O grande rock carioca dos Estranhos Românticos

 

 

 

Estranhos Românticos – O Último Sol

Gênero: Rock alternativo

Duração: 35:48min
Faixas: 10
Produção: Seu Cris
Gravadora: Independente

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

“O Último Sol” é o terceiro e derradeiro disco dos Estranhos Românticos. Sim, a banda acabou durante as gravações e não volta mais. Luciano Cian, Mauk, Pedro Serra e Marcos Muller, estranhos e românticos, cada um a seu jeito, mesmo brigados e não aguentando a convivência como banda, conseguiram sair de cena com um trabalho que consegue espelhar bem o que eles dizem que são (ou que eram): sujeitos que fazem indie rock tropical, uma denominação difícil de explicar mas relativamente fácil de entender. Uma cesta de piquenique que tem algo de Sonic Youth, umas pitadas de Mutantes, uma pincelada de Jovem Guarda, outra de New Wave e o monte de influências que eles trazem consigo, uma vez que são caras que já estão na ativa há tempos e têm bandas e projetos paralelos que se cruzam. E esta fórmula sonora, que até pode parecer batida, rende ótimos frutos nas mãos do grupo e de Seu Cris, o produtor argentino, que é quase um quinto romântico estranho.

 

O bacana dos álbuns dos Estranhos Românticos, sobretudo deste terceiro, é que o som que eles fazem é extremamente carioca. Pode não ser o que vem à mente das pessoas quando o termo é utilizado. Não tem funk, não tem tradicionalismos, não tem samba, mas tem, de alguma forma bem sugestiva e sutil, tudo isso misturado, sem falar que os Estranhos têm conexão direta com a cena alternativa de bandas que deu um colorido especial à cidade nos anos 1990. O experimentalismo, as influências, as concessões a sonoridades mais pop, tudo está presente nas dez faixas, com a inovação de contar com um remix de “Mergulho no Saara”, faixa do trabalho anterior, “Só”, feito pela sensacional dupla Latexxx. Aliás, Pedro Serra, que é o baterista e faz-tudo da banda, é o idealizador do coletivo Rockacarioca, que junta várias bandas do Rio, numa série de atividades para fortalecer a cena, contando, inclusive, com o próprio Latexxx, que é formado por Gabriela Camilo e Fábio Caldeira que, por sua vez, também são integrantes da banda de Fausto Fawcett. Tá tudo entrelaçado.

 

 

Além do Latexxx, temos também a presença de uma jovem lenda do rock carioca, Nervoso, que empresta guitarras e boas idéias em “Me Beija”; Marcelo Magdaleno, com saxofone em “Luxo” e a cantora argentina Cony Piekarz, num bom dueto com Marcos em “Sol”. As cinco primeiras canções deste disco estão entre as melhores que a banda já gravou. “Boa Noite, Copacabana” é uma atualização da visão da hoje combalida e sofrida Princesinha do Mar. Mesmo já tendo vivido tempos melhores, Copacabana ainda consegue inspirar uma melodia solar, cheia de ótimas guitarras e uma levada aerodinâmica de bateria. “Me Beija”, logo em seguida, não só é a melhor canção do álbum, como uma das grandes faixas nacionais de 2021, com uma perfeita sintonia entre o rock alternativo carioca e influências da Jovem Guarda, em meio a uma melodia triste e uma letra confessional (“você é o meu amor, sem você não sei quem sou”), misturando em boas doses a ingenuidade e o coração despedaçado.

 

 

“Luxo”, dá prosseguimento às levadas aerodinâmicas e oferece uma melodia um pouco mais intrincada, ainda assim, derramada e utópica na medida certa. “Mim”, que tem um cowbell maroto na percussão, é mais experimental, porém conserva o romantismo estranho (trocadilho intencional) e uma identificação muito grande com um pós-punk brasileiro oitentista que nunca existiu, mas que poderia ter existido. E “Sol”, com os vocais de Cony, é lindeza litorânea clássica, com mais relacionamento amoroso mal resolvido e filosofias etílicas. Além delas, “42”, lá no fim do disco, tem arranjo sensacional e uma linha de baixo que guarda alguma semelhança com o que Kris Novoselic fazia no Nirvana, ou algo parecido.

 

 

“O Último Sol” é um discaço de rock carioca como há um bom tempo a gente não ouve. Merece que você o ouça, encontre seus acertos, decodifique a esquisitice aparente e vá atrás dos outros trabalhos da banda. Reconfortante.

 

Ouça primeiro: “Sol”, “Luxo”, “Me Beija”, “Boa Noite, Copacabana”.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *