O racismo é expressão máxima do fascismo

 

 

Fui criado por uma mulher negra. Foi a criatura mais gentil e afetuosa que conheci e sinto sua falta todos os dias. Ela trabalhava na casa do meu pai e, depois que eu nasci, foi cuidar de mim. Alguns meses depois, meus pais se separaram e, para a surpresa de todos, ela deixou o emprego que tinha para continuar a cuidar de mim, o que fez por alguns anos. Depois, permaneceu na nossa casa e nunca mais saiu, vindo a falecer em 13 de maio de 2003. Tenho certeza que esta convivência maternal – ela me criou junto com minha mãe – me ajudou a erradicar qualquer forma de racismo que, por acaso, viesse a surgir em minha vida, fruto do convívio social em uma classe média carioca dos anos 1970-80. O que importa é que, a cada episódio abjeto de racismo, eu me vejo invadido por uma indignação que não se limita à injustiça humana implícita, mas, de alguma forma, me sinto irmanado de uma forma muito próxima às vítimas. Se isso ofende quem é negro, por conta de não significar, necessariamente, um lugar de fala, peço desculpas. Mas é como me sinto. Sendo assim, ver mais um episódio de racismo contra Vinicius Jr, ontem, no estádio mestalla, em valência, sul da espanha, me deixa, literalmente, enfurecido.

 

É bom que se diga: Vini Jr, 22 anos, é o melhor jogador brasileiro em atividade no mundo. É cria das divisões de base do Flamengo, nascido em São Gonçalo, no Grande Rio. Ralou bastante para chegar aonde está. Atacante, driblador, habilidoso, Vini compensa o físico com destreza e velocidade, como vários jogadores de sua posição. A ideia é deixar zagueiros, laterais e volantes comendo poeira e, a cada gol, comemorar dançando e celebrando porque, gente, cada gol para alguém com a origem humilde de Vinicius, é, de fato, uma conquista. Vinícius José Paixão de Oliveira Júnior saiu do Flamengo em 2018, direto para o Real Madrid, numa transação multimilionária. Foi para ser um dos destaques do time e, com o tempo, se firmou e virou protagonista, numa dupla explosiva com o centroavante franco-argelino Karim Benzema. Ele tem títulos como a Champions League de 2021/22, o Campeonato Mundial de 2022/23, La Liga de 2019/20 e 2021/22, entre outros. É uma estrela do futebol.

 

 

Por ser uma estrela, Vini é alvo. Os jogadores adversários sabem que precisam desestabilizá-lo pois, do contrário, ele vai triunfar. Sendo assim, dentro das quatro linhas, lançam mão de vários artifícios, entre eles, claro, a violência e a ofensa pessoal. O episódio de ontem no mestalla começou por conta de provocações que Vini sofreu dentro de campo e, ao revidar, fez sinal com dedos assinalando “dois”, indicando que o time do valencia pode cair para a segunda divisão espanhola. Ok. O problema é que, a exemplo de várias outras vezes, Vinicius foi alvo de provocações massivas vindas da assistência, onde milhares de pessoas imitavam macacos com gestos, aludindo ao brasileiro. Como a espanha é um país racista e atrasado, as provocações reverberaram no estádio e levou Vini ao destempero, sendo injustamente expulso no fim do jogo. Um curioso caso em que a vítima foi punida. E, por mais que o técnico do real madrid, Carlo Ancelotti, tenha defendido o jogador e outros companheiros tenham reagido em campo, o time da capital espanhola deveria ter abandonado o campo na primeira manifestação racista detectada. Faltou reação, faltou engajamento do time e uma resposta mais contundente. Para coroar o episódio, o gestor da liga de futebol espanhola, javier tebas, é membro do partido neofascista vox, que, entre outras medidas defendidas no parlamento espanhol, é a favor da revogação da lei contra violência doméstica por achar que ela é injusta com os homens. Além disso, o vox é contra o aborto e contra a imigração. O dirigente também foi membro do partido fascista fuerza nueva nos anos 1970 e 1980.

 

 

Ou seja, a partir dessas informações, o episódio de Vini ganha uma dimensão a mais, dimensões fascistas. É a luta das extremas direitas mundiais contra a imigração sob alegação de que a chegada de estrangeiros colocará em risco o “modo de viver” da sociedade a que pertencem. Há políticos defendendo isso em todas as partes do mundo, difundindo a discriminação contra velhos, estrangeiros, gays, não-brancos e demais minorias. É como se essas sociedades capitalistas, que exploraram regiões além de suas fronteiras no passado, destruindo-as socialmente, evitassem sofrer consequências históricas pelo que fizeram. E esse sentimento perpassou a questão étnica, adentrando o terreno econômico e social. Sendo assim, países fora do eixo mundial, como Brasil e Argentina, miscigenados e ex-colônias ibéricas, são sociedades que comportam o racismo, o fascismo e o conservadorismo. No caso da espanha, olhar para sua história vai mostrar um país baseado na religião católica, fragmentado internamente, que dizimou populações originárias na América Central e na América do Sul, sem falar nos mouros, originários do norte da África. Atualmente, na União Europeia, é um dos países mais atrasados, não surpreendendo que sua sociedade comporte tanta gente conservadora.

 

 

Vini Jr fez um pronunciamento em seu perfil no Twitter e acenou com a possibilidade de deixar o real madrid que, não custa lembrar, era o time para o qual torcia o ditador fascista francisco franco. Eu torço para ele se saia de lá, deixe o país e vá exibir seu futebol em outra liga europeia. Porém, é bom que se diga, Vinicius continuará a sofrer discriminação até que a sociedade mundial, em bloco, decida se posicionar contra o racismo e erradique o fascismo de suas entranhas. Até lá, por mais rico que seja, por mais bem sucedido e premiado, Vinicius será um homem com um alvo pintado em sua testa.

 

 

Em tempo: o governo brasileiro, através do Ministério da Igualdade Racial, se posicionou fortemente contra o acidente em valencia ontem e cobrará explicações de medidas do governo espanhol. Imagine se o presidente anterior estivesse no cargo. Diria, como disseram jornalistas espanhóis coniventes e fascistas, que “isso é do jogo” ou que Vinicius está de “mimimi”.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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