“Out Of Time” trintão

 

 

 

 

O sétimo disco do REM foi muito mal compreendido na época do seu lançamento. Ele foi visto como uma espécie de capitulação da banda ao mainstream, algo que foi total e (in) voluntariamente corroborado pelo sucesso mundial de “Losing My Religion” e pela felicidade (fake e irônica) de “Shiny Happy People”. Um olhar mais rápido e reducionista ainda implicaria com a esquisitice da faixa de abertura, “Radio Song”, um dueto inesperado como rapper KRS-One, que foi o terceiro single do álbum, com bem menos sucesso que os anteriores. O fato é que “Out Of Time”, olhado de longe, nestes 30 anos e inserido no conjunto da carreira do REM, vai fazer total sentido. A década de 1990 foi, para a banda de Athens, não só um tempo de exposição na mídia e ganho de novos e maiores públicos. Foram dez anos de discos diferentes, complexos, de possibilidades postas à prova. E, a partir de “New Adventures In Hi-Fi”, de 1996, o agora trio, Mike Mills, Michael Stipe e Peter Buck assumiria uma outra forma. Mas aí é outro papo.

 

 

O REM de 1991 era uma banda em reformulação. Dois anos antes os sujeitos haviam assinado contrato com a Warner, deixando para trás a prestigiosa e independente gravadora IRS, sua casa por todos os anos 1980 e responsável pelo seu sucesso de público e, sobretudo, de crítica. O REM fora tratado como uma banda imaculada, síntese perfeita do pós punk, do punk, do folk, tudo bem americano e, de fato, muito relevante e capaz de produzir álbuns próximos da perfeição e já maduros, como “Lifes Rich Pageant” ou “Document”, não por acaso, os últimos que a banda gravaria de forma independente. Quando veio a Warner, o REM entrou para a primeira divisão dos artistas americanos e foi muito questionado pela imprensa – sempre chata – especialmente preocupada por uma eventual perda de autenticidade e legitimidade artística.

 

Uma ouvida em “Green”, de 1988, primeiro álbum sob a nova égide, mostra que, sim, o REM entrava numa nova onda, mas sem molhar além dos pés. Era o chamado “disco de transição”, um trabalho que já acenava para maiores audiências, mas fincava um pé ainda no terreno familiar dos trabalhos anteriores. E, entre momentos bacanas e “conservadores” do disco, vinha um aviso aos navegantes: “Pop Song 89”, espécie de crítica e, acima de tudo “Stand”, esta, sim, uma canção pop perfeita e que fez muito sucesso nas paradas. Sim, Stipe e companhia não pareciam ter qualquer pudor em figurar nas listas dos mais vendidos/mais tocados, algo que eles já tinham feito antes mas que, talvez, sei lá, fosse apenas uma consequência. Aqui, parecia – e era – deliberado, mas sem perder a tal integridade que os críticos e a parcela cricri do público da banda tanto temia. E, bem, se essas duas canções já causaram celeuma, imagina como não foi a recepção aos dois singles de “Out Of Time”.

 

Quem estava vivo no planeta em 1991 lembra do clipe de “Losing My Religion”. E, numa escala menor, do clipe de “Shiny Happy People”. Superproduções grandiosas e que deram muito suporte às canções. O REM sempre fora fluente em vídeos, seja independente, seja numa gravadora grande, seja em toda a carreira. É raro encontrar um filminho musical que seja menos que sensacional. Catapultado pela MTV, inclusive aqui no Brasil, o clipe de “Losing…” tornou-se onipresente e arremessou a canção para o topo das paradas de sucesso em todos os lugares do mundo, merecidamente. Era uma canção de amor em tom personalíssimo, muito bem arranjada, com uma linha de bandolim muito bem colocada e com um parentesco inegável em relação ao que o grupo havia gravado até então. A diferença estava na atitude, na postura, que era a mesma abertura que se via em “Stand”, do disco anterior, uma banda sem medo de fazer mais sucesso, de abraçar mais gente. E foi exatamente o que aconteceu. E “Shiny Happy People”, ironia das ironias num mundo que abraçava o neoliberalismo e que vivia a primeira guerra do Golfo, sem falar nas primeiras escaramuças dos conflitos entre Sérvia e Croácia na Europa, pra não falar na falência de várias economias mundiais – Brasil a reboque – diante da nova versão de capitalismo que estava prestes a ser sacramentada.

 

Sò que “Out Of Time”, é bem mais que estas duas canções e o erro maior em relação ao álbum é encará-lo apenas como um veículo para os dois singles. Há faixas sensacionais presentes, que mostram uma banda em franca evolução estética, abraçando novas possibilidades – uma tendência que, como já dissemos, passou a fazer parte da marca sonora do próprio REM. “Low”, por exemplo, a terceira canção do álbum, é soturna, quase declamada, com instrumental mínimo e uso de percussão em vez de bateria. “Near Wild Heaven” é um pequenos milagre melódico, espécie de irmã mais recatada de “Losing My Religion”, mas com um apego maior em relação às influências byrdianas que o REM sempre cultivou. Os vocais de apoio de Mike Mills chegam a lembrar algo que os Beach Boys poderiam ter feito em algum ponto de sua carreira setentista.

 

 

“Out Of Time” é cheio de canções soturnas, exatamente o contrário do que as pessoas pensam quando olham apenas a sua superfície. “Endgame” é uma delas, bela, com cordas e muitos violões acústicos, ela abre espaço para a inesperadamente suingada “Belong”, que tem uma linha de baixo/bateria bem interessante, guitarras byrdianas, vocais de apoio e uma letra canto-falada, que explode perto do refrão. É uma espécie de antipop. E tem duas pequenas obras primas: “Texarcana” e “Half The World Away, que são dois lados da mesma moeda introspectiva; uma é expansiva e a outra é tímida, ambas geniais. E “Country Feedback”, uma preferida dos fãs, surge lá no fim da linha, como se fosse uma estação de ônibus perdida no meio do deserto, na qual você tem medo de parar porque acha que o veículo pode ir embora e deixar você lá, para sempre. E o fecho traz outra dessas canções falsamente alegres: “Me In Honey”.

 

A chegada de “Automatic For The People” no ano seguinte mostraria que a banda “não se vendera”, pelo contrário, seria jogado na cara dos céticos e chatos a capacidade impar de Michael Stipe conservar sua autonomia artística mesmo com mais dinheiro em sua conta bancária e, de quebra, levar sua banda a patamares de sucesso cada vez maiores.

 

Saudades do REM…

 

PS: em 2016 foi lançada uma versão comemorativa de 25 anos do álbum, com um CD extra, cheio de demos.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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