Teenage Fanclub: mais maduro e igualmente sublime
Teenage Fanclub – Nothing Lasts Forever
39′, 10 faixas
(Merge)
Existe um tipo muito chato de fã, que não admite que seu ídolo envelheça. O grupo escocês Teenage Fanclub – sem trocadilhos – tem esse tipo de admirador, que, de uns tempos pra cá, cobra da banda uma existência Peter Pan, ou seja, eternamente jovem e à prova de aprendizados cotidianos. Felizmente, os sujeitos são ignorados solenemente, pelo menos, desde “Man-Made”, de 2005, que contava com a produção sensacional de Sean O’Hagan. De lá pra cá – dezoito anos – o grupo gravou mais quatro discos, contando com este belo “Nothing Lasts Forever” e vem deixando de lado a veia apaixonada latente em favor de uma verve cotidiana, vivencial, baseada nas porradas da vida. Este é o combustível que dá sentido às doze novas canções que o Teenage enfileirou nos quase quarenta minutos que compõem o álbum e, se já não conta com a presença de Gerard Love, baixista, vocalista e cérebro compositor desde 2018, a banda ainda tem dois monstros melódicos: os guitarristas e vocalistas Norman Blake e Raymond McGinley, que seguem alinhados com o que sempre se dispuseram a fazer – canções pop perfeitas, talhadas sob medida para nos fazer acreditar que a vida é pra ser vivida, na medida do possível, com um espírito positivo. E isso segue inalterado por aqui.
Se Gerard Love saiu do grupo, seu lugar foi ocupado por outro músico sensacional: Euros Childs, que pertenceu ao ótimo grupo galês Gorky’s Zygotic Mynci, está no Teenage Fanclub desde 2018. Sua presença já foi notada no trabalho anterior, “Endless Arcade”, de 2021, e a afeição que ele tem por psicodelia e pop sessentista – de uma forma, digamos, mais arrojada que a dos outros Fannies – turbinou sutilmente o som da banda, tornando a sonoridade um pouco mais direta e pé no chão. Esta abordagem permeou as canções de “Endless Arcade”, dando mais foco às letras de Blake, que enfrentava uma baita ressaca pós-casamento. E este álbum é, digamos, o objeto de comunicação do grupo em “Nothing Lasts Forever”, que parece ser a resposta do tempo às angústias do disco anterior que, apenas para constar, levou em conta a pandemia, além do rompimento de Norman. Sendo assim, aqui temos um monte de faixas mais otimistas, que revelam experimentos pessoais de temperança, calma e serenidade diante dos perrengues da vida. Quem nunca?
O grande exmplo desta lógica está no single “I Left A Light On”, cuja letra fala abertamente de um período de tristeza e desilusão, desses que nos faz sentir o peso de mil gravidades, que foi dissipado por tempos melhores, algo que o protagonista sabia que aconteceria: “My life had lost its meaning/I was a lonely soul” e, mais adiante, diz: “But I know the tide will turn”. É isso. Num tempo em que a sinceridade parece ter sumido da música pop, saber sobre estes eventos é um baita alento. Como se não fosse suficiente, o Teenage Fanclub, por mais que tenha modificado um pouco sua palheta sonora e abaixado um pouco o volume das guitarras, mantem-se muito fiel ao que sempre fez, ou seja, canções inspiradas no sonho hippie americano da Califórnia dourada e ideal, especialmente nas que vieram quando todo mundo percebeu que isso seria impossível. São canções que nos fazem sorrir, mas que soam essencialmente tristes por conta de uma ingenuidade que nos faz duvidar de sua possibilidade ou que sentenciam tudo a acontecer numa espécie de “tempestade perfeita”, em que todas as muitas condicionais são atendidas.
E como escrever grandes canções nunca foi problema pra essa gente, “Nothing Lasts Forever” é cheio delas. Duas são acenos diretos ao som mais crocante e pesadinho de antanho, ainda que sejam dois exemplos de doçura melódica: “Tired Of Beign Alone” e “Back To The Light” vão fazer os saudosistas noventistas sorrirem ao primeiro décimo de segundo sonoro reconhecido. São guitarras levemente saturadas, que emolduram vocais perfeitos e melodias angelicais e, para os fãs da banda, soam como a chegada do Santo Graal. Mas a banda tem mais a oferecer, por exemplo, na impressionante e climática balada “I Will Love You”, que encerra o álbum num clima esparso e psicodélico que soa quase inédito em tantos anos de carreira do TFC. O arranjo é delicado, celestial, belíssimo, que percorre sem pressa os mais de sete minutos da canção. Além dela, tem a lindeza de “It’s Alright”, que tem uma inegável dívida com o melhor do pop californiano Byrds-Beach Boys, com vocais harmoniosos e melodia próxima da perfeição. Por fim, “Falling Into The Sun”, que soa épica na medida do possível para uma banda tão “down to earth” como o Teenage e que começa com o sintomático verso: “Celebrate your random state of mind”. Talvez seja a canção mais byrdiana que a banda grava em muito, muito tempo.
Com a temática alinhada, um punhado de ótimas canções, cheio de objetividade e pé no chão, fica fácil pra o Teenage Fanclub bater no peito e se orgulhar deste novo trabalho, que teima em nos fazer acreditar no rock como o melhor veículo para dizer tantas coisas assim. Que lindeza.
Ouça primeiro: “Back To The Light”, “I Will Love You”, “Tired Of Beign Alone”, “Falling Into The Sun”, “It’s Alright”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.