Spielbergs revive a dinâmica emocional do Husker Dü

 

 

 

 

Spielbergs – Vestli
45′, 12 faixas
(Big Scary Monsters)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Quem poderia imaginar que seria possível o rock de 2022 nos dar um álbum que fizesse lembrar do Husker Dü? A pergunta é válida, sobretudo porque a regra hoje, até para artistas alternativos, é apresentar uma dose consistente de invulnerabilidade ou cinismo para com o mundo e o estado das coisas. Ou você está muito bem ou você não está nem aí, é mais ou menos assim. E se a gente diz que um disco ou uma banda nos lembram o trio americano Husker Dü, ativo na segunda metade dos anos 1980, responsável por cunhar uma das fórmulas sonoras do rock alternativo de guitarras da década seguinte, é porque há seriedade nesta afirmação. Sem falar que Bob Mould, o arquiteto desta dinâmica sonora que traz peso, melodia, vocais dilacerantes e uma carga emocional imensa, é um dos grandes gênios do rock alternativo dos anos 1990, ainda carecendo totalmente de reconhecimento universal. Pois bem, o trio Spielbergs, de Oslo, capital da Noruega, é esta banda que parece ter herdado muito do que os americanos faziam quando lançavam discos como “Warehouse” ou “Zen Arcade”. “Vastli”, seu segundo disco, é um bólido de canções impressionantes, produção sensacional e um dos grandes candidatos a escalar listas de melhores trabalhos de acordo com o juízo de quem ainda atribui ao rock a possibilidade de emocionar e modificar.

 

“Vestli” chega três anos após a estreia do grupo, “This Is Not The End”, dando mais foco a esta mistureba emoção-barulho, já então insinuada. É bom que se diga que o trio – formado pelo guitarrista e vocalista Mads Baklien, pelo baixista Stian Brennskag e pelo Christian Løvhaug – promoveu uma mudança consistente na produção de suas canções e em como esta sonoridade se apresentaria para o ouvinte. Enquanto o álbum de estreia apresentava uma concepção sonora boa, mas sem novidades, em “Vastli”, o som do grupo parece surgir de um subterrâneo abafado, efeito que concede uma dinâmica sensacional e surpreendente. Deste ambiente meio lamacento, emergem as guitarras de Baklien, que devem tudo a Bob Mould, mas também têm muito em comum com formações mais modernas, como, por exemplo, os Japandroids. O diferencial também está no nível altíssimo de melodias belas que o álbum apresenta. Em todas elas é possível detectar linhas e passagens que cabem em formatos acústicos e que grudam imediatamente no cérebro do ouvinte.

 

Por fim, presente também na construção sólida de “Vestli”, estão também as letras angustiadas e emocionais. Se você está pensando o tempo todo que os Spielbergs poderiam ser uma formação emo, a ideia não é estapafúrdia, mas, caso fosse, ele seria algo entre o Fugazi e o Sunny Day Real Estate, ou seja, estaria muito mais para a origem do termo “emo”, do que para formações que vieram em seguida, aproveitando-se e banalizando o caminho aberto no início dos anos 1990, justamente por essas formações. O fato é que o ataque sonoro dos Spielbergs não foi amolecido nem pela incorporação de pianos, teclados e cordas em alguns arranjos, pelo contrário, manter a abrasividade do início da carreira neste novo ambiente sonoro é prova de tenacidade e talento.

 

O álbum é todo consistentemente bom, mas há momentos em que o grupo realmente atinge altos níveis de excelência. Começando pelo final, o épico “You Can Be Yourself With Me”, tem impressionantes oito minutos de duração e mantem a bola lá em cima, com comichões de guitarras, vocais sobrepostos e andamentos quebrados se unindo num refrão belíssimo e timbres que vão se amontoando num efeito muito bonito. “Get Lost” é um momento mais “indie rock”, com uma guitarra mais límpida que contrasta com o soterramento dos vocais na massa sonora, com resultados belos. “Brother Of Mine” é encrespada e alta, gritada, mais urgente do que o sofrimento lento que as outras faixas mostram. “There Is No Way Out” parece gravada no porão embaixo do seu apartamento, com vibrações que parecem vir do chão, com os vocais gritados tentando lutar contra a massa sônica. “Go!” é uma lindeza alternativa noventista que parece ter sido posta numa cápsula do tempo e desenterrada só agora. E as duas faixas de abertura, “When They Come For Me” e “New Year’s Resolutions” encapsulam toda a dinâmica desta sonoridade da qual estamos falando aqui – solos, andamentos, barulho, tudo devidamente submetido a uma dinâmica melódica doce.

 

Os Spielbers são um achado para quem gosta de rock como algo a ser ouvido com mais sentimento do que esperteza. Tem elementos que vão despertar os velhos fãs do estilo mas que também irão conquistar novas mentes, especialmente as que estiverem meio atormentadas, confusas e, sobretudo, cientes de sua dimensão humana, logo, falível. Ouça.

 

Ouça primeiro: “Go!”, “When They Come For Me”, “Get Lost”, “You Can Be Yourself Wiht Me”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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