Treze músicas para guardar – Paralamas do Sucesso
A live dos Paralamas do Sucesso, transmitida no sábado, dia 29 de agosto, teve um efeito bastante positivo nos fãs. O número de visualizações dela já ultrapassou 590 mil e segue crescendo. Barone, Bi e Herbert, mais João Fera, Monteiro Jr e Bidu Cordeiro ofereceram mais de duas horas e meia de show real, com mais de trinta músicas no roteiro e no bis. A ideia era colocar pra jogo aquilo que a banda acha seus maiores clássicos, usando o critério de público e execução das canções ao longo do tempo, cobrindo desde o mais recente trabalho, “Sinais do Sim” (2017) até “Cinema Mudo”, do longínquo ano de 1983.
Uma banda com 37 anos de carreira tem vários clássicos e várias categorias de clássicos. Com base nesta amplitude de conceitos, levando em conta os treze espaços para as listas que a Célula Pop oferece, aqui vão os TREZE CLÁSSICOS dos Paralamas do Sucesso. Os critérios? Músicas conhecidas na maioria das vezes, mas com um tempero aqui e ali de, pelo menos, duas faixas menos badaladas, que podem fazer a diferença.
Vejam, concordem, discordem etc e tal.
13 – Melô do Marinheiro/Marujo Dub – faixa de “Selvagem?”, com partes cantadas por João Barone e Bi Ribeiro e um clima de festa. Há citação de “Marinheiro Só” e uma levada reggae inequívoca. Vários efeitos – apitos, vocais – conduzem a melodia que fala de um marujo descuidado que não imaginou que poderia viajar pelo mundo sem dar nada em troca. Logo em seguida vem uma parte “dub”, chamada “Marujo Dub”, que mostra o quanto os Paralamas estavam ligados na arte dos efeitos de estúdio, típica da música jamaicana.
12 – Trac Trac – versão para uma canção de Fito Paez, lançada em 1987, no disco “Cuidad de Pobres Corazones”. O arranjo original é totalmente imerso em teclados e programações eletrônicas. Os Paralamas refizeram o arranjo completamente, dando céu azul e amplitude à melodia. A letra é sensacional, bastante fiel ao original de Fito, que participa da gravação. “Trac Trac” é um marco das incursões dos Paralamas no mercado latino, especialmente o argentino. Faixa do subestimado “Os Grãos”, de 1991.
11 – A Novidade – parceria de Herbert com Gilberto Gil, cuja letra foi ditada por este ao telefone, já nos últimos momentos de gravação de “Selvagem?”. A canção fala das dualidades entre arte e sobrevivência e se tornou grande sucesso na voz de Gil, quando ele registrou seu “Acústico MTV”, em 1994. O clipe de “A Novidade” trazia a banda na barca que liga o Rio a Niterói, interagindo com os passageiros.
10 – Lourinha Bombril – outra versão, dessa vez para “Parate y Mira”, da banda argentina Los Pericos. Herbert transformou a letra e fez um pequeno tratado sobre a globalização, aplicada à beleza da mulher e a outras questões. O arranjo mantém a estrutura do original, mas dá ênfase maior à melodia, abrindo espaço para intervenções de metais e percussão. Um clássico dançante com versos maravilhosos como “caboclo presidente trazendo a solução, livro pra comida, prato pra educação”. De “Nove Luas”, lançado em 1996.
09 – Navegar Impreciso – um pequeno tesouro escondido em “Severino”, de 1994. Com participação de Tom Zé e Linton Kwesi Johnson, esta canção é um ajuste de contas entre Brasil e Portugal sob o signo da globalização e da nova ordem mundial dos anos 1990 neoliberais. O arranjo que está em “Severino” é mais voltado para o reggae, mas a banda refez totalmente a estrutura da canção em seu “Acústico MTV”, de 1999, saindo-se com uma versão soul/funk dinâmica e igualmente sensacional.
08 – Uns Dias – faixa que antecipou o lançamento de “Bora Bora” (1988), disco subestimadíssimo, que marca a virada afro-caribenha da banda, dentro de uma lógica de exploração dos ritmos negros. “Uns Dias” é uma das faixas mais “rock” dentro do álbum, com arranjo interessantíssimo, melodia angular e andamento anti-pop, mas que tocou bastante nas rádios. Na época, a banda costumava emendar versos de “With Or Without You”, do U2, nas apresentações ao vivo. E ainda tem o verso: “eu tive fora uns dias, eu te odiei uns dias, eu quis te matar”, algo que não se ouve com frequência em canções de amor.
