O English Team de Tina Turner

 

 

Dia 26 de novembro foi aniversário de Tina Turner: 82 anos. Para a aproveitar a ocasião, a Capitol Records colocou nas boas lojas – gringas – e plataformas de streaming do ramo, uma versão de luxo tripla de “Break Every Rule”, lançado em 1986, com a missão de dar prosseguimento ao deslumbre que foi o renascimento pop de Tina em “Private Dancer”, lançado dois anos antes. Pode parecer estranho, mas apostar em Tina no início dos anos 1980 era ato de grande risco, uma vez que a cantora texana ainda se recuperava de um divórcio barra-pesada do não menos barra-pesada Ike Turner, parceiro artístico e de vida, um cara violento e que não hesitava em agredir a esposa de todas as formas. Felizmente Tina conseguiu se livrar da presença de Ike em sua vida, porém, sua carreira, calcada no soul, no funk e no classic rock, carecia de reinvenção urgente. Pois foi o que aconteceu em 1984.

 

 

 

O período compreendido entre 1984 e 1988 foi extremamente fértil e vencedor para Tina e para a gravadora Capitol. Quem bancou a aposta nela, contra os chefões, foi o A&R John Carter, que tinha desenvoltura no terreno do hard-rock comercial americano, já tendo trabalhado com Sammy Hagar e Bob Seger nos anos 1970. Com Tina ele resolveu mudar o escopo sonoro. Mandou a cantora para a Inglaterra e lá recrutou a dupla responsável pela sonoridade new wave pop do Heaven 17, Rupert Hine e Martyn Ware. Além deles, Carter chamou Graham Lyle, Terry Britten, Holly Knight (operários e produtores de estúdio na Velha Ilha) e convocou dois outros sujeitos: os medalhões Jeff Beck e Mark Knopfler. A ideia de um time de produtores para o vindouro álbum funcionou às mil maravilhas, sendo possível a existência de canções tão diversas como a faixa-título (que tem a participação da guitarra de seu autor, Mark Knopfler) e a cover do sucesso-assinatura de Al Green, “Let’s Stay Together”. Além dessas duas, outros três sucessos se impuseram nas paradas: “Better Be Good To Me”, a onipresente cover de “Help”, dos Beatles e a colossal “What’s Love Got To Do With It” (escrita e produzida por Terry Britten). Uma ótima cover de David Bowie – “1984” – e outra de Ann Peebles – “I Can’t Stand The Rain” – também estão no tracklist, mas não chegou a fazer sucesso no mesmo nível dessas outras canções.

 

 

 

Em pouco tempo, “Private Dancer” se tornou um dos discos mais vendidos entre 1984 e 1985, faturando várias classificações de Disco de Platina em diversos países do mundo e levando três Grammys, com destaque para Gravação do Ano e Canção do Ano para “What’s Love Got To Do With It”. Tina poderia tirar algum tempo para descansar e saborear sua renassença pessoal e artística, mas, não. Ela chegaria a lugares ainda mais altos com o sucesso global de “We Don’t Need Another Hero”, canção-tema do terceiro filme da série Mad Max, batizado como “Além da Cúpula do Trovão”, lançada em 1985, como compacto, com a cantora fazendo uma participação no longa.Tal movimento deu fôlego para Tina se concentrar na preparação do próximo disco e numa turnê mundial. Tais fatos viriam com “Break Every Rule”, no ano seguinte.

 

 

 

É consenso dizer que este trabalho é inferior a “Private Dancer” e esta impressão não é totalmente errada. O equívoco está em não observar que este também é um baita disco pop, muito bem produzido e cheio de hits que tiveram uma performance global igualmente bombástica. O time de produtores tem novamente a presença da dupla Lyle e Britten, bem como a participação de Rupert Hine, que só assina a produção da faixa-título. Mark Knopfler também está na área, assinando a pilotagem do estúdio num dos grandes sucessos do álbum, “Paradise Is Here”. Alguns novos participantes batem ponto no estúdio, caso de Bryan Adams, Steve Winwood, Phil Collins e David Bowie. Os sucessos mundiais ficam por conta da sensacional faixa de abertura, “Typical Male” e da belíssima “Two People”, que tem arranjo e pegada semelhantes a “What’s Love Got To Do With It”. E tem “Back Where You Started”, rockão de arena com participação de Adams nos vocais de apoio.

 

 

 

Ao contrário de “Private Dancer”, “Break Every Rule” não tinha covers no tracklist original, mas a versão de luxo que a Capitol lança agora, traz uma dupla de muito respeito: “Having A Party”, famosa na voz de Sam Cooke e “Take Me To The River”, clássico atemporal de Al Green. Além delas, uma canção que se tornou conhecidíssima anos mais tarde, “Don’t Turn Around”, composta por Albert Hammond e Dianne Warren, na versão do grupo inglês Aswad e da releitura dos suecos do Ace Of Base. Também é digna de menção a impressionante turnê mundial que Tina empreendeu a partir do lançamento deste álbum. A “Break Every Rule Tour” iniciou em 4 de março de 1987, com um show em Munique, percorrendo treze países em 218 apresentações, totalizando mais de quatro milhões de pagantes.

 

 

 

É digna de menção a passagem de Tina pelo Brasil – sua primeira e única – na qual ela se apresentou duas vezes no Pacaembu e no Maracanã. O concerto no estádio carioca aconteceu em 16 de janeiro de 1988, diante de 180 mil pessoas e com direito a participação do carnavalesco da Beija-Flor de Nilópolis, Joãozinho Trinta, que construiu um carro alegórico para sua entrada no palco, que foi devidamente anunciada pelo atemporal puxador de samba Neguinho da Beija-Flor com um tonitroante “Olha a Tina Turner aí, gente!”. Das vinte canções deste show, treze foram lançadas como VHS, mais tarde como DVD. A edição de luxo de “Break Every Rule” traz essas canções remasterizadas e no formato de um terceiro CD, totalmente ao vivo, com o título “Live At Rio”.

 

 

Depois deste período avassalador, que colocou Tina Turner como uma das artistas mais importantes dos anos 1980, ela ainda teria mais um disco, digamos, conectado com estes outros álbuns, a saber, “Foreign Affair”, que seria lançado em 1989 e daria mais um sucesso à cantora: “The Best”, mas que já mostrava certo esgotamento criativo dentro deste modelo pop rock de estádio extremamente bem sucedido na voz e na presença da cantora. Entre 1984 e 1988, Tina Turner nada deixou a dever a gente como Madonna, Michael Jackson, Phil Collins, Paul McCartney e George Michael num Olimpo de megapopstars daquele tempo. Se não fosse pela presença de seus colaboradores ingleses nos estúdios, tocando, produzindo e compondo para ela, o que teria acontecido com Tina? Não importa. Sabemos exatamente o que aconteceu e podemos ouvir e recordar várias vezes.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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