“Sports” – cativando multidões desde 1983

 

“Their early work was a little too new wave for my taste. But when Sports came out in ’83, I think they really came into their own, commercially and artistically. The whole album has a clear, crisp sound, and a new sheen of consummate professionalism that really gives the songs a big boost. He’s been compared to Elvis Costello, but I think Huey has a far more bitter, cynical sense of humor.” Christian Bale como Patrick Bateman em Psicopata Americano (2000)

 

 

Nos anos 80, a banda citada pelo personagem Patrick Bateman em “Psicopata Americano” estourou nas rádios, apareceu nos programas populares da televisão, foi trilha sonora de um grande filme da cultura pop e colecionou grandes vendas de seus discos. Foi precisamente no ano de 1983 que a banda de Huey Lewis (vocais e gaita), Chris Hayes (guitarras, e vocais), Johnny Colla (saxofone, guitarras e vocais), Sean Hopper (teclado, piano e vocais), Mario Cipollina (contrabaixo) e Bill Gibson (bateria, percussão e vocais) lançaria, depois de dois discos, o seu primeiro grande sucesso internacional: o álbum “Sports”, que iniciaria uma trajetória de ouro na carreira de Huey e o The News.

 

Não é difícil gostar de “Sports” – a não ser que você seja uma pessoa quadrada e entediante. Lançado no outono de 1983, o terceiro disco do grupo consegue ser facilmente encantador, basta você se abrir para o charme e a simpatia do pop rock dos anos 80. E sobre simpatia, Lewis e sua banda eram especialistas.

 

 

 

Às vezes não sabemos de onde surgem os grandes sucessos. Huey e o The News, antes de emplacarem nada menos que dezenove singles na lista da Billboard Hot 100 entre as décadas 80 e 90, aprenderam a fazer música da melhor forma. Foi no ano de 1972 que Huey Lewis e Sean Hopper se juntariam à Clover, uma banda da Bay Area, em Oakland, que transitava entre os gêneros de jazz, blues, funk, country e rock’n’roll. Na ocasião da entrada de Lewis e Hooper, a Clover, que tinha como inspiração o som que fazia o Creedence Clearwater Revival, havia acabado de encerrar o seu contrato com a gravadora Fantasy. Nesse começo de carreira, Huey já tocava gaita de maneira excelente, além de ter uma voz poderosa e única, enquanto Sean segurava a onda nos teclados.

Uma versão de “Bad Is Bad” na época da Clover. Em “Sports”, Huey Lewis e sua banda regravaram a música e deram um toque pop à canção

 

Apesar de contar com ótimos músicos, a Clover não atingiu um sucesso expressivo. Mesmo assim, em 1977, a banda viveria um momento bastante significativo: seus integrantes foram parar em Highbury, norte de Londres, servindo como banda de apoio do fantástico disco de estreia de Elvis Costello, “My Aim Is True”, que impactaria a cena punk inglesa. É verdade que Huey não participou das gravações do álbum. Em entrevistas, o cantor brinca dizendo que “tocou todas as gaitas que não estão no primeiro disco de Elvis Costello”. Mas sua viagem não foi em vão. Enquanto esteve em território inglês, colaborou com o Thin Lizzy na faixa “Baby Drives Me Crazy” do clássico “Live and Dangerous”.

 

 

Em 1978, finalmente o Huey Lewis and the News começaria a se formar do jeito que nós conhecemos em “Sports”. Huey e Sean deixaram a Clover e se juntaram aos membros de outra banda da Bay Area, a Sound Hole. Dela vieram Bill Gibson, Mario Cipollina e Johnny Cola. Com a nova formação, veio também um novo contrato com a Phonogram Records e um nome, digamos, intermediário:  Huey Lewis & the American Express. Finalmente, em 1979, o guitarrista Chris Hayes chegava para ser o sexto e último membro da banda – e nesse mesmo ano, passariam a adotar Huey Lewis and the News. O motivo da mudança do nome era simples: a nova gravadora da banda, Chrysalis Records, não estava interessada em ter problemas com a companhia de cartão de crédito.

 

 

Em 1980, a banda lançaria o seu primeiro disco de estúdio e homônimo. Em 1982, o segundo álbum intitulado “Picture This” já apresentava singles interessantes que alcançariam sucesso nas paradas – “Do You Believe in Love”, “Hope You Love Me Like You Say You Do” e “Workin’ for a Livin'”. “Picture This” também ficaria na parada da Billboard 200 por 35 semanas.

 

Mas é apenas no ano seguinte que finalmente viria o grande sucesso: “Sports”, uma obra elogiada até mesmo por Bob Dylan – e essa é uma história, no mínimo, curiosa. Huey contou à Rolling Stone que quando participou da gravação de “We Are The World” com a USA For Africa, acabou conhecendo Dylan. Lá, trocaram contatos e Huey recebeu até mesmo uma proposta de Dylan para que gravasse uma de suas músicas. Huey acabou não gravando e até hoje se arrepende. Mas o líder do The News conta que em uma dessas trocas, Dylan o enviou uma fita de Junior Parker junto a um bilhete gentil, afirmando que “Sports” era realmente um ótimo disco.

