The Cure: 27 Canções e 1 Cover
The Cure foi uma das primeiras bandas que ouvi quando decidi que era hora de conhecer a sério a música pop. Eu devia ter uns doze ou treze anos. Minha infância foi musical, cresci numa casa com vários discos de trilhas sonoras de novelas globais, de Roberto Carlos, coletâneas de disco music e muitos álbuns de Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia. Esta base me deu impulso para gostar de música naturalmente e, após um período em que eu ouvia muita disco music por conta da minha mãe, adentrei naquela que considero minha primeira etapa de formação de gosto, digamos, por conta própria. Ao lado do Cure nesta empreitada, descobri o Queen, o The Police e o Culture Club, então gigante nas paradas de sucesso. Logo depois veio o U2 e as bandas nacionais então em suas formações iniciais. O fato é que a figura maquiada, borrada e gótica de Robert Smith está nas minhas memórias mais elementares em relação à música e à sua descoberta/constatação de que eu jamais deixaria de considerá-la como a principal forma de arte, aquela que me acompanha, sobre a qual eu gostaria de falar, escrever, pensar, enfim. Tudo. E não adianta: a gente tem as memórias e elas nos definem, sendo assim, The Cure está lá, nesta primeira caixinha.
Tive a sorte de ver um show da banda em abril de 2013, no então HSBC Arena (hoje Jeunesse), no Rio de Janeiro. Se o show de ontem, no Primavera Sound, em São Paulo, pareceu extenso em suas 28 canções, a apresentação de dez anos atrás teve impressionantes quarenta. E, mesmo assim, o The Cure saiu do palco sem executar a minha preferida de toda a sua carreira, “The Blood”, fato em comum com a apresentação do Primavera. Dona de um repertório matador, com um vocalista/guitarrista/compositor dos mais marcantes do rock em todos os tempos e com discos sólidos, ainda que não lance nada de novo desde 2008, a banda é um caso de amor meu e de um imenso público brasileiro que matou boa parte de suas saudades ontem, em São Paulo.
Por conta disso, a gente elaborou uma playlist bem gorducha com as nossas canções preferidas, em ordem, devidamente comentadas. Concorde, discorde, opine, o espaço é nosso.
27 – Charlotte Sometimes (single, 1981) – o repertório pré-1983 (o ano do estouro mundial do Cure) é muito bom e tem vários singles. Este aqui é um dos mais emblemáticos deste período.
26 – Jumping Someone Else’s Train (Three Imaginary Boys, 1979) – outra canção primordial do Cure inicial, já mostrava o talento de Robert Smith no encontro de um timbre próprio de guitarra, que marcaria a banda dali pra frente.
25 – Fascination Street (Desintegration, 1989) – não há canção ruim em “Desintegration”, o clássico álbum de 1989, no qual o Cure revisitou a melancolia cinzenta do início da carreira. Esta é só mais um colosso entre tantos.
24 – Friday I’m In Love (Wish, 1992) – o single mais conhecido por não-fãs da banda, traz uma felicidade colorida que Bob Smith soube cultivar em paralelo ao deprê cinzento habitual. “Wish”, o disco lançado em 1992, é um clássico total.
23 – Catch (Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me, 1987) – uma das baixas mais leves e brandas do duplo “Kiss Me x 3”, disco que o grupo apresentou quase em paralelo à sua primeira vinda ao Brasil, em 1987.
22 – Mint Car (Wild Mood Swings, 1996) – o Cure é pródigo em ter hits fofinhos e agridoces, que seguem o mote “dançando com lágrimas borrando a maquiagem”. Aqui é quase um pós-clone de “Friday I’m In Love” mas que envelheceu com mais, digamos, fofura que sua inspiração.
21 – Maybe Someday (Bloodflowers, 2000) – o disco de 2000, “Bloodflowers”, é um baita trabalho, meio esquecido pelos fãs. O clima é pesadão e melancólico e esta canção é uma das mais belas obras que o Cure já lançou.
20 – A Night Like This (The Head On The Door, 1985) – canção preferida dos fãs dedicados, uma entre tantas sensacionais do álbum “Head On The Door”, que consolidou a banda como uma força além do habitat pós-punk britânico.
19 – Doing The Unstuck (Wish, 1992) – as faixas de “Wish” guardam entre si este timbre aquoso de guitarra, algo muito belo, que serve tanto nas mais alegres, quanto nas mais tristes. Essa aqui é uma lindeza meio esquecida.
18 – Six Different Ways (The Head On The Door, 1985) – outra faixa “menor” de “The Head On The Door”, com uma verdadeira pororoca de teclados bacanas e um andamento bem incomum para uma criação do Cure àquela altura. Beleza exótica.
