Tentando entender o Acústico MTV da Manu Gavassi

 

 

 

 

Manu Gavassi – Acústico MTV – Manu Gavassi canta Fruto Proibido
53′, 13 faixas

2.5 out of 5 stars (2,5 / 5)

 

 

 

 

 

Eu pertenço à minoria da população brasileira que desconhece o trabalho de Manu Gavassi. Se cruzasse com ela na rua, certamente passaria reto. Claro que seu nome é familiar, mas seu trabalho como cantora jamais despertou minha curiosidade. O verbete de Manu na Wikipedia diz que ela, além de cantora, é compositora, atriz, influenciadora, escritora, dubladora, diretora e roteirista. Além disso, é uma ex-participante da primeira edição em que o BBB misturou anônimos e famosos. Uma investigação maior sobre a moça – que completou 30 anos dia desses – aponta que ela fez trabalhos de dublagem para a Disney, participou da novelinha “Malhação”, além de gravar álbuns e EPs, tendo sido descoberta pelo produtor Rick Bonadio no início da década de 2010. Aliás, estes últimos dez anos foram os que Manu se tornou uma subcelebridade artística brasileira, fato potencializado pelo BBB, de 2020.

 

 

Pois bem. Daí a Manu surgir com um especial de TV que leva a grife “Acústico MTV”, deveria haver um longo caminho, mas, aparentemente, não. Sua canção autoral “Gracinha” é um hit entre os jovens urbanos paulistanos e sua participação no BBB foi marcada por uma série de jogadas inteligentes de marketing, traduzidas em vídeos e singles que a produção da artista ia lançando em meio à sua presença na casa do reality show. Tudo bem, não há nada errado em aproveitar uma oportunidade dessas, porém, quando falamos das realizações de Manu, parece que a música vem numa posição secundária. Ela parece muito mais influencer do que qualquer outra coisa. Mas, como já vimos, eis que a moça surge com a proposta de cantar a íntegra de “Fruto Proibido”, álbum de Rita Lee de 1975, gravado com o ótimo grupo Tutti-Frutti, sendo o primeiro dos quatro discos que gravaram juntos.

 

 

Mais que os outros trabalhos, “Fruto Proibido” é marcante por vários motivos. Rita era a única artista de projeção nacional em seu tempo a abraçar o rock. Tal fato não lhe tirava prestígio, mas encurtava seu poder de fogo midiático se comparada a comadres como Gal Costa, Elis Regina, Maria Bethania e outras. Rita, além disso, reafirmava sua carreira solo enquanto exorcizava os últimos ecos de sua saída dos Mutantes, seminal grupo de rock que integrou entre 1967 e 1972, junto com os irmãos Arnaldo e Sergio Dias Baptista. “Fruto Proibido” se sustentou numa época de ditadura civil-militar e censura, ou seja, se constituiu num marco fonográfico nacional, ultrapassando a marca de 200 mil cópias vendidas. Com o tempo, “Fruto” se tornou um dos marcos da carreira de Rita Lee, especialmente por conta de canções definitivas como “Este Tal de Rock Enrow”, “Agora Só Falta Você” e “Ovelha Negra”, esta última, uma das mais belas crônicas de afirmação pessoal contra um sistema opressor no campo das ideias e posturas.

 

 

Gravar, portanto, a íntegra deste disco, com toda a pompa e circunstância que Manu Gavassi trouxe para este projeto, é bancar um jogo alto. A ideia aqui não é opor o velho ao novo, usando o clichê do “no meu tempo é que era bom” ou algo assim, é questionar linguagens e posturas adotadas e atualizadas. Também é preciso dizer que estamos quase 40 anos no futuro de “Fruto” e algumas coisas, de fato, mudaram profundamente. O rock, por exemplo, não é o meio mais familiar aos jovens com os quais Manu quer se comunicar. Sua proposta de usar uma banda composta apenas por mulheres, a saber, Alana Ananias (bateria), Ana Karina Sebastio (baixo), Juliana Vieira (violão), Luana Jones (backing vocal), Mari Jacintho (teclados), Michelle Abu (percussão), Monica Agena (violino) e Paola Evangelista Lucio (backing vocal), endossa o original, mas leva as canções e posturas para outro campo.