 

Como explicar o sucesso de “Sports”? Primeiro: Huey Lewis and the News foi realmente uma banda formada por talentosos e versáteis músicos. Um exemplo disso é o fato do álbum anterior, “Picture This”, ter sido produzido inteiramente pela banda, apenas com a ajuda do manager Bob Brown; sobre versatilidade, Huey e seus companheiros tinham uma bagagem musical que passava por um “Hey Nineteen” do exigente Steely Dan até o swing que se escutava nos anos 50. Em “Sports” eles souberam unir suas antigas influências com a nova sonoridade pop daquela época.

 

O álbum foi gravado na Fantasy Studios, Berkeley (Califónia); na Record Plant, Sausalito (Califórnia); e na The Automatt, São Francisco (Califórnia). Foi lançado pela Chrysalis e seguiu a lógica do disco predecessor, pois a banda tomou para si a responsabilidade da produção no novo trabalho, contando apenas com o apoio do engenheiro técnico e produtor musical Bill Szymczyk. O terceiro álbum conta com nove faixas de puro pop rock oitentista que flertam com elementos do blues, swing, soul e o melhor do rock’n’roll dos anos 50. Não foi por acaso que quando Spielberg, Zemeckis e Gale convocaram a banda de Huey Lewis para compor o tema de “De Volta Para o Futuro”, deram o recado: “Este é Marty McFly. Huey Lewis and the News é a sua banda preferida. Queremos alguma música que um jovem como Marty gostaria”. Disso, nasceu o hit “The Power of Love”. E sabemos bem que o grande ídolo de Marty era ninguém menos de Chuck Berry. Podemos presumir, então, que a banda liderada por Huey saberia fazer um rock’n’roll agitado para um adolescente fã de Chuck.

 

 

Faixa a Faixa

 

“The Heart Of Rock And Roll” –  Huey conta que a inspiração para a composição da letra veio da cidade de Cleveland. O vocalista disse à Rolling Stone certa vez que, como a banda era da agitada cidade de São Francisco, duvidava que um local como Cleveland poderia ser um lugar com uma energia rock’n’roll. O que o grupo não esperava era que fosse surpreendido. Em um dos shows na cidade, Huey sentiu a incrível participação do público e, olhando para o céu cinza de Cleveland após as suas apresentações, se conformou que o coração do rock’n’roll talvez morasse por lá mesmo.

 

“Heart And Soul” é o ponto alto de “Sports”. Escrita por Mike Chapman e Nicky Chinn, a segunda faixa possui lindas linhas de contrabaixo e um som estimulante de guitarra – além do toque dos teclados que demonstram o melhor do pop. Em “Heart And Soul”, os vocais de Huey são perfeitos que demonstram bem a sua voz inconfundível. Criativa, cativante e simpática, “Heart And Soul” é um dos maiores hits daquela época e permanece ainda hoje como uma música grudenda e, ao mesmo tempo, difícil de enjoar.

 

“Bad is Bad” segue como terceira canção. Essa música foi resgatada daquela época da Clover, mas, aqui, ela ganha novos arranjos em um blues pop muito encantador. É interessante comparar a nova versão de “Bad Is Bad” com a antiga para perceber como o grupo Huey Lewis and the News conseguiu unir as suas raízes com os novos sons que pintavam nos anos 80.

 

“I Want A New Drug”, que chega com um combate de guitarras e, mais uma vez, o teclado entrando em momentos decisivos, deixando a canção ainda mais atraente. Essa faixa ainda iria protagonizar uma disputa judicial no mundo da música: Ray Parker Jr. foi acusado de plágio de “I Want A New Drug” quando lançou a sua música-tema do filme “Os Caça Fantasmas”, em 1984. Huey Lewis e Ray Parker acabaram por fazer um acordo com o objetivo de resolver o problema e, até hoje, como parte desse acordo, Huey não pode mencionar o assunto publicamente.

 

“Walking On A Thin Line” vem com uma introdução com clima de suspense e fala sobre questões relacionadas ao estresse pós-guerra do Vietnã. Escrita por Andre Pessis e Kevin Wells (ambos da Clover), essa canção é considerada como uma das mais sérias que o Huey Lewis and the News já gravou. Em suas apresentações, Huey sempre dedicava essa música aos soldados que serviram na Guerra do Vietnã.

 

“Finally Found A Home” é um hino à independência. Escrita por Bob Brown, Chris Hayes e Huey Lewis, definitivamente era uma música que fazia os jovens daquela época sonharem com a liberdade e um mundo sem cobranças. Os versos seguem em rimas ingênuas que dão à canção uma grande facilidade de obter nosso afeto.

