O “feat” de Gorillaz + MC Bin Laden

 

 

A gente resenhou “Cracker Island”, o novíssimo disco do Gorillaz na semana passada. Achamos que este é o trabalho mais melódico e musical do grupo de Damon Albarn e nem precisava sair uma versão “deluxe” do disco para termos esta certeza. Mas saiu. O grupo desenhado lançou mais cinco faixas, sendo elas, dois remixes para faixas já lançadas – “Silent Running” e “New Gold” – e três ótimas colaborações inéditas com Del The Funky Homosapien, De La Soul e o rapper paulistano MC Bin Laden, que ficou famoso há alguns anos quando lançou a impagável canção “Tá Tranquilo, Tá Favorável”. O tal “feat” se materializou na canção “Controllah” e o resto é história.

 

 

É um feito e tanto para a música urbana brasileira. Ainda que os discos do Gorillaz sempre abram espaço para músicos e artistas de várias partes do mundo, Damon Albarn ainda não havia olhado com muito carinho para a América do Sul. Como vivemos num mundo em que o pop não-anglófilo vem ganhando força, é natural que o Brasil seja um lugar interessante para pesquisar fontes de inspiração e, neste caso, colaborações. Mesmo não estando no seu momento de explosão inicial, Bin Laden é uma boa escolha para mostrar o funk das cidades brasileiras, estilo musical e representação cultural fortíssima no país.

 

 

Não se trata de levar a discussão para qualquer campo que não seja o artístico. O funk das periferias, assim como outros estilos que brotam espontaneamente nas regiões adjacentes às grandes metrópoles, é uma representação fiel da cultura desses lugares. E Bin Laden, batizado como Jefferson Cristian dos Santos Lima, já chega como um genuíno habitante/personagem desses lugares. Uma olhada nos inúmeros podcasts disponíveis nas redes sociais dará conta da origem humilde de Jefferson e do que ele passou para chegar a ter uma oportunidade como funkeiro.

 

 

A faixa foi gravada em maio de 2022, no Rio de Janeiro, durante a passagem do grupo pelo Brasil, quando tocou no Festival Mita. Bin Laden disse que o encontro aconteceu no Rio de Janeiro, onde Damon estava gravando alguns beats para o vindouro álbum. Os dois entraram no estúdio, trocaram figurinhas sem falar o mesmo idioma e o resultado tem muito mais cara de Gorillaz do que de algum proibidão. Na verdade, a canção não soaria deslocada num disco de Marcelo D2 ou da encarnação atual do Planet Hemp. É um funk moderníssimo, com inflexões de hip hop e muitas intervenções de sintetizadores, guardando espaço para um baixão bem saturado e uma bateria linear. É uma canção que se encaixa nessa característica que permeia “Cracker Island”, a de investir mais nas melodias e nas canções, deixando de lado a preocupação excessiva em soar moderno e revolucionário.

 

 

Bin Laden declarou em entrevista ao portal G1 que houve uma segunda canção colaborativa entre ele e Damon Albarn, algo como “uma coisa meio festa junina, com triângulos e coisas assim”, mas que ainda não foi divulgada. Na verdade, o rapper nem sabia que “Controllah” só sairia na edição “deluxe” do álbum, mas, assim que soube, inundou suas redes sociais com manifestações de alegria genuína.

 

 

Agora Jefferson só precisará explicar aos ouvintes anglo-americanos como pode ter escolhido adotar como nome artístico um dos maiores terroristas de todos os tempos. Mas, ora, uma coisa de cada vez. A hora é de comemorar, até porque, “Controllah” é um musicão.

 

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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