Beabadoobee: A Pequena Musa da Geração Z

 

 

 

 

beabadoobee – Beatopia
(Dirty Hit)
46′, 14 faixas

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

 

Eu estava ouvindo “Beatopia”, o novo álbum da beabadoobee (nome artístico de Beatrice Kristi Laus), como se fosse apenas mais um trabalho de uma artista novíssima. Pop cheio de influências, efeitos, referências e devidamente comprimido para caber no tempo curto disponível para a música hoje em dia. Daí, lá pelo meio do percurso das 14 canções presentes em “Beatopia”, dei de cara com “Ripples”, a quinta faixa. Uma introdução de cordas abre espaço para um tom melancólico, genuinamente sentido, que vai sendo envolvido por violões dedilhados e uma voz frágil, quase sussurrada, arremessa toneladas de emoção nos fones de ouvido. Parei o que estava fazendo e ouvi com muito mais atenção do que o normal. O arranjo, o tom, a resignação, tudo era tão bonito que retornei para o começo e reiniciei a audição. Daí pude perceber a lindeza que já passara até então, num trabalho realmente impressionante. Certamente isso não era obra do acaso.

 

 

“Beatopia” é apenas mais um passo numa carreira que se iniciou em 2017. Beatrice é mais uma das vítimas do preconceito em relação aos diferentes. Ela, filipina de nascimento, foi morar em Londres com os pais aos três anos de idade. Lá sofreu os bullyings de praxe por ser de uma cultura diferente, teve depressão, se isolou de tudo e todos e só começou a melhorar e aflorar quando ganhou um violão do pai. Daí para o surgimento de uma das mais talentosas cantoras e compositoras de sua geração, não demorou muito. Após aprender a tocar vendo tutoriais do Youtube, a menina se encantou pela trilha sonora do filme “Juno”, especialmente pelo trabalho da cantora e compositora Kimya Dawson. A partir daí, Bea foi conhecendo a música dos anos anteriores, mergulhando num pop rock alternativo, se apaixonando por Yeah Yeah Yeah’s, Daniel Johnston e Pavement. Logo estava escrevendo a primeira canção, “Coffee”, que ganhou a atenção da Dirty Hit Records após chegar a mais de 300 mil visualizações no Youtube. Em 2018, beabadobee lançou dois EPs, que a colocaram na lista das artistas mais promissoras do ano, entabulando mais dois em 2019, que a fizeram embarcar em turnê.

 

 

Foi em 2020 que ela estourou ainda mais, quando um sample de “Coffee”, foi inserido na canção “death bed”, do rapper canadense Powfu. Este fato levou a canção a viralizar no Tik Tok, causando um número de mais de um bilhão de streamings para a canção. O timing foi perfeito e o lançamento do primeiro álbum, “Fake It Flowers” veio em outubro de 2020, já em plena pandemia da covid-19. Tal maturação rápida pode ser sentida nas canções de “Beatopia”, num processo impressionante de evolução artística. Usando essa matriz de pop rock da virada dos anos 1990/2000, bem como Beatles e Elliott Smith como pontos de partida, a música da menina é poderosa e, como dissemos no início do texto, tornou-se impressionantemente robusta. Se a gente mencionou “Ripples” como uma faixa de destaque no álbum, o que dizer da beleza bossanovística que é “The Perfect Pair”? Novamente com um acompanhamento belo e cheio de violões, a voz de Bea vai percorrendo um arranjo que revela talento e muito senso do que está sendo feito.

 

 

O restante do álbum é pura felicidade melódica. “Broken CD”, por exemplo, é uma belíssima incursão pelo campo do latin/lounge, com uma elegância impressionante, em meio a um arranjo cheio de delicadezas acústicas e percussões que surgem no subterrâneo. O rock alternativo reinterpretado surge na ótima “10:36”, que é uma mistura de Veruca Salt, Belly e Cardigans, tudo numa embalagem muito convincente e perfeitinha. “Talk” é outra lindeza sônica, inserida também no parâmetro das bandas de rock feminino noventistas com muita honra, cheia de guitarristas e vocais adocicados. E outras duas faixas também se destacam quando chegamos mais para o fim do álbum. “Fairy Song”, como o nome já diz, é uma fofura sutil e colorida, abrindo espaço para a sensacional “Tinkerbell Is Overrated”, que faz uma batida drum’n’bass soar moderna e instigante em pleno 2022, em meio a um redemoinho acústico e doce.

 

 

Pode anotar na sua caderneta: beabadoobee é uma das mais interessantes artistas sonoras em atividade. Ela está nos festivais lá fora, dando shows, se aprimorando, maturando e fez um dos melhores discos de 2022. Uma pequena força da natureza.

 

Ouça primeiro: “Tinkerbell Is Overrated”, “Ripples”, “10:36”, “Broken CD”, “The Perfect Pair”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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