Pocket Full Of Kryptonite (1991), o álbum da vida dos Spin Doctors

 

 

Este texto foi publicado por meu amigo Fabian Chacur em seu blog Mondo Pop. Ficou tão bacana que eu pedi a ele autorização para postá-lo aqui na Célula. Fabian é fã dos Spin Doctors, tem a discografia quase completa e resolveu fazer justiça aos 30 anos de “Poclet Full of Kryptonite”,  primeiro disco dos SD, sucesso mundial em 1991,  clamorosamente esquecido hoje. Em março de 2020, eu também escrevi um texto sobre essa condição injusta do álbum (link aqui) e acho que é uma boa leitura, junto com esse texto ótimo do mestre Fabian. Ouçam o disco, gente.

 

 

 

No fim dos anos 1980, surgiu na região de Nova York uma cena de grupos de rock apelidada de jam bands. Eram formações claramente inspiradas no rock psicodélico dos idos de 1967, tipo Grateful Dead, Jimi Hendrix e Jefferson Airplane, com uma pegada um pouco mais pop, mas ainda assim investindo nos improvisos ao vivo. Desse universo musical, aflorou como ponta de lança o Spin Doctors, cujo álbum Pocket Full Of Kryptonite (1991) completa 30 anos de lançamento neste mês de agosto. Um grande sucesso que surgiu graças a muito talento, garra e persistência.

 

Tudo começou em 1988 quando Chris Barron (vocal) resolveu montar uma banda com dois colegas da New School College de Nova York, Erik Schenkman (guitarra, único canadense deste grupo americano) e Aaron Comess (baixo). Pouco depois, Mark White (baixo) completou o time. Enquanto faziam shows em bares, o grupo gravou duas fitas-demo que vendiam nos shows, e através delas atraíram a atenção do produtor Frankie La Rocka (1954-2005), que os levou para a Epic Records, selo do conglomerado Sony Music.

 

Inicialmente, foi lançado em janeiro de 1991 o EP Up For Grabs. O álbum completo viria em agosto daquele ano. O material foi selecionado a partir do vasto repertório autoral que a banda tocava em seus shows, com versões mais bem concisas (em termos de arranjos) de músicas que já eram bem legais nos formatos demo, como podemos conferir na edição comemorativa dos 20 anos de Pocket Full Of Kryptonite lançada em 2011, que traz em um CD bônus essas faixas em suas gravações prévias.

 

Quando chegou às lojas, o álbum de estreia do quarteto veio no melhor esquema “devagar e sempre”. Foram longos meses durante os quais as vendas não entusiasmavam a ninguém. No entanto, Chris Barron e sua turma não desanimavam, e seus shows foram aos poucos ganhando mais e mais público. Em setembro de 1992, enfim atingiram o disco de ouro nos EUA, com mais de 500 mil cópias vendidas. Em 10 de outubro, participaram do mitológico programa de TV Saturday Night Live, e a partir daí a porteira abriu de vez.

 

Provavelmente, a Sony estava se fartando de ganhar dinheiro com os álbuns de estreia dos grupos Pearl Jam e Alice In Chains, lançados na mesma época, e não deu muita bola para os Spin Doctors. Quando percebeu o erro, reagiu e lançou em outubro de 1992 no formato single Little Miss Can’t Be Wrong, que atingiu o 17º lugar nos EUA e o 23º lugar no Reino Unido. A seguir, foi a vez de Two Princes, com resultados ainda melhores, nº 7 nos EUA e nº 3 no Reino Unido. As duas com videoclipes bem legais. Dessa forma, a Spin mania tornava-se real.

 

O disco de platina para Pocket…, marca de mais de um milhão de cópias comercializadas nos EUA, veio em janeiro de 1993. Em junho, essa marca já havia triplicado. No fim das contas, o álbum ultrapassou os 10 milhões de álbuns comercializados em todo o mundo, sendo metade deles em território americano.

 

Tudo bem, falei muito de números e mais números. Mas e a qualidade musical? Ai é que a coisa melhora. Trata-se de um disco de rock simples e sensacional, daqueles bons de se ouvir de ponta a ponta, e que vai além de seus hits matadores. A forma melódica e quase falada do canto de Barron se encaixou feito luva nos riffs de guitarra potentes, bases ritmadas e solos ora virulentos, ora a la George Harrison de Schenkman, enquanto a cozinha rítmica de White e Comess encarava todas as curvas e retas do som deles.