 

“If This Is It”, faz parte de um dos cinco singles de “Sports”. Essa canção tem uma melodia matadora e é também um dos pontos altos do disco. Foi lançada como o quarto single da banda e atingiu posições significantes tanto na parada americana como na inglesa. Outro fato marcante a ser citado é o videoclipe da canção, gravado em Santa Cruz (Califórnia). O vídeo traz a história do personagem de Huey tentando se reconciliar com a namorada. O mais interessante de revisitar esse videoclipe é perceber a facilidade do vocalista frente às câmeras e a sua simpatia que eram completamente naturais. Depois de “Sports”, Huey Lewis se tornou uma das figuras mais adoráveis dos Estados Unidos, atraindo a atenção de empresas como a Coca-Cola. Naquela época, o garoto propaganda da Pepsi era ninguém menos que Michael Jackson, e a Coca-Cola teve interesse em contratar Huey para promover o refrigerante. Huey Lewis não aceitou – e fez disto um de seus arrependimentos.

 

O videoclipe puro anos 80 da canção “If This Is It”

 

Ainda que o videoclipe de “If This Is It” seja um retrato clichê e superficial do pop oitentista daquela época, a canção tem a fórmula atraente para tocar assiduamente nas rádios – e, acreditem, até hoje toca.

 

“You Crack Me Up” e “Honk Tonk Blues” corroboram mais para a estética de arranjos explosivos e eufóricos que o álbum nos proporciona. A última canção, “Honk Tonk Blues”, é uma versão da música country do cantor Hank Williams. Mais uma vez, Huey e sua banda trazem à tona a sua bagagem de country da antiga Clover e dão uma nova aparência à música pop daquela época – fórmula que se reverberou em outras bandas que viriam.

 

Não é por acaso que Huey Lewis and the News se transformaram em uma nostalgia cool na nossa época. E a capa de “Sports” é um exemplo disso. A fotografia da capa é de autoria de Bennet Hall e traz a banda dentro do 2 AM Club, um bar popular em Mill Valley, Califórnia. Huey comentou recentemente em uma entrevista à Pitchfork que para dialogar com o nome do álbum, eles pensaram que a maneira perfeita das pessoas experenciarem esportes era dentro de um bar. Assim, surgiu uma das imagens mais emblemáticas da carreira da banda.

 

 

A foto traz detalhes curiosos, como a icônica toilet seat guitar pendurada na parte superior do bar, um instrumento inventado por Charlie Deal, figura muito querida e conhecida em Mill Valley. Charlie era um dos personagens mais idiossincráticos e conhecidos da região. Naturalmente, a referência na capa de “Sports” se tornou uma homenagem à cultura local de Mill Valley.

 

 

 

Também há uma televisão na capa, mais precisamente no fundo do cenário. Nela, há a figura de Dwight Clark protagonizando a sua famosa jogada, “The Catch”, pelo San Francisco 49ers. A icônica jogada de Clark ficou marcada em uma recepção para touchdown em que ele fizera em um passe do quarterback Joe Montana na NFC Championship Game, em janeiro de 1982, contra o Dallas Cowboys. A famosa “The Catch” foi responsável pelo 49ers vencer aquele jogo e ir para o seu primeiro Super Bowl.

 

 

Não era segredo que Huey e sua banda eram fãs da NFL e grandes torcedores do 49ers. Em “Sports”, acabaram por sinalizar a admiração pelo jogador que foi o wide receiver do time no período de 1979 a 1987, e que acabou sendo uma figura essencial para o 49ers conquistar dois Super Bowls na época. Também há um ótimo relato de Huey falando sobre a sua admiração por Dwight Clark:

 

Huey Lewis fala sobre Dwight Clark

 

 

O destino de Huey Lewis and the News com um álbum tão sensacional nas mãos não foi outro: em 29 de junho de 1984, “Sports” alcançou a posição número 1 na Billboard 200. O disco capturou uma fama internacional, com certificado platina por sete vezes pela RIAA. Gerou quatro sucessos no top 10 da Billboard Hot 100 e todos os seus cinco singles (“Heart and Soul”, “I Want a New Drug”, “The Heart of Rock & Roll”, “If This Is It” e “Walking on a Thin Line”) alcançaram o top 40 em diversos países. Os The News estavam a todo vapor e “Sports” também preparou a banda para a sua explosão em 1985 com “The Power of Love”, música-tema de “De Volta Pro Futuro”, e mais um grande sucesso com o disco sucessor, “Fore!”, em 1986.

 

Quase trinta e sete anos depois, “Sports” consegue passar no teste de um dos álbuns mais cools, interessantes e cativantes dos anos 80. Não é difícil perceber o motivo de ainda hoje o Huey Lewis and the News permanecer como uma banda com fãs ao redor do mundo usando suas camisetas e vibrando com as canções que tanto gostamos. “Sports” continua como um disco encantador, com as suas letras atrevidas e sua sonoridade enérgica. É o álbum que nos faz concordar até mesmo com um psicopata como Patrick Bateman quando ele diz que com “Sports”, o The News encontrou o seu verdadeiro caminho. Melhor do que qualquer observação, o terceiro e grande disco de Huey e o The News segue com a fórmula perfeita de como tocar – e aqui, peço o empréstimo da faixa “Heart and Soul” – o coração e alma de qualquer ouvinte.

 

Maisa Carvalho

Maísa Mendes de Carvalho é piauiense com toques paulistas, advogada, criadora e apresentadora do Distorção Podcast, amante das artes humanas e apaixonada por música.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *