Shoegaze e lo-fi coabitam o novo do Mild Orange

 

 

 

Mild Orange – Looking For Space

Gênero: Dreampop, shoegaze

Duração: 46:44 min
Faixas: 11
Produção: Josh Mehrtens
Gravadora: Mild Orange

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

O tempo passa, a gente envelhece e poucas sensações permanecem tão legais quanto descobrir uma banda, um disco, uma canção. E mesmo que a gente trabalhe com música, escreva sobre música e ouça música o tempo todo, o sorriso surge quando uma banda excelente como o Mild Orange dá as caras. O terceiro álbum dos sujeitos, “Looking For Space”, é daqueles momentos na carreira de um artista em que se tenta um salto mais alto. No caso deste quarteto neozelandês, isto significa gravar em estúdio profissional, com mais preocupações e minúcias que os antecessores, todos registrados em quartos e engenhocas amadoras. Tudo bem, é estilo, a gente sabe. Só que o lo-fi ou o bedroom pop, rótulos que descrevem sonoridades captadas desta forma improvisada quase intencionalmente, não dava mais conta da sonoridade do Mild Orange, que evoluiu e se tornou enorme, daquelas que pretendem maiores que a vida. Guitarras, teclados, arranjos que partem do shoegaze e do dreampop, aquelas variações do rock alternativo que buscam arranjos contemplativos, intensos e melancólicos, enquanto as melodias oferecem várias possibilidades de links com obras pregressas do pop, do rock e de um monte de coisas familiares. Tem mais isso: ouvir o Mild Orange tem certo clima de déjá vu, de estarmos em terreno conhecido e isso é bom.

 

O Mild Orange é um quarteto formado por Josh Mehrtens (vocais, guitarras, produção), Josh Reid (guitarra), Tom Kelk (baixo) and Jack Ferguson (bateria), que se encontraram na faculdade e decidiram, graças às preferências sonoras compartilhadas, formar uma banda. A partir daí, os caras se enfiaram em estúdios caseiros, minúsculos e começaram a produzir seus discos. Os dois primeiros – “Foreplay” (2018) e “Mild Orange” (2020) – fizeram a banda grande nos mercados neozelandês e australiano, com respingos nas audiências inglesas por conta da belezura de sonoridade que os quatro foram capazes de fazer. Este novo trabalho, concebido e produzido durante a pandemia, é a demanda natural tanto da banda quanto do público, pelo maior alcance e fluência da sonoridade do Mild Orange. Só para termos uma ideia, desde o fim de janeiro, a banda está em turnê. Começou em Estocolmo, na Suécia. Depois passou por Espanha, França, Holanda, Suiça, Áustria, Hungria, Polônia, Alemanha e Dinamarca, terminando em Londres. Agora os caras cruzam o Atlântico para vários shows nos Estados Unidos, México e Canadá até março. Depois, em setembro, parte para uma nova perna europeia. Nada mau, né?

 

O que surpreende no mix de influências que o Mild Orange apresenta é a recorrência a bandas que ressignificam o tal shoegaze, seja no passado – como o Cocteau Twins, por exemplo, cujas guitarras estão presentes por aqui em vários cantos – , seja no presente – como o Beach House, que empresta timbres e arranjos mais relaxados e menos complexos para climas tristes e sonhadores. Também há pitadas de Real Estate e Echo And The Bunnymen, fazendo a ponte com o cinza litorâneo primordial. As melodias que o grupo oferece são muito acima da média. Tudo por aqui tem um elemento pop quase irresistível, que pode vir mais ou menos soterrado em guitarras e estruturas que nunca são óbvias. O resultado é sempre bom, com canções que não são banais, porém são convidativas para o cantarolar sem qualquer contraindicação. O cartão de visita surge logo na segunda faixa, “F.E.A.R”, que tem um andamento levemente dançante e totalmente afeito a cantorias mil. É a tristeza imersa na alegria ou vice-versa, dependendo do gosto do ouvinte. A partir dela, tudo é praticamente perfeito, com algumas canções arriscando durações mais elevadas – perto dos cinco, seis minutos – e outras mantendo o patamar radiofônico normal.

 

“The Time Of Our Lives” chega a ter arranjo meio tecnopop de bateria sintetizada e tecladinhos fofinhos por todos os cantos, que adornam uma baita melodia bacana. “This Kinda Day” é o oposto extremo, uma viagem chuvosa sob céus cinzentos e arrependidos, mas com doses marcantes de belezura vocal e guitarrística, que elevam o espírito enquanto dá pra questionar o sentido da vida. “Oh Yeah” é mais noventista e preguiçosa, “Aurora”, por sua vez, é quase uma mistura de Waterboys com Beach House, algo que eu jamais poderia imaginar possível, mas que aconteceu. Outras duas gemas, “Hollywood Dreams” e “Music.” preparam o ouvinte para a chegada de um épico final, “Photographics”, que não dura tanto quanto as faixas de encerramento mais usuais, mas que consegue captar a essência do álbum e suas nuances. As vozes, as guitarras, as progressões, está tudo condensado aqui.

 

Este terceiro álbum do Mild Orange certamente levará a banda para maiores audiências e a tornará mais e mais conhecida. É um disco bonito, bem produzido e que traduz essa mutação do rock alternativo via shoegaze e lo-fi. Dá certo e já há várias bandas bacanas por aí. O Mild Orange chega pra assumir firmemente um lugar entre elas. Ouça e ame.

 

Ouça primeiro: “Aurora”, “F.E.A.R”, “This Kinda Day”, “What’s Your Fire?”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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