento, sua letra cheia de versos como “abelha fazendo o mel vale o tempo que não voou” e toda a mensagem explícita de como um amor entre duas pessoas deve ser. Imortal e atemporal.
– Feira Moderna – esta canção foi gravada pelo grupo Som Imaginário no início dos anos 1970, mas a leitura de Beto é imortal. Foi sucesso de rádio em 1978/79, povoou sonhos e desejos de um país melhor em tempos de anistia e segue até hoje com uma letra quase impenetrável. Coisa de gênio.
– Contos da Lua Vaga – minha gravação preferida de Beto é a faixa-título de seu disco de 1981. Tudo nela é perfeito, desde a aura religiosa à letra, que traz um dos meus mantras pessoais: “Que será de nós, se estivermos cansados da verdade e do amor?”. Perfeita.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Quanta sensibilidade e sabedoria nas descrições das músicas. Fiquei sem palavras. Beto Guedes é um ícone, músicas boas se eternizam, sao atemporais.
A obra do Beto Guedes é enorme, além dessa bela lista ainda tem as contribuições dele em outros discos como no clássico “Clube da Esquina” onde participa de diversas faixas e na clássica “Fé cega, faca amolada” onde divide as vozes com o Milton no também clássico disco “Minas”
Sim, com certeza. A gente preferiu focar nos discos solo, com a ideia de fazer o povo redescobrir a magia do Beto. Obrigado pelo comentário. 🙂