Pélico – Quem Me Viu, Quem Me Vê

 

Gênero: Rock alternativo
Duração: 36 minutos
Faixas: 10
Produção: Dudinha e Régis Damasceno
Gravadora: Tratore

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

Pélico é desses compositores/cantores com talhe pop clássico. A impressão que dá é que é impossível para ele não compor canções com ganchos melódicos perfeitos, refrãos sensacionais e melodias assobiáveis. Seu mais novo disco, “Quem Me Viu, Quem Me Vê”, vem se juntar a uma carreira de acertos e afirmação de talento, que o coloca numa galeria que tem Guilherme Arantes e Lulu Santos, a dos artesãos pop nacionais. Uma ouvida nas dez faixas do disco vão mostrar que o sujeito é dono de refinamento e ótimas ideias, mas que nunca os coloca à frente da boa melodia. Para ele é importante que a canção grude nos ouvidos, se adapte à vida do ouvinte, que lhe dê guarida. É caso raro em tempos líquidos, creiam.

 

Pélico viabilizou o álbum através de financiamento coletivo, o que torna tudo mais pessoal e próximo de quem o admira. É um bom sinal, posto que as pessoas não parecem mais dispostas a “investir” tempo em canções e letras que as acompanhem pela vida afora. E o disco que surgiu deste projeto é um catálogo de melodias duradouras, com letras importantes e arquetípicas, quase todas versando sobre o amor que não deu certo e a postura não-bundona diante disso. É um compêndio de reações à tristeza, mostrando que é possível não sofrer impunemente, não curvar diante da solidão, não capitular diante da pessoa que se foi e que, ora bolas, pisou na bola, no tomate, no pé, na unha encravada da gente.

 

A primeira faixa já coloca as cartas na mesa. “Acerto de Contas” é algo próximo de uma interseção entre Raul Seixas e um r&b sessentista americano, com letra sensacional que diz: “pra quem quer saber quem realmente é você, enquanto brincava de Jesus, eu carreguei sua cruz acima de qualquer suspeita, à pé da Sumaré até a Penha”. Tudo isso, esta declaração de independência/sobrevivência, dura menos de dois minutos e meio. É uma credencial é tanto, mas se engana quem pensa que tal processo é coisa simples. A faixa-título, logo em seguida, é uma melodia aranteana ao piano, com participação de Teago Oliveira, da Maglore. A letra, mais uma vez, setencia: “quem me viu, quem me vê, quem me viu passar não sabe o que eu passei”. Ou seja, a coisa é toda real, não uma mera sucessão de bravatas.

 

A diversidade rítmica do disco é outro ponto de destaque. Pélico consegue alternar vários arranjos e obtem diversidade musical que tem sua habilidade de compositor como elemento de união. E as letras seguem por dentro das canções, levando-as além. “Nosso Amor”, que tem baixo funkeado e arranjo de cordas perfeito, diz: “nosso amor morreu de fome, esperando no portão, nem sequer teve seu nome, no refrão de uma canção”, mostrando que, é possível endurecer sem perder a proverbial ternura. “Não Procurava Ninguém” tem pinta de canção que tocava nas rádios AM do fim dos anos 1970, cheia de achados no arranjo e certo parentesco com o que Alceu Valença e Fagner faziam na época.

 

“Quem Me Viu, Quem Me Vê”, é um disco de canções. “Machucado” é balada romântica clássica, com arranjo que resvala numa psicodelia sutil que se reflete na guitarra solitária e na bateria pungente. “Descaradamente”, levada ao violão e com arranjo de rockão setentista de Raul Seixas, tem participação de Negro Léo. “Nunca Mais” é outra canção que poderia ser de outra época, mas soa totalmente 2019, com guitarra e baixo dialogando em diversos níveis. “Louco Por Você” tem galope percussivo inesperado logo de cara e desvia para uma levada de guitarras e a letra surge sentenciando sobre o amor acontecendo: “lembro bem de quando eu te vi, era tarde pra não me perder”. O fecho do álbum surge com uma outra balada – novamente com Teago Oliveira – “Pra Te Dizer”, que parece alguma canção perdida de Belchior e “Amanheci”, com mais guitarrinhas, clima pop radiofônico e letra matadora: “em seus braços sonhei, que o novo virá, e quando dei por mim…amanheci”.

 

Este disco de Pélico pode ser ouvido como um belo compêndio de canções pop perfeitas ou como um pequeno diário sentimental, terrivelmente humano e contraditório, sobre o amor. É verdadeiro e muito, muito bonito. Ouça.

 

Ouça primeiro: “Acerto de Contas”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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