07 – Óculos – faixa de abertura de “O Passo do Lui” e um dos maiores hits do verão de 1984. Foi – e talvez ainda seja – a canção mais popular dos Paralamas. Quem é mais velhusco há de lembrar do clipe com a banda num estúdio, croma-key azul e algumas palmeiras de papelão. A letra traz o dilema de quem é chamado de “quatro olhos” por boa parte da vida, misturando humor e questionando a superficialidade estética que despreza os portadores de óculos ao longo dos tempos. Destaque absoluto para a bateria policeana de João Barone e para a excelente produção de Marcelo Sussekind.
06 – Selvagem – faixa-título do terceiro e irrepreensível disco da banda. É uma canção sem refrão, calcada num riff pesado de guitarra e com letra que mostra vários pontos de vista – da polícia, dos negros, da cidade e do governo – antecipando o caos político-social que vivemos e a injustiça em relação às comunidades e ao povo negro. Se “Selvagem?” (1986), o disco, é um abraço às influências negras na música e na cultura brasileiros, a canção é a síntese de como somos maus e injustos em relação a estas mesmas influências. Um clássico superlativo.
05 – Dois Elefantes – os Paralamas têm muitas canções de amor mas talvez esta seja a que mais consegue captar a improbabilidade deste sentimento acontecer. Com um arranjo mais pop do que reggae, a gravação tem andamento em midtempo e uma das melhores letras que Herbert já escreveu. Ela está escondida em “Bora Bora” (1988) e permanece como um “deep cut” da banda. Versos como “meu rosto e teu rosto rindo, dois elefantes no fundo do mar” e “alguém te viu rindo, eu tava longe, um elefante pra lá e outro pra cá” dão o tom da melancolia presente por aqui. A produção de Carlos Savalla é ótima e temos aqui um dos grandes solos de Herbert pontuando a canção. Marina Lima também gravou “Dois Elefantes” em 1989.
04 – Alagados – a grande canção de “Selvagem?” (1986), com arranjo que traz tamborins e participação vocal de Gilberto Gil. Lembro das pessoas dizendo que “Alagados” não era rock, mas uma “modinha de viola” dos Paralamas e outros absurdos pouco esclarecidos e tristemente típicos da mídia brasileira. A faixa é um acerto no alvo, seja em seu andamento cheio de guitarras highlife africanas, seja na letra maravilhosa, seja na mágica união de três pontos do triângulo da diáspora negra: Favela da Maré, Trechtown e Alagados. Um clássico com ph de farmácia.
03 – Meu Erro – outro colosso de “O Passo do Lui”, clássico absoluto de 1984/85, coroação total da primeira fase da banda, na qual ela ainda se detinha nas crônicas de amor e comportamento de jovens da zona sul carioca. A letra, a linha de baixo, a bateria, tudo é absolutamente perfeito. A versão do “Acústico MTV” traz Zizi Possi dando novas luzes para a canção, mas o original, velho de guerra, é imbatível e a banda não pode pensar em dar um show sem apresentá-la.
02 – Vital e sua Moto – o primeiro single, uma espécie de declaração de intenções e relato das dificuldades da banda em conseguir lugar para tocar. Acima de tudo, “Vital” é uma homenagem ao primeiro baterista do grupo, que foi substituído por João Barone pouco antes dos Paralamas começarem a taxiar na pista para decolar. Ainda que os próprios não gostem das gravações de “Cinema Mudo”, seu primeiro disco, de 1983, a canção segue como um clássico e tem a propriedade de me levar, sem escalas, para o meu colégio naquele tempo.
