A demanda mundial por Coldplay

 

 

Eu preciso confessar uma coisa: falo mais sobre Coldplay neste site do que gostaria. Seja pelo lançamento de um álbum como o mais recente, o fraco “Music Of The Spheres” ou pelo anterior, o bom “Everyday Life”, talvez o melhor trabalho que lançaram desde o início da carreira, seja pela incrível notícia de que o grupo inglês precisou agendar a sexta data para shows em São Paulo. Isso quer dizer que o Coldplay fará nove apresentações no Brasil entre outubro e novembro. Serão três no Rio, incluindo a participação no Rock In Rio e as seis já mencionadas em São Paulo. Poderia ser um fenômeno local, mas uma olhada nas datas da Music Of The Spheres Tour 2022 mostra o contrário: Em quase todos os locais em que se apresentará, o grupo inglês precisou agendar apresentações extras, mostrando o que vocês já podem imaginar: há uma demanda global por Coldplay. E é disso que vamos falar.

 

Fatos como este mostram que a análise sobre a música no mundo em 2022 vai muito além do óbvio. E muito além do gosto pessoal, por mais que tenhamos rodagem suficiente para entender mecanismos, meandros e armadilhas que a música pop expõe. O Coldplay, de alguma forma muito engenhosa, soube migrar de seu rock alternativo de guitarras de forma convincente e abraçar, pouco a pouco, um som muito mais pop e diverso, sem, no entanto, perder a manha de construir boas canções e deixar pistas para seu público inicial de que, em algum lugar sob as toneladas de luzes, cores e truques de estúdio, ainda bate o coração indie rock. Os caras fizeram isso tão naturalmente que, certamente, há gente que nem sabe que o grupo já lançou um disco tristonho e introspectivo como “Parachutes”, sua estreia, lá em 2000. Sempre dialogando bem com os clipes e mostrando que Chris Martin, líder e CEO da banda, tinha uma ótima mão para compor canções bacanas, o Coldplay foi incorporando elementos eletrônicos, sintetizadores e ampliando sua palheta sonora, a ponto de, no quarto álbum, “Viva La Vida”, de 2008, iniciar sua transição de forma mais acentuada. Mas, veja: fizeram isso com a produção de um mestre absoluto da vanguarda musical do mundo, Mr.Brian Eno. Logo ele, que foi o responsável por colocar o U2 – banda inspiradora do Coldplay por excelência – no topo do Olimpo musical planetário, a partir de 1987, com “The Joshua Tree”, sexto álbum dos irlandeses.

 

A partir daí, o grupo inglês foi substituindo os elementos remanescentes do rock indie do início por tiques e taques popísticos contemporâneos, iniciando aí uma nova sonoridade, uma espécie híbrida para espaços abertos e enormes, com muito investimento na produção dos shows e infusões de tonalidades eletrônicas e até hip-hopescas em momentos-chave. Tal fato gerou algumas bandas repetidoras, caso máximo do Imagine Dragons, que replicou essa abordagem – e ainda o faz até hoje – com um pouco mais de vigor que o Coldplay, com resultados igualmente prósperos. O fato é que “Mylo Xyloto”, lançado em 2011, marcou o abraço mais afetuoso do grupo de Martin ao pop midiático total. Há até uma faixa em parceria com Rihanna, “Princess Of China”, uma artista até então totalmente estranha ao universo inicial da banda. Não por acaso, no ano seguinte, após uma turnê mundial que incluiu uma apresentação no Rock In Rio, em 2011, o grupo soltou o “Live 2012”, no qual mescla sucessos do primeiro momento da carreira – “Yellow”, “In My Place” – com a vigente safra pop, caso de “Viva La Vida”, a própria “Princess Of China” e “Paradise”.

 

Daí pra frente, o conceito deste Coldplay pop já estava assimilado e a banda recebeu um sinal verde para lançar praticamente qualquer coisa. Veio o morno “Sky Full Of Stars”, de 2014, um pouco abaixo na escala de festividades de estádio e, logo em seguida, em 2015, o popíssimo “A Head Full Of Stars”, que trouxe mais um hit global, “Hymn For The Weekend”, um dueto com ninguém menos que Beyonce. Se havia alguma dúvida de que Chris Martin e seus amigos haviam galgado degraus na escadaria do prestígio mundial, ela se dissipara totalmente a partir daí. E, novamente, o álbum rendeu outra turnê mundial, igualmente registrada em disco, no caso, em “Live In Buenos Aires”, de 2016, lançado como CD duplo, com repertório que cobria todas as fases da carreira. Ao mesmo tempo, o Coldplay passou a investir numa imagem positiva da banda, inserindo frases de autoajuda, numa postura meio coach, meio música. Isso sofreria um revés com a chegada de seu álbum mais interessante desde “Parachutes”, o bom “Everyday Life”, de 2019, politizado, engajado – na medida Coldplay do possível – e sem muito compromisso com o sucesso global. Leia a resenha dele aqui.

 

Não se sabe se o grupo tinha muitos planos de excursionar com este trabalho, mas a pandemia de covid-19 impediu qualquer movimentação neste sentido e motivou o grupo a compor seu mais recente álbum, “Music Of The Spheres”, novo mergulho conceitual em terrenos popíssimos, trazendo participações de Selena Gomez e do grupo coreano BTS, provando, mais uma vez, que o Coldplay sabe exatamente o que está fazendo. Também resenhamos este álbum, veja aqui.

 

 

E o que ele está fazendo está dando muito certo. Cidades como Buenos Aires, São Paulo, Paris, Rio de Janeiro, Bruxelas, Londres, Santiago, Bogotá, Lima, todas elas têm mais de uma apresentação do grupo em estádios, que parecem ser os únicos espaços capazes de suportar um show do grupo.

 

Com um setlist que abrange 24 canções (no último show do grupo em Maryland, Estados Unidos, dia 1 de junho), três palcos e todo tipo de crossover de mídia, incluindo uma abertura com o tema de … “ET, o Extraterrestre”, o Coldplay vai mesclando informações daqui e dali, oferecendo um espetáculo de entretenimento que é meio Disneyland, meio show de música, meio qualquer coisa instagramável, tuitável e altamente focado na interatividade e na ideia de que você está tendo uma experiência, não apenas um show. E isso, meus caros, funciona e muito em 2022. Se isso é sinônimo de ser bem sucedido na música, o Coldplay lidera este páreo entre as bandas do planeta. Fato.

 

Link para as datas da turnê do grupo – em andamento

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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