17 – Killing An Arab (single, 1979) – o controverso single que a banda evitava tocar com medo de represálias, mas que falava do livro “O Estrangeiro”, de Albert Camus. Até hoje a linha de baixo pipocante me impressiona.
16 – Out Of This World (Bloodflowers, 2000) – outro colosso climático de “Bloodflowers”, mais um épico sofredor e belo de Mr.Smith.
15 – High (Wish, 1992) – outra canção “aquosa” de “Wish”, talvez a mais feliz e colorida do álbum. É uma lindeza imorredoura e segue firme na memória.
14 – Let’s Go To Bed (single, 1983) – o Cure estava numa fase pop-experimental em 1983, quando lançou vários singles sensacionais que o projetaram para fora da cena pós-punk inglesa. Esta canção é um exemplo – dançante, sacana, cheia de floreios eletrônicos, um ponto altíssimo na trajetória da banda.
13 – A Letter To Elise (Wish, 1992) – Se “Wish” é considerado um disco “feliz” do Cure, ele não poderia deixar de ter um épico dilacerante e este é o caso desta lindeza. Minha preferida do disco, disparada.
12 – Boys Don’t Cry (single, 1979) – essa canção tem o poder de me transportar para o pátio do meu colégio em 1983/84, descobrindo novos sons que me acompanhariam por muito tempo. Um clássico do rock e ponto.
11 – The Lovecats (single, 1983) – quem não gostasse de “The Lovecats” lá por 1985/86 não era boa pessoa. Acho que ainda vale. Metais sintetizados, refrão impressionante, experimentalismo pop, clipe perfeito, um acerto máximo.
10 – Just Like Heaven (Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me, 1987) – um colosso pop da carreira da banda, com riff iluminado de teclado, letra apaixonada e tudo mais. Virou uma cover anárquica nas mãos do Dinosaur Jr alguns anos depois, mas aí é outra história.
09 – Lullaby (Desintegration, 1989) – o pasmo de ouvir Bob Smith sussurrando uma letra de história infantil assustadora permanece até hoje. Mas “Lullaby” é tão colosso pop quanto várias outras, até minha saudosa mãe adorava.
08 – Inbetween Days (The Head On The Door, 1985) – esta canção já foi tão universal que já foi até tema do finado programa CLIP CLIP, da globo. Um riff impressionante de guitarras e violões entrelaçados, uma melodia atemporal e vocais marcantes. Outro clássico total.
07 – Pictures Of You (Show, 1993, original Desintegration, 1989) – já tive minha cota de choro por namoradas inexistentes ao som desta canção e prefiro a versão lançada no álbum ao vivo, “Show”, de 1993. O original está no irretocável “Desintegration”. O avanço final, com subida de tom e crescendo irresistível é coisa de gente grande.
06 – Close To Me (The Head On The Door, 1985) – uma das canções mais pop que o Cure já fez. Metais sintetizados, andamento soul pop, linha de baixo maravilhosa, bateria intrincada, tudo parece simples mas é muito, muito complexo. Perfeita.
05 – Why Can’t I Be You? (Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me, 1987) – um funkão com batida que lembra “Modern Love”, de Bowie, com guitarras, mais metais sintetizados e uma forma rouca e animalesca de canto, relativamente inédita para o Bob Smith de 1987. Porrada.
04 – Lovesong (Desintegration, 1989) – a obra-prima de “Desintegration”, disfarçada de pop song inofensiva, mas que traz uma letra de amor terminal e um arranjo que traz mil coisas acontecendo ao mesmo tempo. A cena que Rachel McAdams e Rachel Weisz protagonizam em “Desobediência”, ao som desta canção é uma das mais belas e tristes que eu já vi.
03 – Primary (Faith, 1981, versão Curaetion, 2019) – o original, de 1981, já era uma lindeza, mas esta versão ao vivo, de 2019, é uma amplificação máxima dos poderes da canção. Um assombro de energia e revitalização.
02 – The Walk (Everything Mix) (Mixed Up, 1990 – original single, 1983) – o momento mais New Order do The Cure merecia um remix avassalador e ele foi feito em 1990, sete anos depois do lançamento do original. Tudo o que existe de percussão eletrônica, fluência de sintetizadores e o riff antológico, é melhorado e ampliado aqui.
01 – The Blood (The Head On The Door, 1985) – minha preferida eterna da banda. A faixa que me fez tirar o Cure do hall das novidades e levá-lo a sério, comprando discos, lendo matérias e tudo mais. O arranjo que emula dedilhados flamencos ao violão e a melodia me arrebataram para sempre.
– Young Americans (Join The Dots, 2004) – sem David Bowie não haveria a quase totalidade das bandas do pós-punk britânico. Esta versão da colossal canção soul de Bowie, que marca sua fase Thin White Duke, é excelente.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.