 

 

Mas creio que aqui caiba uma análise faixa a faixa. Vamos a ela

 

 

Jimmy Olsen’s Blues (Spin Doctors)

Com um riff de abertura matador, a música tem uma letra divertidíssima, na qual Jimmy Olsen, o repórter pobretão do Planeta Diário, tenta xavecar Lois Lane, a eterna namorada do Super Homem, dizendo que ele não só é melhor do que o fortão, como de quebra ainda tem o “bolso cheio de kriptonita”, a única substância capaz de deter o cara. Aliás, eis a origem do título do álbum. A capa do CD mostra uma cabine de telefone do tipo em que o Super Man trocava de roupa e saía com o seu uniforme de super herói. Uma faixa vibrante, swingada, perfeita para abrir um disco. Vale citar sutis passagens rítmicas aqui e ali típicas da música pop africana.

 

 

What Time Is It? (Spin Doctors)

Essa saiu de um improviso feito pelo grupo às 4h30 da madrugada em um show em uma irmandade universitária. Funkeada, envolvente e viajandona, aumenta bastante de duração nos shows. Vale sempre destacar o entrosamento da cozinha rítmica, sempre precisa e repleta de jogo de cintura e grooves.

 

 

Little Miss Can’t Be Wrong (Spin Doctors)

Rock desencanado e dançante que soa como uma espécie de mescla entre os estilos de Huey Lewis & The News e Steve Miller. A faixa que desencadeou o estouro deste álbum. Houve quem considerasse na época a letra sexista, mas creio que seja um excesso de zelo exagerado, pois a banda nem tem esse perfil.

 

 

Forty Or Fifty (Spin Doctors)

Chega o momento de respirar um pouco. Com elementos de blues, r&b e até de bossa nova, cria um clima gostoso e envolvente, com uma letra meio hippie e romântica a la anos 1960.

 

 

Refrigerator Car (Spin Doctors)

Depois da respirada, outra porrada das boas. Rockão pesado, hard mesmo, um dos vários momentos dos quais a influência de Jimi Hendrix, uma das mais importantes no som dos Doctors, vem à tona neste álbum. Pra chacoalhar a cabeça sem dó!

 

 

More Than She Knows (E.Schenkman- S.Lambert-G.Clark-J.Fitting)

Rock acelerado e pra cima, com um belo solo de harmônica de John Popper, líder da banda Blues Traveller, outra da cena jam bands que se deu bem. Por sinal, ele, Barron e Schenkman tiveram uma banda paralela, a Trucking Company, que acabou quando o Blues Traveller começou a decolar.

 

 

Two Princes (Spin Doctors)

Com sua batida irresistível e concisão absurda, Two Princes se tornou o cartão definitivo de visitas dos Spin Doctors, prova cabal de que uma autêntica banda de rock pode ser pop ser perder sua verdadeira essência.

 

 

Off My Line (Erik Schenkman- J.Bell- Spin Doctors)

Aqui, no momento mais hendrixiano do álbum, Erik Schenkman assume o vocal principal, em um rock pesado com um riff poderoso e energia suficiente para sacudir a todos.

 

 

How Could You Want Him (When You Know You Could Have Me?) (Spin Doctors)

Rock funkeado com influências da música africana, em cuja letra surge aquele questionamento clássico em todo cara apaixonado por uma mulher e não correspondido: “por que você quer ele se você pode ter a mim?” Respostas para a redação!

 

 

Shinbone Alley (Spin Doctors)/ Hard To Exist (C.Barron- E.Schenkman-John Popper-A.Comess)

Como forma de trazer para o disco ao menos uma faixa com o clima dos shows, o grupo optou por reunir essas duas composições em pot-pourry e sem medo de improvisar, passando, dessa forma, dos 10 minutos de duração. Baita de uma jam, com direito a muito groove, energia e solos bacanas. Um fim perfeito para um álbum marcante.

 

 

 

Texto originalmente publicado no Mondo Bacana – link aqui

Fabian Chacur

Faban Chacur é crítico e jornalista especializado em música desde 1985, mas, acima de tudo, um apaixonado pelo tema. Edita o o ótimo http://www.mondopop.net/

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