Hoje eu escrevi uma carta pro Bowie

 

Querido David,

 

Tenho certeza de que você sabe o quanto as coisas por aqui não estão boas.

 

Mais do que nunca agarro o sentimento de que você não foi embora de uma vez e continuo vivendo de uma forma que me preencha, ainda que em meio ao caos.

 

Do contrário eu me desfaria de tudo o que você nos ensinou.

 

Eu vivi por vinte anos. Não quero morrer pelos outros cinquenta.

 

Tá vendo o que dá ouvir “Young Americans” quase todo dia quando a gente nem é tão mais jovem assim?

 

Deixa-me te contar que está complicado me concentrar em todo tipo de leitura e que os movimentos estranhos a que uma pandemia nos impõe me colocaram novamente em frente ao livro “David Bowie, uma vida em canções”, (título original “On Bowie”), escrito por um jornalista admirador seu, o americano Rob Sheffield, que teve a intenção de escrever uma carta de amor a você e acabou aliviando a saudade e o mundo sem graça imposto a nós a partir do dia 10 de janeiro de 2016.

 

Comprei o livro assim que ele apareceu no Brasil e estava tão absorta pelo espanto causado por sua viagem definitiva que deixei várias passagens dele me escaparem e só nessa segunda leitura percebi como o toque da sua arte encaixou a existência de pessoas tão diferentes e distantes umas das outras.

 

Por exemplo, eu devo ter ouvido poucas músicas do “Yeah Yeah Yeahs”, lembra deles? E quem mais além de você poderia me aproximar da vocalista da banda, a Karen O, que disse uma vez para o Rob que não precisava ter os seus discos porque você estava sempre lá.

 

Era só fazer um pedido e você apareceria.

 

Eu também nunca tive um disco seu, coisa que na época da Internet não faz a mínima diferença.

 

Enquanto escrevo ouço no Youtube o seu show de 50 anos no Madison Square Garden e olho a capa do livro percebendo que o importante é que desde pequena, ainda sem entender a sua coragem vestida de Major Tom, Aladin Sane, Ziggy Stardust ou Jareth,, o rei dos Duendes, eu já sabia que você cantava para o mundo a beleza que está em nós, pessoas que não aceitam as coisas como elas nos são apresentadas.

 

Desculpa, aqui roubei as palavras de um outra cara que eu admiro, o Julio Cortazar, que nasceu na Argentina, morou em Paris e escreveu uns livros ótimos que espero, você tenha conhecido.

 

Falando em livros, “David, Uma vida em canções” tem um projeto gráfico lindo. Os responsáveis por ele tiveram o cuidado de selecionar fotos icônicas para iniciar cada capítulo, todos eles respeitosos com suas fases, crises, desafios e repletos de passagens das canções que você escreveu para nós, criaturas a resistir em um planeta que seria insuportável sem a sua criação.

 

Apenas gostaria de que Karen estivesse certa e que fosse possível apenas falar seu nome para você aparecer.

 

Pensando bem, quem disse que ela não está?

 

Espero que esteja tudo bem com você. Aqui seguimos, tentando ser heróis só por um dia, um dia por vez.

 

Obrigada por tudo.

 

 

Debora Consíglio

Beatlemaniaca, viciada em canetas Stabillo e post-it é professora pra viver e escreve pra não enlouquecer. Desde pequena movida a livros,filmes e música,devota fiel da palavras. Se antes tinha vergonha das próprias ideias hoje não se limita,se espalha, se expressa.

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