Terno Rei sobe mais o nível em “Gêmeos”
Terno Rei – Gêmeos
Gênero – Rock alternativo
Duração: 35:17 min
Faixas: 12
Produção: Amadeus De Marchi, Gustavo Schirmer e Janluska
Gravadora: Balaclava
De 2019 para cá, o Terno Rei vem experimentando uma linha ascendente em seu trabalho. Não que isto seja importante, mas dá pra falar que o quarteto formado por Ale Sater, Bruno Paschoal, Greg Maya e Luis Cardoso, é uma banda que pode ser considerada “grande”. Com a carreira iniciada em 2012, quando lançou o EP “Metrópole”, totalizando quatro álbuns, foi com a chegada de “Violeta”, terceiro trabalho, que o grupo encontrou um caminho a seguir dentro da sonoridade que se propôs a fazer. O que o Terno Rei faz é rock alternativo guitarrístico de origem pós-punk, que tem raízes que remontam aos anos 1980, mas que vem sendo ressignificado ao longo dos anos. Dá pra dizer que a fluidez das composições, as tramas de guitarras e os arranjos apontam para bandas do início dos anos 2000, especialmente gente como Real Estate e derivados. Mas, e isso tem a ver com maturidade musical, foi de “Violeta” para cá que o grupo conseguiu inserir elementos brasileiros em sua mistura e isso não significa instrumentos típicos ou percussivos. As letras e ambiências das canções que eles fazem reflete uma solidão e uma melancolia tipicamente urbana e das metrópoles brasileiras, envolta em nostalgia, saudade, amor não correspondido e uma certa perda de tempo para as obrigações do cotidiano opressor. É tudo bem sutil, mas estava insinuado em “Violeta” e está neste ótimo “Gêmeos”, de uma forma mais nítida.
É bom lembrar que o Terno Rei fez mais coisas do que lançar um disco em 2019 e outro em 2022. No meio tempo, gravou algumas versões especiais de canções fora de sua órbita de inspiração. Fiquei muito bem impressionado com a cover que o grupo gravou para “Lilás”, uma das composições de Djavan mais bem sucedidas comercialmente, que marcou época no início dos anos 1980. Tudo que era tecnopop no brilhante arranjo original da canção foi convertido em guitarras e teclados modernos na leitura do TR, num trabalho impressionante. Além disso, o grupo lançou três colaborações surpreendentes com Samuel Rosa, que renderem muito bem, especialmente nas revisões de “Balada do Amor Inabalável” e “Resposta”, duas das melhores composições da história da banda de Samuel, o Skank. Respeitando os originais, mas inserindo sua marca pessoal, o Terno Rei avançou milhares de quilômetros nesta estrada do amadurecimento e da evolução como banda. E isso também está refletivo nas ótimas canções que integram “Gêmeos”.
A banda deu entrevistas recentes dizendo que o disco tem um certo conceito de ambiguidade, traduzido em seu título, que fala de um signo do Zodíaco marcado pela oscilação de atitudes. Ainda que seja identificável nas letras uma certa dose de contradições emocionais – que fazem parte do repertório lírico do grupo – acho que a marca mais interessante de “Gêmeos” é a fluidez ainda maior dos arranjos. Os entrelaces de guitarras e teclados estão cada vez mais bem executados, fornecendo ambiências poderosas para as letras. E são essas palavras que mantém o grupo no terreno emocional, dissertando sobre nostalgia, saudade, mas também com uma consciência política adquirida na feitura do álbum, durante a pandemia. Uma faixa como “Aviões”, por exemplo, marca o desejo de retomar o mundo como era, porém com a capacidade de colocar em prática os aprendizados adquiridos no meio do furacão. E quando faz esse tipo de incursão na temática mais, digamos, aguda, o Terno Rei se sai com uma inegável capacidade de soar doce e brando, mas sem perder a força de seu protesto. A banda já tem sua identidade sonora, a qual é esperada por seu público, que consegue entender detalhes e nuances sem que seja preciso descaracterizar nada.
Além de tudo isso, “Gêmeos” é recheado de ótimas canções. O primeiro single, “Dias da Juventude”, já dava a pinta de que a banda manteria a excelência que alcançou com “Yoko” e “Em 93”, as duas canções excelentes de “Violeta”, o álbum anterior. Aqui temos um verdadeiro desfiles de pequenas joias melancólicas e cinzentas na medida certa. “Esperando Você”, que abre o álbum, é uma lindeza de pianos e violões, com talhe clássico de canção alternativa que tem ares até de um Lô Borges, caso ele estivesse nos seus 30 anos. “Difícil”, que também foi lançada como single, é uma paulada de riffs de teclado e bateria galopante, com um jeitinho de Killers. “Brutal” tem ótimos momentos líricos (“Eu não quero escrever, mas uma canção, às vezes, é brutal”), em meio a pianos e andamento lento, que prepara o ouvinte para surpresas adiante. “Aviões” e sua doçura de protesto por um cotidiano perdido é um achado, enquanto “Só Eu Sei” pega mais nas guitarras para emoldurar versos belos como (“Só eu sei o que o tempo faz”) lançando mão da nostalgia como ferramenta de escrita. “Retrovisor” tem algo meio Interpol em seu arranjo; “Isabella” é canção lenta que se abre em refrão e intensificação instrumental mais para o fim. “Trailers” e “Olha Só” investem neste espectro mais lento e delicado de canção, mas são totalmente identificadas com os outros momentos. E o verso final – “Será que eu cresci mais que minhas roupas, mais que minhas coisas?” diz tudo.
Terno Rei subirá ao palco do Lollapalooza como uma das mais interessantes e raras bandas de rock nacionais. Tem personalidade, ótimas canções, ótimas sacadas e domínio do que vem fazendo. Merece sua atenção e, se tudo der certo, seguir atingindo um público cada vez maior.
Ouça primeiro: “Dias da Juventude”, “Aviões”, “Esperando Você”, “Olha Só”, “Difícil”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.