01 – Mensagem de Amor – meu clássico absoluto da banda é este. Outra faixa de “O Passo do Lui” (1984), beneficiada pelo excelente som que o álbum tem, com letra dilacerante sobre a distância e o esforço para materializar o amor, esta canção é absolutamente perfeita. “Do muito que eu li, do pouco que eu sei, nada me resta” é o verso que mede o desespero diante daquela situação em que não é possível evitar o sentimento, mesmo que ele faça doer. Lembro de entrevistar Ed Motta para a Rolling Stone Brasil há alguns anos e ele mencionar o solo desta canção como um dos mais belos de todo o rock nacional dos anos 1980. Ed, meticuloso que é, sabia do que falava. O solo que Herbert faz nos 55 segundos finais desta canção é o melhor que ele já gravou.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Parabéns pelo belissimo artigo e pela lista. Tenho poucas sugestões: talvez “Uma Brasileira” seja mais representativa como o grande sucesso da banda nos anos 90 do que “Loirinha Bombril”? “Navegar Impreciso” é sensacional, mas talvez “Dos Margaritas” tenha mais peso de “clássico” para representar Severino. De resto, lista irretocável. Várias preferências pessoas (“Não adianta”, “Ah Maria”, “Outra Beleza”, “Um Pequeno Imprevisto”, “Um dia em Provença”, “Santorini Blues”) nunca caberiam em uma seleção das 13 grandes músicas desse banda especial. Como sugestão: que tal uma pequena seleção dos destaques dos 4 álbuns mais recentes, que não tiveram tanto destaque na mídia?
Ótima sugestão, vamos pensar aqui. Obrigado pelo carinho.
Ótimas escolhas, mas eu adoro Dos Margaritas, a versão ao vivo do Vamo batê lata tem um peso e força…
Vital gosto da versão sem o “refrão gravadora”, aliás a carreira dos Paralamas deveria começar do compacto para O Passo do Lui. Cinema Mudo não dá!
Arriscando as “dez mais” aqui – algumas, com comentários:
1) Selvagem (a música que ainda me impacta, pelo peso que tem, em letra e música – ali Bi e Barone provam porque são os grandes de seus instrumentos em sua geração)
2) Alagados
3) Meu erro
4) Quase um segundo (“É preciso ter muita coragem pra deixar na reta como o Herbert”, disse Renato Russo)
5) O Calibre (algo pós-acidente a lista precisava ter – e é a letra mais simbólica que Herbert poderia cantar para marcar a volta, mesmo que feita antes do desastre)
6) Perplexo
7) Pólvora
8) Lourinha Bombril (o símbolo da capacidade da banda para ser pop-todo-mundo-canta-junto)
9) O Rio Severino
10) Vai valer (agradável sinal de maturidade)
E fica uma dica de pensata para o site: o que diabos os Paralamas do Sucesso têm que outras bandas da geração não têm? Por quê eles “escapam” das críticas e revisionismos cada vez mais acerbos que a “geração 80” tem sofrido? Por quê não se vê ninguém falando “já deviam ter acabado” como se fala, vá lá, dos Titãs?
Rapaz, eu acho que é porque eles abdicaram do rock – como estilo único – já no terceiro disco. E porque sempre foram excelentes músicos, com talento que vai muito além do rock. Daí, mesmo que pertençam a uma geração – a dos anos 1980 – eles conseguem ficar acima do resto, entende. Basta comparar com as outras duas grandes bandas da época, – Titãs e Legião – para ver como é fácil escolher a melhor.
Obrigado pelo ótimo Top 10.
Por essa visão, faz sentido. Por outra, acho que todas essas bandas, e mais algumas poderiam ser consideradas “as melhores da geração” no meio da refrega (virada dos anos 1980/1990): os Titãs lançaram quatro discos históricos e se notabilizavam como oito pessoas de inteligência atraente (talvez pretensiosa demais, mas atraente), enquanto a Legião, se penava em qualidade musical, tinha um sujeito que “vencia a tudo” – citando o lema da banda – para se destacar, para virar um dos grandes símbolos daquela década na música do Brasil – claro, Renato Russo. Só o tempo, sempre ele, foi desequilibrando a pendenga a favor dos três elementos. Muitas das bandas dos ’80 foram vencidas pelo tempo e seus efeitos. Renato Russo morreu, e a Legião Urbana jamais se sustentaria sem ele. Além das defecções, os Titãs cometeram muitos, muitos erros de lá para cá. E os Paralamas mantiveram uma… linha de conduta. Errada ou certa, mas uma linha coerente. E de mais a mais, sempre é bonito ver uma amizade que dura há 38 anos, por mais que a qualidade musical não seja a mesma.