 

 

“Fruto Proibido” é muito mais um álbum de rock no sentido de abraçar a rebeldia através da música como atitude, do que qualquer outra coisa. Abraçar a individualidade feminina, sua força e liberdade, certamente estão no bojo, porém, é, antes de tudo, um disco de rock. Os arranjos que Manu e sua banda executam no álbum são de autoria de Lucas Barbosa, do Fresno. São fracos, optando por uma pegada folk rock mais datada que o original de Rita. E esta abordagem joga as canções numa vala de mesmice bastante incômoda. Nao por acaso, o melhor momento é “Ovelha Negra”, com participação de Liniker. Manu executa a totalidade do álbum e ainda acha espaço para outras quatro canções. Do repertório de Rita, ela puxa “Lança-Perfume”, que é de uma fase completamente distinta de sua carreira, travando a fluência do disco. E “Mutante”, igualmente de outro período, mas menos incômoda do que a anterior.

 

 

Para a surpresa do ouvinte – eu, pelo menos – Manu acha uma boa ideia incluir duas faixas autorais no álbum. “Gracinha”, sua canção-assinatura, vem com participação burocrática de Tim Bernardes, enquanto “Bossa Nossa”, surge rearranjada e pode se tornar o único momento realmente criativo de todo este disco. Aliás, gente, é bom que se diga: Manu pode ser uma “gracinha”, mas talvez sua faceta menos inspirada seja a de cantora. Sua voz é monótona, padrão “The Voice” de “cantora boa”, estridente e, decididamente, não combina com a ironia e a força dos originais de Rita.

 

 

No fim das contas, fazendo o rescaldo, dá pra achar bacana duas coisas: o respeito da moça pelo formato rock’n’roll, ainda que com um resultado limitante e, mais que isso, a possibilidade de carregar essas canções de quase 40 anos para um novo/novíssimo público, potencialmente interessado em Rita Lee. E só.

 

 

Ouça primeiro: “Bossa Nossa”

 

 

Em tempo: O episódio do “Acústico MTV – Manu Gavassi canta Fruto Proibido” está disponível na MTV e na Paramount +

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

6 thoughts on “Tentando entender o Acústico MTV da Manu Gavassi

  • 13 de julho de 2023 em 18:35
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    O álbum ficou uma p#t@ sonzeira! Além da artista principal, uma banda só de mulheres de musicalidade de alto nível tocando muito! Essa resenha toda aqui, pra mim, nada mais é do que o machismo de sempre da nossa classe musical.

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  • 6 de maio de 2023 em 16:39
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    Discordo de grande parte da sua crítica. Manu pode não ter grandes qualidades como vocalista mas como mente criativa e intérprete ela se destaca. Você provavelmente não deve ter visto o “tal projeto” da Disney pois ali Manu mostra em suas várias facetas artísticas. E, outra vez ousando, se desafia artisticamente nesse difícil acústico mtv. Ela conversa com a geração atual com este projeto. Talvez o fato de ser uma ex-bbb tenha pesado mais do que esta obra em sua avaliação.

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  • 15 de fevereiro de 2023 em 18:33
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    Entendo o seu ponto de crítica, mas preciso discordar. Manu é uma cantora da minha geração, acompanhar o seu desenvolvimento é brilhante (apesar da sua limitação vocal). Ouvindo o álbum nesse momento, identifico que a Manu conseguiu imprimir sua identidade nas músicas da Rita. São tempos diferentes, mas a mensagem ainda é singular… mesmo que cantada de outra forma. O que mais me acalenta é que a Manu traz para o seu público o que acredita e não o que é datado como mainstream hoje. É gratificante acompanhar o crescimento dela como pessoa e artista.

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  • 7 de fevereiro de 2023 em 13:42
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    Manu foi bastante audaciosa em reler o consagrado “Fruto Proibido”, álbum icônico que pertence ao panteão rock nacional, e teve mais erros que acertos. Gostei dos arranjos do Lucas, da banda formada apenas por mulheres, do cenário e, claro, da performance da Manu. Lembremos que o projeto trata-se de uma homenagem e ela cumpriu bem o papel. Saliento que o álbum em comento foi lançado em 1975, ou seja, há quase 50 anos e não 40.

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  • 5 de fevereiro de 2023 em 00:35
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    Eu entendo as suas críticas, mas discordo. Sei da importância do álbum da Rita, mas achei muito bacana o modo como a Manu conseguiu transitar nesse universo sem tentar fazer um cosplay, vejo muita autenticidade. Manu é uma artista contemporânea, traz outra linguagem. E acho que o formato acústico, de um modo geral, pede um tom mais folk. Entendo as limitações da Manu enquanto cantora, mas como artista vejo potência. Adorei o que vi e ouvi! 🙂

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