O Flamengo e as saudades do meu avô

 

Depois de 38 anos, o Flamengo está numa final de Taça Libertadores da América. Conseguiu este direito após vencer o Grêmio de forma categórica, ontem, no Maracanã, aplicando uma goleada cruel de 5 x 0. Apesar de enorme dentro do território nacional, o Flamengo é quase inexpressivo dentro do cenário sul-americano, colecionando campanhas medianas na competição continental, com apenas uma conquista. Justo a de 1981.

 

Lembro-me bem daquele fim de ano. Eu, com onze anos de idade, já acompanhava futebol com certa regularidade desde a Copa de 1978, muito por conta da participação do Zico, que jogava com a camisa 8 na seleção. Não tenho a nitidez da memória, mas eu já era rubro-negro vendo aquelas partidas contra a Suécia, a Áustria, a Espanha, Polônia, Peru e Argentina. Lembro nitidamente do gol sensacional do Nelinho contra a Itália, na disputa do terceiro lugar. Sendo assim, eu já me entendia por torcedor do Flamengo.

 

Em 1981, após um estágio vendo mesas redondas da TV Educativa e os videotapes dos jogos do Campeonato Carioca à meia-noite de domingo pra segunda, num tempo em que não havia transmissão televisiva ao vivo dos jogos. A gente ouvia pelo radinho de pilha, mesmo em casa, para poder saber o que estava acontecendo naquelas partidas de Maracanã com mais de cem mil pessoas.

 

Sendo assim, a final da Libertadores com o Cobreloa do Chile, disputada em campo neutro – Montevidéu – após dois jogos em que o Flamengo havia vencido (2 x 1 no Maracanã) e perdido (1 x 0) no Chile, foi o meu primeiro grande jogo internacional do meu time do coração. O resultado – 2 x 0 – foi o carimbo no passaporte daquele time para a disputa do Mundial Interclubes, em Tóquio, o qual seria conquistado numa partida épica, na qual o Flamengo venceu o Liverpool por 3 x 0. Este jogo marcou a primeira vez que eu fiquei acordado até muito tarde para ver futebol.

 

Nada disso seria possível sem o meu avô. Rubro-negro carrancudo, porém engraçado e gente boa, ele foi o que eu tive de pai nesta vida. Foi meu grande companheiro de futebol, de mesas redondas e tudo mais. Me ensinou o que era impedimento e como funcionavam as coisas em campo. Lembro dele dizendo “toca ali” ou “toca lá” apontando para onde Zico ou Adilio deveriam enfiar as bolas para Tita ou Nunes. Lembro dele soltando palavrões ou fazendo “uuuuuuu” depois de um quase-gol. Lembro de toda a minha família – mãe, avó, avô, segunda mãe – vendo jogos do Flamengo comigo. E isso começou em 1981, há 38 anos.

 

Hoje, com 49 anos e vivendo noutra casa, com minha própria família, não há como não vibrar com esta campanha histórica do Flamengo. Tenho certeza que meu pessoal está lá em cima, vendo tudo de camarote e vibrando com os gols de Gabigol, Bruno Henrique e Arraxca.

 

Podemos não vencer nada. Mas estamos onde só estivemos há 38 anos. E lá, naquele 1981, eu e meu avô ainda estamos diante da velha TV Philco, vibrando com Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Junior. Andrade, Adilio e Zico. Tita, Nunes e Lico.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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