Spoon: uma das bandas mais legais em atividade

 

 

Spoon – Lucifer On The Sofa

Gênero: Rock alternativo

Duração: 38:33 min
Faixas: 10
Produção: Spoon, Mark Rankin, Dave Fridmann, Justin Raisen
Gravadora: Matador

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

Poucas vezes sinto a passagem do tempo tão evidente quanto quando ouço álbuns de bandas alternativas noventistas, hoje com quase 30 anos de carreira. O Spoon é um desses casos, tendo iniciado sua trajetória lá nos meados dos anos 1990 e feito sucesso com discos maravilhosos no início da década seguinte, caso explícito da dobradinha “Girls Can Tell” (2001) e “Kill The Moonlight” (2002). O som dos texanos era, ao mesmo tempo, devedor do rock oitentista anglo-americano, no sentido Elvis Costello/The Cars do termo e inovador, com um frescor de novidade e exuberância notável. E, bem, como iniciou sua carreira em 1996, o Spoon já vai pros seus 26 anos de vida e podemos atestar que os sujeitos jamais tiraram o pé do acelerador, sendo uma dessas bandas sem disco ruim na carreira. Claro que houve oscilações nesta trajetória, mudanças de inspiração e novidades, como, por exemplo, o trabalho anterior a “Lucifer On The Sofa”, “Hot Thoughts”, de 2017, no qual Jim Eno, Britt Daniel e seus acompanhantes sonoros abriram espaço para influências mais dançantes e coloridas em seu rockão, com ótimos resultados. Mas, de volta para o presente, “Lucifer…” não é o tipo de disco que abre concessão alguma. É o mesmo rockão que o Spoon vem fazendo com brilhantismo e tem muito a ver com seu momento dourado, lá do início dos anos 2000.

 

O que é mais bacana neste novo álbum é que ele parece gravado por uma banda iniciante. Tem o frescor e o tesão de gente que está com fome de bola, de ganhar tudo, conquistar o mundo. O clima é contagiante, as melodias são todas – sem exceção – próximas da perfeição e os arranjos não abrem espaço além de baixo-bateria-guitarras, com um teclado aqui, um naipe de metais ali e nada mais. É tudo muito bem pensado e executado, com um conceito bem simples e legal, que já começa no título. Britt Daniel comentou que este é um álbum de resistência à procrastinação e à autoindulgência que vieram com o isolamento social. Aquela coisa de ficar com pena de si mesmo, reclamando da vida e atitudes que acabam favorecendo a letargia. Dá pra notar que a banda está dando um sacode na pasmaceira e fazendo o seu melhor e a gente fica pensando como um formato já tão usado e abusado como o rock ainda é capaz de fornecer inspiração e espaço para um set de canções tão redondas como estas dez. Não há desperdício, não há tempo gasto com bobagem, tudo vai direto ao assunto.

 

 

Se o Spoon mantém essa pegada em que Elvis Costello, The Cars e artistas similares fornecem a base para sua visão musical, é possível notar que há detalhes interessantes ao longo das canções que permitem novas influências dentro deste espectro roqueiro sem muitas concessões Por exemplo, na matadora segunda faixa, “The Hardest Cut”, invocadíssima e cheia de guitarras barulhentas, é possível – pasme – fazer alguma conexão com as guitarras e as barbas do ZZ Top. Em duas faixas é possível ver como o Spoon também é hábil com as baladas, algo que considero essencial para qualquer bom artista de rock. “My Babe” é uma lindeza de ares mccartneyanos, uma coisa maravilhosa que não se perde em arranjos melados, pelo contrário, enverga guitarras e vocais com sangue e alma, dando provas de vida e inspiração. “Astral Jacket”, por sua vez, é mais doce e branda, nem um milímetro menos relevante, com uma suavidade sofrida e sentida em um arranjo de violões que se misturam a guitarras e percussões, algo singelo que dá gosto de ouvir.

 

“The Devil And Mrs Jones”, não exatamente uma balada, mas uma canção em midtempo, há espaço para influências de Elton John oitentista, Fleetwood Mac e outros bichos de outras épocas, devidamente reprocessados para a modernidade e muito bem incorporados. “Wild” seria hit radiofônico mundial se ainda existisse este tipo de categorização, tamanha sua perfeição melódica e o uso de pianos e inflexões que lembram alguma canção dos Stones que eles nunca gravaram. “On The Radio” é inundada por cascatas de pianos rock’n’roll à toda prova, enquanto “Satellite” é um flerte com a estética beatle do início dos anos 1960, muito bem disfarçado sob guitarras e vocais menos doces, mas a estrutura e a belezura da canção é totalmente devedora do que fizeram Paul e John no passado distante. E a faixa-título, que encerra o álbum, é novo aceno a um rock oitentista durinho e tenaz, mas com a doçura de uma faixa pop de Huey Lewis And The News ou Hall & Oates. Lindeza total.

 

 

“Lucifer On The Sofa” é um discaço-aço-aço. Todo ele é perfeitinho, bem arranjado, um verdadeiro brinco de ouro da princesa. Deve ser ouvido, apreciado e passado adiante, para que o maior número possível de pessoas pouse seus ouvidos cansados sobre estas lindezas contidas aqui. Não tem erro, gente, vão na boa.

 

 

Ouça primeiro: “Satellite”, “My Babe”, “The Hardest Cut”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “Spoon: uma das bandas mais legais em atividade

  • 19 de fevereiro de 2022 em 00:06
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    Discaco-aco-aco, gostei!

    Excelente dica, só conhecia de ouvir falar, vou em busca dos outros discos citados.

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