O pós-punk geopolítico do Life

 

 

 

Life – North East Coastal Town
39′, 11 faixas
(Afghan Moon)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

Você conhece a cidade de Hull, no norte da Inglaterra? Pois é, eu também não conheço, só ouvi falar pouca coisa. Sei que há um time de futebol, que hoje está na Championship (a Segundona inglesa), que ela é próxima de Manchester e que é a terra de origem de uma ótima banda dos anos 1980, o Housemartins, que, inclusive, batizou seu primeiro álbum como “London 0 x 4 Hull”. E que lá ainda vive o ex-vocalista e ex-líder do grupo, Paul Heaton. Como toda cidade industrial da Inglaterra, Hull não é lá essas coisas para se viver, especialmente depois do ataque que os governos conservadores – desde Thatcher – vêm empreendendo contra as indústrias do país, que foram sumindo com o tempo em favor de privatizações e importações. Pois bem, é nesse cenário pouco afeito a jovens que o Life existe. E tem no orgulho pelas origens um dos principais traços de sua música. O terceiro álbum, “North East Coastal Town”, já entrega o amor por Hull no título, e, ainda que esta relação seja sólida e decisiva, as angústias e a solidão da juventude contida nesse pedaço de terra – e do próprio Reino Unido – são as musas do grupo no novo trabalho.

 

 

A sonoridade do Life é um pós-punk invocado e cheio de detalhes bacanas. Há influências que vão de Joy Division a Blur, de Fontaines DC a Idles, tudo misturado numa centrífuga de angústia e desorientação. Os irmãos Mick e Mez Sanders são os líderes do grupo, responsáveis pelas dinâmicas e pela própria sonoridade, ancorada em arranjos que podem ser rápidos e nervosos, como lentos e climáticos. Completam o quarteto o baterista Stewart Baxter e a ótima baixista Lydia Palmeira e o entrosamento dos quatro contribui muito bem para que haja versatilidade, ainda que o Life se saia muito melhor nas canções mais rápidas do que nas lentas. Aliás, uma audição cuidadosa do álbum mostra que há um equilíbrio entre canções boas e nem tanto, porém, quando o grupo acerta no alvo, é um gol de placa. Senão vejamos.

 

 

A abertura do álbum, tem a ótima, excelente e impressionante “Friends Without Names”, uma verdadeira epopeia sobre solidão e fim de um relacionamento, contém versos como “See my face, my fake embrace/That dull taste of this place” ou “friends without names they’re all the same to me”. Já de cara, o Life mostra que não é uma banda qualquer. A sensação de pujança segue com a segunda faixa, igualmente, ótima “Big Moon Lake”, que é mais barulhenta que a elegantíssima antecessora, mas capaz de engatar num ritmo rápido e frenético, cheio de riffs de guitarra e um ótimo trabalho de Palmeira no baixo. “Poison” é outra em que o baixo se destaca pelo ótimo riff e pela dinâmica realmente legal que se instala pelo diálogo deste com as guitarras, que surgem do nada.

 

 

Talvez a melhor canção do disco seja “Self Portrait”, que tem uma levada que poderia lembrar tanto The Who quanto The Jam, mas devidamente turbinada pela velocidade e pelo espírito de auto-danação imposto na letra. “The Drug” é um outro exemplo de dinâmica perfeita, dessa vez mais voltada para o pós-punk oitentista, talvez próximo do Cure inicial, novamente com ótima assinatura de baixo de Lydia Palmeira. As guitarras também atacam, dessa vez com mais doçura, porém igualmente admiráveis. E a belíssima “Our Love Is Growing” é um desses colossos que misturam baixo à la Peter Hook e uma bateria direta e reta, ambos emoldurando voz e guitarra límpidos e soltando amor e desilusão por todos os poros possíveis.

 

 

“North East Coastal Town” é uma ótima amostra do que o Life pode produzir – uma música elaborada, consciente, cheia de personalidade e que aponta a luz para a excelência de ótimos músicos e temas afetuosos e reais, sobre pessoas, cidades, idas e vindas enquanto os dias passam. Ou seja, é grande pós-punk britânico, como deve ser.

 

Ouça primeiro: “Friends Without Names”, “Our Love Is Growing”, “The Drug”, “Poison”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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